Shlohmo
Dark Red

| Abril 7, 2015 7:42 pm
Dark Red // True Panther Sounds | WEDIDIT // Abril de 2015
8.2/10

Shlohmo é um produtor baseado em LA e membro fundador do colectivo WEDIDIT, um grupo de artistas que se dedicam a explorar as fronteiras do hip hop instrumental e da IDM no mundo da pós-internet, afirmando-se como uma à máquina totalitária da “grande indústria musical”.
Enquanto produtor e músico, Shlohmo tem percorrido um percurso bastante coeso e rico em termos de produção de complexas batidas de hip hop. E Dark Red não é uma excepção a essa regra no que toca à qualidade a que Shlohmo já nos tem vindo a acostumar nos seus trabalhos.
Porém, em termos de conteúdo, o caso muda de figura. 


Aquilo que, até agora, era um percurso que destacava terrenos bem claros no contexto do hip hop instrumental, evoluiu para um LP marcado pelo copioso recurso a elementos analógicos, pela aproximação a géneros como o jungle e o drum n’ bass e, mais importante talvez que todos os recursos estilísticos empregados, o seu denso conteúdo emocional. Dark Red é, antes de mais nada, uma experiência desoladora, o fruto de um indivíduo assolado pelas sombras de todas as maleitas da mortalidade. Mas no final de contas, todos somos mortais. E Shlohmo é Henry Laufer, um jovem de 25 anos que é subjugado a todos os indissociáveis problemas que a existência humana traz.
E, no caso de Dark Red, a morte de entes queridos de Laufer e o período que sucedeu a estas perdas foi uma das partes mais significativas na composição deste disco.
Neste, Laufer encontrava-se dividido entre noitadas, sessões de estúdio demasiado longas para serem consideradas saudáveis e estados mentais de alteração e alienação. E foi assim que surgiu Dark Red.

Yeah. It was just a bunch of funerals and being in hospitals a lot. Just fuckin’ life. Everyone spends some time at the hospital, and everyone goes to some funerals every few years. It was just one of those periods where I was just figuring shit out. It was kind of the first time where people that close had been ill, so it was a weird time, and I think it was just inevitably going to pop out in the music no matter what. When I start making stuff, it’s never like, “This is what it’s going to sound like.” I just end up making shit, and the first however many tracks just end up having this overarching sound, and I can start to hear that.
I was actually partying a lot to be honest. I was getting pretty fucked up and then just spending more time in the studio when I wasn’t doing that. And I think that probably had an effect on it too, just feeling like shit whenever I was in the studio. 

Entrevista a Shlohmo via Passion of the Weiss

O estado mental devastado e depressivo de Laufer enquanto consequência de todas as tragédias recentes na sua vida é, sem dúvida, discernível neste Dark Red.
E o que Shlohmo procura concretizar com Dark Red é converter todos os sentimentos negativos de Laufer em sonoridade complexa. 
Um processo natural. Afinal de contas, a vida é complexa e para a morte não há solução. E é neste conjunto de ilações desesperantes e dolorosas que reside o motor de Dark Red.
A angústia de Laufer, o gritar da sua dor — não em termos literais, mas através do output ruidoso, abstracto e quase ausente de vozes humanas de Dark Red — em busca do derradeiro alívio do fardo que tem carregado, assim como a última expiração de Sísifo antes deste dar o derradeiro empurrão à gigantesca rocha que lhe incumbe de carregar montanha acima.
Mas, tal como no caso Sísifo, a tarefa revela-se um fracasso para Laufer.
A pedra rebola montanha abaixo quantas vezes as que Sísifo a carregar montanha acima. Assim é a história de Sísifo: a sua tarefa será sempre infrutífera, porque assim os deuses do Olimpo o quiseram, como forma de castigo por os ter desafiado.
E ao contrário da mitologia grega, os mortos ficam mortos para sempre: assim é a condição humana. Nada algum dia trará alguém de volta do mundo dos mortos.

A frustração de saber que qualquer que seja o rumo das nossas acções nos espera o fracasso será talvez dos sentimentos mais penosos a que nós somos subjugados.
Este sentimento é capaz de fazer o ser humano desistir de tudo. Mas não Laufer.
Laufer fez uso de toda a sua dor para nos trazer Dark Red, um trabalho profundamente introspectivo. 
Dirão os críticos desse lado que qualquer trabalho artístico é fruto da introspecção do artista. E eu concordo convosco. Mas terão que concordar comigo quando eu afirmo que este foi produzido no epicentro de situação desesperante, por um indivíduo num estado mental de absoluta devastação. O mero facto de Laufer ter conseguido transformar a sua dor em algo de construtivo é notável. Mas Laufer quer aspirar a algo mais que a “mera” concretização de um álbum bem conseguido como o é Dark Red:
Laufer quer que nós soframos como ele sofreu. Quer que soframos não por causa de um qualquer espírito de solidariedade motivado por um impulso egocêntrico da sua parte, mas sim porque todos partilhamos dos mesmos problemas, das mesmas dúvidas, da mesma dor:

Porque é que coisas más acontecem a pessoas boas e vice-versa?
Porque é que não morri eu na vez dele?
Porque é que isto custa tanto?
Porque é que a vida é assim?

Mas assim como?

Negra. É assim que Laufer a vê e como Shlohmo a retrata. 
Negra, confusa e dolorosa. E o que quer que nós façamos para a melhorar, não altera o nosso final. 
Devemos portanto desistir?
Sim, se formos fracos.

Eu considero que uma existência plena é aquela que é devota a deixar o mundo — ou pelo menos o seu mundo — um pouco melhor do que aquilo que o encontrou em primeiro lugar. Através da prática artística, da carpintaria ou da orientação divina de outros indivíduos, qualquer que seja o caminho por nós escolhido, este deve ser percorrido com vista à produção de beleza, ao melhoramento daquilo que nos rodeia e não à sua destruição. Não quer isto dizer que da destruição não possa surgir coisas benéficas. Olhem para Dark Red!
É verdade que este é um disco profundamente melancólico e deprimente.
Mas a forma como Shlohmo o trabalhou e teve forças para o aprimorar torna-o num trabalho notável e de beleza impar. 


Tirem um tempo para ouvir Dark Red. Mas tirem um tempo a sério, não é porem o disco a rodar enquanto vocês estão no facebook!
Dark Red é um disco para ser apreciado. Esta não é a banda sonora dos vossos estudos pela noite dentro. Dark Red deverá ser sim matéria de estudo para vocês.
Quando se abstraírem de tudo o que vos rodeia e pararem para ouvir Dark Red com atenção, serão dotados da capacidade de ver a vossa realidade de maneira distinta.
E depois, quando voltarem às vossas vidas, nada será como dantes.
Afinal de contas, o mundo sombrio de melancólico de Dark Red é o vosso também.

Se acreditam na salvação divina como forma de minimizar a vossa angústia, não vos faz mal nenhum continuarem a acreditar.
Até porque a única alternativa que existe à salvação divina é viver neste mundo negro e doloroso retratado em Dark Red e depois, como recompensa pela nossa existência e acções no mundo terreno, vamos passar o resto da nossa existência corpórea num buraco ou numa jarra e o nosso espírito vai gradualmente desvanecer-se das memórias de quem nos conheceu.
Acham isto dantesco?
Não é meu amigos.
É pior. Se bem se recordam, Dante de facto foi ao inferno, mas voltou de lá
Nós, por outro lado, vivemos nele e, de acordo com Sartre, com ele(s). 
Mas sosseguem que ainda há coisas pelas quais vale a pena viver neste mundo.

Como Dark Red por exemplo.
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