Cinco Discos, Cinco Críticas #33

| Fevereiro 1, 2018 10:48 am


Em nova edição do Cinco Discos, Cinco Críticas fazemos uma retrospetiva a 2017 para opinar sobre os trabalhos de Haram – بس ربحت, خسرت “When You Have Won, You Have Lost” –  e Conan Osiris – ADORO BOLOS -, editados em novembro e dezembro, respetivamente, do passado ano. Já com foco em 2018 a seleção inclui No Cross No Crown dos Corrosion of Conformity​, All Melody de Nils Frahm e III de Weedpecker. As críticas aos trabalhos seguem abaixo.

No Cross No Crown // Nuclear Blast // janeiro de 2018
7.3/10

Originários da Carolina do Norte e com a alma sulista a rugir alto desde os anos 80, os veteranos do metal mais lamacento ​Corrosion of Conformity​ regressam aos álbuns com o oitavo registo ​No Cross No Crown. Como parte da velha guarda do sludge/stoner metal, pode-se esperar vibes groovy ​(cortesia da herança cultural sulista, seguramente), potência instrumental que faz ponte entre o metal, blues e punk-hardcore, e graças ao regresso do seu antigo vocalista e guitarrista Pepper Keenan – que também faz parte dos ​Down​, com o ex-Pantera Phil Anselmo – parte da garra que tornou álbuns antigos da banda como ​Deliverance ​ e ​Wiseblood ​em registos consagrados dentro do género. 
Apesar de demonstrar uma flagrante homogeneidade e faixas a mais, fãs da banda e do género certamente apreciarão erupções de intensidade sonora como “Cast the First Stone”, “Nothing Left to Say” e “Old Disaster”.


Rúben Leite




All Melody // Erased Tapes Records // janeiro de 2018
8.0/10

All Melody é o novo lançamento do alemão Nils Frahm, autor de discos como Felt e Spaces. É um artista que se destaca pelas suas composições ecléticas e modernas, que misturam alguns dos instrumentos mais habituais da música clássica com diferentes sintetizadores eletrónicos. Neste álbum, cria atmosferas minimalistas, quentes e relaxadas com uma grande variedade de sons e texturas, que tornam as composições variadas e interessantes. Há vozes, especialmente bem usadas em “Momentum”, dando origem a um som diferente ao que se ouve no resto do álbum, mais sinistro e cinemático, mas também muito bonito. Há órgãos, violinos, uma trompete em “Human Range” e “Fundamental Values”, e vários outros instrumentos, alguns em destaque e outros a passarem mais despercebidos, sendo usados para pormenores e detalhes que recompensam audições mais atentivas. 
Este é um dos discos de Frahm em que este mais se afasta da música clássica e dá maior presença aos sons eletrónicos dos sintetizadores. Apesar de All Melody conter várias faixas pouco rítmicas, muito espaçadas, outras colocam os sintetizadores no centro, a criarem sons dançáveis e mais típicos da música eletrónica. Isto acontece, por exemplo, em “All Melody” e na excelente “Kaleidoscope”. As diferenças entre faixas não impedem o álbum de ser coerente e uma boa experiência ao ser ouvido como um todo. Pelo contrário, tornam-no mais complexo e mais interessante, fazendo justificar a sua duração de mais de uma hora. Há um par de músicas que podem passar algo despercebidas no meio do disco, mas nem esses momentos são maus. All Melody é um álbum bonito, original e interessante que merece ser ouvido mais que uma vez e explorado com atenção.



Rui Santos






بس ربحت, خسرت “When You Have Won, You Have Lost” // LA VIDA ES UN MUS DISCOS / Toxic State Records  // novembro de 2017 

