Spectres
Dying

| Março 8, 2015 4:55 am


Dying // Sonic Cathedral // Fevereiro de 2015
8.5/10

O shoegaze enquanto tendência estilística mais ou menos contemporânea — surgiu no final dos anos 80, início dos 90 — tem raízes nesse grande género que é o post-punk.
E se, noutros tempos, os aficionados do shoegaze sentiam que faltava “algo” à sonoridade, eis que algum génio — ou queimado dos cornos — se lembrou de misturar elementos do punk na sonoridade do shoegaze
Estas alterações ao género traduz-se, essencialmente, na impressão de um ritmo mais dinâmico.
A eliminação da sensação de uma parede sonora contínua, abstracta e quase monocórdica, optando por dar maior volume à percussão, conferir uma maior presença aos vocais (por vezes berrados e não quase sussurados como no shoegaze “tradicional”) e as guitarras a permitirem o destaque de riffs principais, linhas concretas que todas as outras cordas devem seguir e complementar. 
Em suma, a experiência ficou um pouco menos etérea, mas mais suja.



Esta mistura entre o shoegaze e o punk já não é novidade nenhuma, e é tudo menos alienígena aos ouvidos da maioria dos aficionados de ambos os géneros.
Talvez muito por culpa da popularidade obtida pelo Guilty of Everything (o LP de estreia dos norte-americanos Nothingmas saibam que existiam outras bandas antes deles.
Uma delas são os Spectres e é sobre o seu Dying — o primeiro LP dos Spectres — que vos vamos falar de seguida.



Os Spectres são um colectivo britânico no activo desde 2011 que se define como uma banda de noise rock.
E, de facto, antes de mais nada, os Spectres são uma banda de noise rock.
A distorção, o ruído e a dureza com que se exprimem são traços que estão a ser aguçados desde os tempos de Family.
E este Dying — que sucede ao EP de 2013, o Hunger — é um álbum pesado.
Pesado em conteúdo. Abuso de substâncias, desespero, sujidade, morte, purgatório, insónias, desastres de um quotidiano não muito distintos do nosso, encaixados numa montra ruidosa.
A purgação destes males é o principal motor por detrás de Dying, como revelaram os Spectres numa entrevista dada ao The Quietus.

[Dying] It’s definitely a reaction to mediocrity. We’ve done a lot of tours and gigs and played some awful shows with some non-progressive bands. But instead of demoralising us and making us want to give up, it has definitely made us… it is quite angry I suppose. It is a reaction against the mainstream. When we were writing the album, there were a couple of songs that we knew we could polish up and make a bit nicer, but when we came to recording it we just thought that’s not us. And by sticking to what we want to do, unlike a lot of bands do who maybe go a bit poppier if they want to reach a wider audience, we’ve gone the other way and hoped that people will come around to that and enjoy it for that reason.
We’re quite cynical. We have a weird outlook on life and we don’t take anything for granted. Even when good things happen, we’re always like, “When’s this going to end?” Plus, we’re four really great friends and we talk about everything that’s going on, and some of that definitely comes out in the music. We never intended Dying to be a massive hit. We just wrote the album that we wanted to write. There was no one telling us what to do, or saying, “Oh I think that’s a bit much”. It was all about how far we could push ourselves in the studio.

Em termos instrumentais, o shoegaze é a mais sonante das influências nesta aura de distorção e escuridão que os Spectres arquitectaram para dar forma às diferentes narrativas de Dying.
Os pedais a trabalharem, as agudas guitarras a chorarem no fundo, abafadas por uma densa parede sonora e as vozes denunciam largas horas passadas a ouvir os Swervedriver e o Loveless.
Mas a frenética percussão, a sujidade das cordas e o retratar de um contemporâneo dantesco lembram-nos uns A Place To Bury Strangers.
E poderíamos ver na sonoridade violenta o reflexo de uns Sonic Youth.
O ruído é a base de todos eles e também dos Spectres.
Dying é o reflexo ruidoso da convergência de todas estas influências: um retrato violento da realidade, coberto de camadas abrasivas de distorção, que começa na balada industrial de “Drag” e acaba na imagem escolhida para a capa do álbum (fun fact: o gajo da capa aparece também no videoclip da “Red Sex” do Vessel). 



Alguns poderão argumentar que este álbum, sendo sustentado pelas bases dos grandes, dificilmente poderia falhar, fosse qual fosse o esforço. Discordo redondamente.
Há aqui preocupações estéticas a tomar em grande consideração. 
O uso do ruído com significância, como suporte de uma mensagem maior que o próprio álbum — a narração de vários contos abrasivos, sustentada por uma componente instrumental igualmente densa, pesada e ruidosa — é motivo mais que suficiente para múltiplas visitas a Dying. Mas, se mais nada conseguirmos subtrair deste disco, é notável a boa forma do colectivo, a mestria com que estes artesãos manipulam a arte do ruído. 
Em suma, Dying não é um disco para meninos. É o diagnóstico feito sem eufemismos a uma existência enferma, escrito com duras palavras e em linhas instrumentais densas e ruidosas. Os fãs do shoegaze mais “tradicional” poderão encontrar aqui algo.
Por mais que a fórmula dos Spectres se distancie dos traços dream pop do movimento,
a “Sea of Trees” constitui motivo mais que suficiente para uma audição do álbum.
Os fãs do post-punk e do punk encontram aqui motivos para uma audição atenta.
O ritmo frenético e as letras duras são marcas familiares dos fãs dos género e uma constante em Dying.
Os fãs de noise rock encontram aqui muitos motivos para ficarem agradados.
Dying é uma das referências do ano no género, por todos os motivos acima supracitados.
E para mim, está encontrado um dos discos do ano. 

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