Reportagem: Black Bombaim & Peter Brötzmann [Passos Manuel, Porto]

Reportagem: Black Bombaim & Peter Brötzmann [Passos Manuel, Porto]

| Outubro 30, 2017 9:41 pm

Reportagem: Black Bombaim & Peter Brötzmann [Passos Manuel, Porto]

| Outubro 30, 2017 9:41 pm


Na passada quinta-feira assistimos àquela que poderá ter
sido a última atuação do power trio Black Bombaim com
o génio do free jazz europeu Peter Brötzmann. O
encontro entre estas duas forças tão díspares fez-se pela primeira vez em 2016,
aquando do festival Rescaldo na Culturgest, no
Porto, seguido de um concerto no Hard Club no dia a
seguir. Black Bombaim & Peter Brötzmann surgiria uns meses
depois, editado nos estúdios Sá da Bandeira, reforçando assim o histórico e a
experiência jazzística no som da banda natural de Barcelos, que em 2012
trabalhou com o malogrado saxofonista Steve Mackay, esse turbilhão
desenfreado que nos surge do modo mais inesperado em Funhouse dos The
Stooges
, e que viria contribuir com uma faixa para o disco Titans.
A convivência feliz entre as sonoridades pesadas e riffs tipicamente
rotulados como stoner rock do trio com a esfera jazz de
cariz mais experimental não se ficaria por aqui, contando ainda com a colaboração dos saxofonistas portugueses Pedro Sousa e Rodrigo
Amado
.
Este ano, Black Bombaim e Peter Brötzmann juntaram-se
novamente para os derradeiros confrontos com duas performances – a primeira a decorrer
no Musicbox, em Lisboa, inserido nas sessões do Jameson
Urban Routes
, e uma última atuação no auditório do Passos Manuel,
no Porto. A ocasião era de grande expectativa, portanto, e a sala portuense
rapidamente se apresentou bem composta. Seguindo um registo semelhante ao do
disco, o concerto iniciou-se com o poderoso sopro do saxofone tenor de Brötzmann,
numa espécie de monólogo bizarro e absurdo que viria a completar-se com o som
dos portugueses a surgir discreto e em crescendo. Já com a artilharia toda
preparada, o monólogo transforma-se de imediato num diálogo entre gigantes, uma
luta que não procura uma oposição mas sim uma comunhão de respeito e sintonia.
E se a força bruta do trio português ofuscava, por vezes, a magia do
saxofonista alemão, de imediato nos apercebíamos da falta e do vazio que se
sentia na sala assim que este terminava o seu sopro inigualável. As suas
capacidades exímias como saxofonista preenchem o espaço de tal modo que se
tornam parte essencial da performance, ora de modo subtil e discreto, ora
através de sopros vorazes, secos e rasgados sacados a todos os pulmões. E não
esquecer que já lá vão 76 anos de vida e uma carreira incontestável cheia de
marcos como Machine Gun, que em 1968 o juntou a Evan Parker para
um dos discos mais desafiantes e influentes do género.
 
É de louvar a coragem e a ousadia dos Black
Bombaim
 em colaborar com nomes grandes como este, colocando-nos a nós,
redatores, sob o risco de ocultar a força das suas atuações perante o encanto
que é assistir a um dos cânones do free jazz como é Brötzmann,
mas a verdade é que o trio possui capacidades acima da média e uma força
inegável e explosiva, onde o músculo reina e nos remete para paisagens saídas
de um deserto escaldante. A convivência tanto em disco como ao vivo é
extremamente fortuita e bem sucedida, uma demonstração de profundo respeito por
parte de ambos sem olhar para diferenças geracionais ou passado histórico. Aqui
assistimos a uma prova viva de humildade, longe de preceitos e convenções onde
o objetivo é a procura por novas sonoridades e experiências e, acima de tudo,
evolução e crescimento. Foi sob esta premissa que tudo isto se tornou
realidade, e só assim foi possível assistir ao encontro entre estas duas
identidades tão diferentes, culminando assim uma bonita e improvável relação
que ficará para sempre guardada na nossa memória.

Antes, os Paisiel encarregaram-se da primeira parte com um set
competente que serviu como o aquecimento ideal para o que viria a seguir-se. A
dupla composta por João Pais Filipe e o alemão Julius Gabriel apresentou um
diálogo interessante entre saxofone, bateria e gongo, num concerto curto mas
rico em melodias introspetivas e imersivas.




Reportagem fotográfica completa aqui.

Texto: Filipe Costa
Fotografia: Eduardo Silva




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