[Review] James Ferraro – Skid Row

| Dezembro 23, 2015 12:27 am

9.5/10
Skid Row / Break World Records / novembro de 2015

James Ferraro é um dos maiores vultos do panorama da música experimental (para uma definição de música experimental, sigam este link). Este ano, o nativo de Nova Iorque regressa às edições com Skid Row, o seu mais recente LP e o sucessor conceptual de NYC, Hell 3:00 AM. Skid Row surge na sequência de War, um EP que Ferraro compôs este verão após ter testado pessoalmente o Bravemind, um simulador desenhado para ajudar os veteranos da guerra do Iraque a combaterem o transtorno de stress pós-traumático de que sofrem. A experiência hiper-realista da guerra do Iraque que o Bravemind permite ao seu utilizador marcou Ferraro e motivou-o a compor War, um retrato hiper-realista da nossa perspectiva em relação aos fenómenos bélicos. Diariamente, assistimos a inúmeros actos grotescos através de uma ecrã. E mesmo que não tenhamos uma real percepção das dimensões do horror dos actos que testemunhamos através dos media, não ficamos indiferentes aos mesmos. Para a maioria de nós — millenials ocidentais — a guerra é um fenómeno que apenas conhecemos dos jogos de vídeo, dos filmes e de livros de história. Não temos uma experiência do que é, de facto, viver o caos e o horror da guerra. Em WarFerraro procurou, através de composições sonoras abstratas, aproximar-nos dessa realidade ao exaltar a violência gráfica que todos os dias chega até nós através dos media e que nos traumatiza. Na perspectiva de aproximação ao horror, Skid Row é uma continuação de War. O ambiente sonoro que se vive nas ruas sinuosas e degradadas da Skid Row de Ferraro é mais “familiar”, menos “exótico” do que as paisagens bombardeadas pelos soldados ao serviço da “paz” mundial em War, mas nem por isso é menos inquietante.

Um soldado a manusear o Bravemind.

In the spring of 2015 I had a chance to experience “Bravemind” the immersive virtual reality exposure therapy system designed for Iraq war veterans suffering from PTSD. Head-mounted display a tunnel into a virtual battlefield representing the shellshocked mind of warriors with PTSDburning oil fields , endless desert roads , flight of a drone scanning desert floors. as I wondered the virtual war zone, I felt artificial,surrounded by representations of human beings.. aggressive pixels eternally living the terrors of war played out in the simulated environment.. harsh gradient desert landscape.. immersion into full violent digital environment. the virtual battle field a map of shattered dreams/ war experiences constructed into a virtual space. trauma subspace of the warriors mind. trauma hits. the explosions , those sims are automatically prescribed sentience by the mind.when I took the head piece off I felt cognitive dissonance , the cyber violence of war had seeded deep into my subconscious mind. I felt like a surrogate for the trauma of war. felt dissociation in an orange sunset that enveloped the streets of Los Angeles in a daze.. driving around Downtown LA vaguely suicidal and enlightened, there was no difference from the simulation of war and the violence that occurs randomly and insistently in the world outside of Brave mind..so this is the prelude to Skid Row.. a shell shocked solider of digital war. 

Algumas palavras de James Ferraro sobre o seu EP War no SoundCloud.

Apesar da carga sonora de Skid Row ser menos densa que a de War — em War predomina uma percussão electrónica acutilante inspirada nas bandas sonoras dos primeiros FPS enquanto que Skid Row se aproxima dos domínios da r&b e da synth-pop — as expressões que a compõem dão corpo a uma Los Angeles distópica, onde reina a violência, a corrupção, o egocentrismo, o capitalismo desenfreado, a desumanidade e o caos. Todos estes conflitos fazem com que — à imagem de War — continue a pairar uma certa aura bélica sobre Skid Row. Mas agora a guerra não é somente contra os agentes do terror, mas sim contra todos os elementos que condicionam a nossa existência diária. O governo, os media, a propaganda, as mensagens subliminares, a política do medo e a sobrecarga de informação que nos chega diariamente e que asfixia os nossos sentidos são inimigos que não estavam presentes de forma tão expressiva em War. Skid Row continua a balada niilista sobre a vida urbana moderna iniciada em 2013 em NYC, Hell 3:00 AM


Skid Row started as a collection of poems…It came first as words, then grew into becoming the lyrics of Skid Row. I was writing about the state of the world around me, living on what feels like the brink of societal collapse while also seeing high excess everywhere. All the sounds of the streets crept in—the blood and tears on the street, the echoing sirens in the early morning fog, soaked into the poetry—and it became evident that LA is a hyper-America. A place where violence (media and real life), excess and poverty, police exceptionalism & brutality, racism interact daily.” 