8.0/10



Os Haram são uma banda nova-iorquina composta por Nader Haram, Mike Gallant, James Stuart e Martin O’Sullivan. Apesar de todos os membros do coletivo terem nacionalidade norte-americana, Nader (o vocalista e mentor da banda) é filho de refugiados libaneses que na década de 1980, fugiram do Líbano e se instalaram em Yonkers. A banda existe desde 2015, ano em que lançaram uma demo. Um ano depois, editaram o EP What Do You See? e em 2017, o When You Have Won, You Have Lost. Desde a génese dos Haram, Nader foi alvo de inquéritos por parte da Joint Terrorist Task Force (uma espécie de super-polícia anti-terrorismo que atua em solo norte-americano) e ainda investigado pelo FBI e pela NYPD por suspeitas deste estar ligado ao ISIS. Todas as suspeitas foram infundadas, e a verdade é que os Haram repudiam qualquer acto de violência física. Ao invés disso, eles espalham a sua mensagem através da violência sonora. 
Desde a lírica (articulada totalmente em árabe) que se conjuga com a instrumentação num cocktail sonoro que oscila entre a rápida combustão e a introspecção, passando pela imagética subversiva – Nader inclusive explica numa entrevista à Circa News que na faixa que ele usa pode ler-se “Não é Terrorista”, faixa essa que é normalmente usada pelos terroristas como ferramenta de intimidação – ao nome que a banda assumiu (“Haram” significa “proibido” na língua árabe) todos estes elementos servem para amplificar a mensagem dos Haram. Uma mensagem de coragem – não esquecer que esta banda tem como berço um dos países que mais discrimina imigrantes e descendentes de imigrantes – ceticismo (“What do you see when you look at me? I don’t care” diz Nader numa entrevista à CLRVYNT quando questionado sobre a experiência social de viver um ataque terrorista nos EUA sob a perspectiva de um árabe-americano) mas também de esperança. Esperança porque, acima de tudo, os Haram querem reconfigurar não só a percepção que os ocidentais têm do mundo árabe (nomeadamente em relação aos seus indivíduos e às suas práticas) como também mudar as mentalidades árabes, ao convidar toda uma comunidade à integração nestes círculos de música extrema, afirmando sem medo que ser árabe é também gostar e fazer hardcore punk. Acima de tudo, os Haram querem que ninguém tenha medo de viver a sua vida, sejamos nós pretos, brancos, amarelos, azuis, norte-americanos, árabes ou portugueses.



Edu Silva




ADORO BOLOS // AVNL Records // dezembro de 2017
9.0/10



Encontrávamo-nos próximos do iniciar do ano novo quando nos surgiu do nada a notícia de que Conan Osiris lançara o seu segundo longa-duração. O título sugestivo chamou de imediato a atenção e não foram precisas muitas audições para nos depararmos com aquele que é, seguramente, um dos registos mais refrescantes e insólitos dos últimos tempos no que diz respeito ao circuito musical nacional. ADORO BOLOS, o título do disco em questão, recebe novamente o selo da irreverente AVNL Records, e traz uma abordagem inesperada e surpreendentemente eclética, conjugando nos seus 11 temas estilos tão díspares como música cigana, ritmos dos balcãs, fado, trap, techno e kuduro
Sempre peculiar e diversificado, Conan Osiris faz uso de um jogo de samples inteligente e imprevisível, mas é nas palavras de Osiris que encontramos a verdadeira essência do disco, presente numa lírica aguçada ora abstrata (e até risível – veja-se “BORREGO” e “CELULITITE”), ora sôfrega e comovente (“BARCOS (BARCOS)”, “AVE LAGRIMA”). Quando questionado sobre as referências que mais o marcam a nível lírico numa entrevista ao Rimas e Batidas, o produtor apontou apenas “Sr. Extraterrestre” de Carlos Paião, mas podemos encontrar na sua música um pouco de Variações, Amália ou até mesmo Arca
Escrito, gravado, produzido e masterizado por Conan Osiris, ADORO BOLOS é o seu registo mais completo e bem sucedido até à data, superando o excelente MUSICA, NORMAL de 2016 com uma visão futurista e revolucionária, mas sem nunca esquecer as origens e a portugalidade dos temas que o inspiram.



Filipe Costa









III // Stickman Records // janeiro de 2018 
8.0/10



Com um nome como “Weedpecker“, não é preciso puxar muito pela imaginação para ter uma ideia de como estes polacos soam quando pegam nos seus instrumentos. Contudo, a sua paixão pelo stoner é banhada por outras influências que tornam a experiencia mais acessível e o som mais interessante, pessoal e característico. 
A banda criada pelos irmãos Piotr e Bartek Dobry nas guitarras e nas vozes, que contam ainda com o baterista Falon, ex-membro dos Belzebong, e com Mroku no baixo, da banda Dopelord, admitem ter como influências não só bandas de stoner atuais, como os Elder (com o qual partilham editora), mas também grupos psicadélicos mais calmos e tranquilos, como Tame Impala ou Morgan Delt
Depois dos álbuns self-titled e de II terem despertado a atenção do público para este conjunto, no seu terceiro longa duração a banda atinge uma maturidade que permite que as suas composições quebrem o rótulo negativo associado ao seu género musical. Seja quando estão a desenhar paisagens cósmicas ou quando estão a esgalhar “fuzzalhadas” incríveis, III é um dos melhores meios de transporte para galáxias distantes deste ano.


Hugo Geada







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