Reportagem: OUT.FEST 2018 – 6 de outubro [SIRB – Os Penicheiros]

Reportagem: OUT.FEST 2018 – 6 de outubro [SIRB – Os Penicheiros]

| Outubro 16, 2018 9:44 pm

Reportagem: OUT.FEST 2018 – 6 de outubro [SIRB – Os Penicheiros]

| Outubro 16, 2018 9:44 pm
Realizou-se nos dias 5 e 6 de outubro mais uma edição do OUT.FEST – Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro, mais concretamente a sua 15ª edição. O Festival teve a sua génese em 2004 e nestes 15 anos tem brindado o público com os mais diversos projectos e artistas. Artistas esses que coabitam fora do universo “mainstream” e convencional no que à música e às artes diz respeito, enveredando por caminhos menos óbvios e menos acessíveis, pondo em relevo a experimentação e a descoberta de novos sons.

Citando a organização, “o festival  celebra alguma da música experimental mais interessante com um cartaz variado onde se encontram criadores portugueses, brasileiros, ingleses, italianos, alemães, finlandeses, iranianos e japoneses, dos 20 aos 80 anos de idade, do jazz ao rock e às músicas electrónicas e a tudo o que se possa imaginar pelo caminho”.


Os concertos em destaque aconteceram na noite de dia 6 de Outubro na magnífica sala da S.I.R.B. – Os Penicheiros. O primeiro concerto da noite coube ao iraniano Mohammad Reza Mortazavi, uma das metades do projeto YEK que se iria apresentar a seguir. Acompanhado apenas pelo seu tombak, (instrumento tradicional do Irão), foi extraordinária e de um virtuosismo ímpar a forma como o músico conseguiu arquitectar músicas inteiras apenas de um instrumento de percussão acústico.
Após um breve intervalo o músico iraniano junta se a Burnt Friedman, com o qual tem o projeto YEK. 


Friedman, músico e compositor alemão que tem no seu currículo, por exemplo, colaborações com David Sylvian. Em palco, o duo consegue canalizar a sua sublime sinergia criativa em músicas onde os ricos instrumentais de Mortazavi suavizam as paisagens sonoras de Friedman. Os acordes subtis que flutuam em todas as músicas não acrescentam nada de muito significativo em termos melódicos, no entanto, estão lá para criar ambiente e serem o elo de ligação entre os espaços vazios, unindo toda a estrutura da música. Houve instantes em que era impossível perceber todos os detalhes, quer rítmicos, quer melódicos das músicas, tal a complexidade de sons e de execução, mas isso só enriqueceu ainda mais a experiência e colocou os sentidos de quem assistiu ao concerto mais alerta, à espera de novos momentos que acabavam sempre por surgir. Uma belíssima experiência, e se tivessem tocado mais uns minutos ninguém ficaria chateado.


Depois da bonança e vanguardismo elegante dos YEK havia que agitar as hostes, e ninguém melhor do que Lotic para o fazer. DJ e produtor, J’Kerian Morgan de seu nome, a viver em Berlim desde 2012, tem formação superior em composição eletrónica e saxofone. O início de concerto foi poderoso, com as batidas a servirem como um elo de ligação entre o, comparando, som de um jogo de computador e um sample de metal, tudo muito bem ligado e com uma nitidez sonora prodigiosa. Do princípio ao fim do concerto, cada nota, cada som, era mais agressivo ou mais cândido, de uma limpidez difícil de igualar. Apesar de toda a potência e intensidade quer da prestação, quer das músicas de Lotic, ouvidos mais atentos conseguem também encontrar nestas uma certa delicadeza e fragilidade, quer seja nas progressões dos acordes automaticamente cortados antes da entrada da batida, quer no experimentalismo melódico com as notas em consonância a servirem de pano de fundo para toda a restante parafernália sonora. As músicas vacilam entre o ruído sintético e os vocais pontualmente vulneráveis, Lotic transforma texturas de música de dança em expressionismo abstracto, ás vezes em forma de protesto e às vezes em pura distopia, mas sempre fascinante.
Experiência a repetir sem dúvida.

Com a ausência de Fret, coube a Linn da Quebrada o encerramento do festival. E quem é Linn da Quebrada? Segundo uma das suas músicas “Ela é diva da sarjeta, seu corpo é uma ocupação / É favela, garagem, esgoto e pro teu desgosto/ Está sempre em desconstrução”. É também actriz, compositora, cantora e activista social e está entre as artistas mais relevantes do cenário musical LGBT brasileiro actual. Grande parte do público presente na sala estava para ver o concerto de Linn da Quebrada e fazendo jus ao nome, ela quebrou tudo. Provocadora, incisiva, genuína, a dar ao público o que este queria. Mais importante que a música, esteve, neste caso, a mensagem e principalmente a imagem de Linn da Quebrada. Dançou-se, cantou-se, beijou-se, e sempre sobre a batuta da Mestre de Cerimónias, uma autêntica “bicha” de palco, sempre em movimento, uma autêntica locomotiva em alta velocidade e toda ela um manifesto. Nas suas músicas Linn procura trazer conjunções de histórias, combates, factos,  mostrando a pluralidade da sua luta como transexual e mostra a sua postura por meio da atitude e das rimas. Musicalmente não se apoia unicamente no funk, apesar de ser a sua maior influência, tentando também misturar diversas sonoridades,  alcançando por vezes algum experimentalismo, principalmente a nível das batidas. Quando os músicos dão o máximo e estão felizes, quando o público dança, salta e está feliz, a conclusão a tirar é que o furacão Linn da Quebrada proporcionou um enorme espetáculo a todos os presentes.

Por último tenho a destacar o magnifico trabalho dos profissionais que trataram do som e das luzes em todos os concertos de sábado a noite.


OUT.FEST 2018 [Barreiro]

Texto: Pedro Vieira
Fotografia: Virgílio Santos
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