Entrevista a James Ferraro in Thump



Videoclip do tema “Thrash & Escalate” de Skid Row
Sendo que este vídeo tem o cunho de Ferraronão deixa de ser curioso a maneira como este nos apresenta a Los Angeles: um misto de caos, poluição e alguns anjos perdidos. Esta é, de facto, a Los Angeles de Skid Row.



Apesar de Los Angeles ser a cidade dissecada neste Skid Row, esta metrópole é um mero reflexo de todas as cidades deste mundo pós-moderno, pós-internet, e progressivamente pós-humanidade. Excluindo a voz de Ferraro e dos ocasionais coros que acompanham o corpo sonoro, a restante humanidade ora é representada por uma caótica massa fónica que serve apenas de ruído — sendo que, por vezes, esse ruído é a totalidade do corpo sonoro da narrativa que nos está a ser apresentada — ou então é afónica, sem expressão. Skid Row é a metaforização de tudo aquilo que enfrentamos diariamente nesta nossa vida na pós-modernidade: desumanidade, conflito, sujidade, caos…todos os males que Pandora libertou sobre o nosso mundo e mais alguns que foram surgindo entretanto. Resta-nos a esperança, essa ilusão que nos permite acordar todos os dias com vontade de enfrentarmos o que quer que nos espera. Mas a verdade é que por mais distópicas que sejam as ruas de Skid Row, nós conseguimos encontrar algumas semelhanças com as ruas que percorremos todos os dias para o trabalho, para casa, para a escola, para onde quer que nós nos dirijamos diariamente neste mundo.


“All the sounds of the streets crept in—the blood and tears on the street, the echoing sirens in the early morning fog, soaked into the poetry—and it became evident that LA is a hyper-America. A place where violence (media and real life), excess and poverty, police exceptionalism & brutality, racism interact daily.” 

James Ferraro em entrevista à FACT Magazine sobre Skid Row

Acabo com as minhas considerações pessoais acerca deste Skid RowPela forma como me apanhou de surpresa, pelo seu rico corpo sonoro, pela maneira como me identifico com as linguagens usadas para construir este disco (a synth-pop dos 80 é o meu não-guilty pleasure) e pela forma como a lírica me marcou, Skid Row é, para mim, o melhor disco do ano 2015. Nada mais me irá surpreender este ano da maneira como este disco me surpreendeu. Foi o último disco que ouvi verdadeiramente este ano e ainda bem, porque foi o mais marcante. Skid Row é o sublime retrato da vida moderna que todos os millenials gostariam de ter escrito e que certamente subscrevem.

Million dollar smiles, lattes & police brutality.Excess and fiscal ambiguity.Media violence & Lamborghini dreams, all under one surveillance video texture.The desert landscape, like tupperware housing digital smog.K9’s and glistening acid rain,wash away the sentient blood that stains the palm tree city.An Escalade® burns on the freeway.The drone of helicopters hum above head, in a desert backdrop commuters in traffic requite a speed of 20 mph pass the gleaming semiotic debris.the sushi elite & the poor all anonymous in an unforgiving freeway fatality,an undiscerning system.Man on the highway, through a walkie talkie speaker, barefoot on the slick asphalt.As the sunsets, the sky burns a fusion of metal and silhouetted palms.and a hyper real civilization is rendered by it’s idealism, at war with the gravity of reality..Rendered by it’s traffic culture, it’s culture of police brutality and gang violence, media saturation and racism, it’s glamorization and solipsism, rendered by the tabloid of it self. 

Algumas estrofes da autoria de James Ferraro in Thump

Ferraro é um millenial que, como todos nós, há muito saiu da esfera do status quo, questionando-se a si próprio e a outros sobre o sentido da vida no mundo moderno. Será que a vida moderna se resume a uma série de rituais contra-natura com o intuito de ganharmos dinheiro, termos empregos, comprarmos coisas, a fim de mantermos um status quo que é, em última instância, nocivo para nós próprios? Será que a vida se resume a isto? Eu espero sinceramente que não. Haverá algo mais depois disto? Ninguém sabe. 

Mas o que é que tu fizeste hoje para mudar este mundo em que vivemos?

Consegues dizer-me, na realidade, em que mundo nós vivemos?
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