Michael Formanek / Ensemble Kolossus
The Distance

| Janeiro 16, 2018 12:44 am
The Distance // ECM Records // fevereiro de 2016
9.0/10

O terceiro álbum de Michael Formanek pela ECM põe o contrabaixista num esforço particularmente ambicioso: gravar com uma orquestra – a Ensemble KolossusThe Distance, álbum que funciona como um exercício sobre diferentes abordagens no jazz vanguardista. Dividido em 6 faixas – “The Distance” e as 5 faixas que compõe a megalómana obra “Exoskeleton” – o álbum de Formanek, apesar de adotar estruturas conhecidas no jazz, soa inevitavelmente a uma lufada de ar fresco neste panorama. Ao olharmos para o catálogo da ECM deste ano, podemos considerar que este registo é, provavelmente, o mais desafiante a nível rítmico (talvez a partilhar este lugar com Continuum dos Mobile de Nik Bartsch) e complexo do ponto de vista melódico (conseguindo superar um fenomenal Adès, Norgard & Abrahamsen do Danish String Quartet) – o que por si só é dizer bastante. 

Por entre momentos de elevada complexidade, contudo, temos algum lugar para a forma livre no jazz que é invocado pelo contrabaixista e pela sua Ensemble Kolossus. O fim de “Exoskeleton Parts I-III (Impenetrable/Beneath the Shell/@Heart)”, presumivelmente “@Heart”, contrasta com o seu início quase mecânico (que inevitavelmente me transporta para Hoketus de Louis Andriessen) num monólogo saxofónico sobre o qual, lentamente, se constrói um momento de diálogo caótico em que todas as vozes contribuem para o bem comum. Toda a faixa, enquanto progride, leva o ouvinte a circular por entre as suas estruturas rítmicas, chegando a duvidar delas, para meramente as confrontar no seu derradeiro momento. Sun Ra defendia que as suas obras não eram free jazz, mas sim obras de estrutura complexa cuidadosamente orquestradas. Em The Distance, podemos ver a materialização destas palavras. 


Ao entrarmos em “Exoskeleton Parts IV-V (Echoes/Without Regrets)”, não é só no mundo de Formanek que penetramos. Para além do próprio, escutamos vozes do além, por entre Charles Mingus e John Coltrane, constrói-se um espantoso início, com reminescências de “The Black Saint and the Sinner Lady”, seguido de improvisações de saxofone que correspondem a milhões de sonhos molhados para fãs de jazz modal, entrando lentamente nas melodias e harmonias mais ortodoxas do bebop – somos transportados de Coleman até Sonny Rollins cobertos no júbilo de improvisos de saxofone ao longo de alguns minutos. A parte seguinte – “Without Regrets” – é uma masturbação – no melhor dos sentidos – e a exploração do papel da guitarra na forma livre, deixa-nos, mais uma vez, num universo que aparentemente carece da sua forma, até ela ser enfim material que segue a previsibilidade suficiente para que os nossos sentidos a consigam processar como estruturada. 

“Exoskeleton Parts VI-VII (Shuckling While Jiving/A Reptile Dysfunction)”, a 5ª e penúltima faixa do disco, sem querer atribuir uma maior importância às anteriores, é novamente aquilo a que Formanek nos habitua ao longo de The Distance – com uma linha que se prolonga numa espécie de ad nauseum delicioso, entre mudanças de dinâmica, dando desta vez, passados aproximadamente nove minutos, voz ao piano. Mais uma vez, o improviso, uma componente importante deste disco vê o seu brilho reforçado neste solo, seguindo-se a vez do clarinete – um instrumento que guarda o seu lugar no jazz em locais tipicamente diferentes, como o klezmer ou em sonoridades mais melodiosas e calmas – se materializar e nos transportar para o mundo idealizado por Michael Formanek.



O último tema, “Exoskeleton Part VIII (Metamorphic)”: uma viagem – uns profundos 72 minutos de travessia pela composição do contrabaixista – que vê o seu fim com um momento de espiritualidade e free jazz. Temos o encontro entre Alice e John Coltrane, em contraste e em simultâneo. Entretanto, ao estarmos já embrenhados nesta paisagem diferente, temos uma wake up call pelo condão de um momento de comunicação entre guitarra e secção de sopros em improvisações desenfreadas sobre um quadro bem estruturado – uma visão de Pollock sobre Mondrian

Não se engane o leitor que, por não ter referido “The Distance” – faixa que abre e dá nome ao disco – e “Exoskeleton Prelude” – o primeiro movimento de “Exoskeleton” – não lhes dou a importância ou reconhecimento que lhes é devida. Na verdade, não me ocorrem motivos para não as ter referido antes ou por apenas as referir agora – são faixas que abrem o caminho que Formanek irá traçar para o resto do álbum. Ora “The Distance” segue uma estrutura bem compassada e argumentada no seu jeito de Charles Mingus, ora “Exoskeleton Prelude” nos dá uma maior espiritualidade e liberdade na composição, intercalada por vislumbres de paisagens auditivas mecânicas e ricas em forma. 

No fundo, The Distance é um disco que pode muito bem marcar o ano para a ECM, editora com mais de 40 anos que continua a ser uma prova de qualidade artística, bem como para a vida e obra de Michael Formanek. Um álbum que aguçará certamente o ouvido de muitos fãs de jazz para o trabalho do contrabaixista e, para os que já conheciam o trabalho de Michael, em mais um disco (quem sabe senão o melhor) de qualidade incólume. Quando falamos em forma e caos, Formanek demonstra que este confronto não é um problema de classificação num ou noutro, mas sim de encontrar o balanço – tarefa difícil tornada fácil, neste disco – entre ambos.



Texto por: José G. Almeida
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