[Review] Palmbomen – Palmbomen II

| Abril 1, 2015 6:40 pm
Palmbomen II // Beats in Space Records // Março de 2015
8.0/10

Palmbomen é o alter-ego usado por Kai Hugo para assinar a materialização dos seus devaneios musicais.
A par do seu alter-ego, Hugo não passa de um comum mortal, rodeado de problemas mundanos. Um dos problemas com o qual ele se deparou à algum tempo atrás foi o extenso período de espera que ele foi obrigado a aguentar na casa da sua mãe para ver o seu visto para os EUA ser aprovado pelo governo gringo.
Hugo aproveitou esse período para se fechar em casa da sua mão a ver tudo o que havia para ver dos X-Files. Entretanto a espera acabou, Hugo acabou de ver os X-Files e actualmente vive em Los Angeles. LA, a terra das estrelas, onde Hollywood dita parte das tendências e  a maioria das palmeiras são de plástico. Apesar disto, posso imaginar o fascínio de Hugo pela La La Land.

Hugo é pouco mais velho do que eu. E se Hugo teve uma infância similar à minha, esta foi vivida no clima do norte da Europa onde, à imagem de Portugal e ao contrário de LA, existem estações do ano e onde as palmeiras e o clima quente existem apenas nos filmes. Muito do conhecimento que Hugo adquiriu sobre o calor e os paraísos tropicais ter-lhe-à chegado na maior parte dos casos — eu estou incluido nesses casos — a ver séries televisivas norte-americanas e nunca sobre a forma de conhecimento empírico.
Miami Vice, A-Team, Walker Texas Ranger — apesar do Chuck não ser conhecido por ir à praia, a verdade é que no Texas retratado na série o sol está sempre alto e radiante — e, a espaços, os X-Files. Miami Vice já não é do meu tempo. A-Team e Walker Texas Ranger sim, mas se há memória que eu guardo são os serões que passava com a minha mãe a ver X-Files ou Ficheiros Secretos como era chamado por cá. Esta série foi, aliás, meritória de uma das melhores traduções de sempre na história das traduções em Portugal.

(Haverão sempre, é claro, traduções que são de lamentar.)
Mas centre-mo-nos de novo em Hugo e no seu consumo dos X-Files durante o período no qual esteve em casa da sua mãe. Foi durante esse período que se deu a génese de Palmbomen II, o trabalho nuclear para esta review.
Para efeitos práticos, Palmbomen II poderia ser tão facilmente sumariado da seguinte forma: Palmbomen II é o bi-produto da maratona que Hugo fez de X-Files, convertendo essas numerosas horas de visualização num output musical inspirado pela série.
A verdade é que a trama vai um bocado mais além desta superficial leitura e é importante alargarmo-nos um pouco mais na retórica, por forma a tentarmos perceber o que está por detrás deste Palmbomen II.

Em primeiro, a atmosfera lo-fi sonora criada por Hugo. Isto poderá ser motivado pelo seu desejo de trabalhar com um formato datado — Palmbomen II foi gravado directamente em fita — como forma da homenagem às séries antigas e ao VHS, formato de eleição da época. A crueza da fita consegue prolongar a sensação de nostalgia “eerie” dos X-Files e remete-nos para memórias queridas de outras narrativas datadas no universo da Sci-Fi.
A complexidade sonora aumenta quando tudo isto é embrulhado num pacote que incluí o predicado de dançável. Ou não fosse afinal de contas Hugo um artista dedicado à exploração dos pontos de convergência entre a IDM e o movimento italo disco.
É nestas sonoridades que o seu alter-ego Palmbonen se sente confortável e Palmbonen II pode ser lido como um exercício conceptual que procura perceber como a convergência do IDM e do italo house ajudam a aplanar o seu conturbado pano de fundo: o imaginário audiovisual dos X-Files.

A homenagem que Hugo presta aos X-Files ao atribuir às faixas que compõem Palmbomen II nomes retirados do repertório de personagem menores da série é uma característica notável deste LP. Mas é a lucidez na sua abordagem à obra audiovisual erigida pela série que, para mim, é o real destaque do disco. Por mais imersiva e envolvente que possa ter sido a experiência multimédia de Hugo, ele não se deixou envolver nas numerosas horas de visualização de X-Files de maneira infrutífera. Muito pelo contrário: aquilo que, para ele, pode ter começado por ser um acto inocente, acabou por se tornar um extenso estudo de campo das pegadas sonoras presentes em X-Files.
Essas pegadas sonoras já existiam na série, mas eram indeléveis aos ouvidos dos leigos. Hugo estudou a obra, viu os X-Files, e cartografou as suas paisagens, atmosferas, narrativas e personagens em Palmbomen II
Este género de precisão científica é bem sucedido ao apresentar-nos um corpo de trabalho que pode parecer desconexo e descompensado a uma primeira audição, com uma variação mínima de tempos e ritmos ao longo das faixas e pouca ligação aparente entre elas. Mas que com o passar do tempo, Palmbomen II denuncia uma união quase orgânica entre todas as suas parte.
Palmbomen II é um bom exercício, com valor musical e narrativo. De destacar o filtro tropical que se faz sentir ao longo dos acordes deste trabalho. Palmbomen II poderia ser perfeitamente adaptado à trilha sonora de qualquer série dos anos 80, até porque parece que o leque de influências de Hugo não se fica apenas pelos X-Files. Os motivos tropicais são, aliás, uma parte orgânica do trabalho de Palmbomen, dado que o seu próprio nome (Palmbomen é palmeira em holandês) remete-nos para um imaginário tropical. Mas não um tropical verdadeiro como aquele que vemos em cenários paradisíacos, mas sim aquele tropical que vemos como pano de fundo para séries policiais. 

(Sim, o gajo do meio é o Miles Davis.)

Talvez Palmbonen II seja a ponte que Hugo criou entre as suas próprias criações sonoras e o imaginário dos X-Files e de todas as séries policiais dos anos 80 em geral.
Talvez o que Hugo pretende com Palmbomen II é simultaneamente homenagear e criticar este universo falso e plastificado e as séries gringas que este contem, tudo sob a forma de um inspirado trabalho de IDM que cartografa as pautas dessas mesmas séries com grande fidelidade em termos de composição.
Talvez o que Hugo realmente quis fazer com este Palmbonen II foi divertir-se. Envolver-se num projecto de auto-recriação abastecido pela sua paixão por séries antigas e o seu desejo de homenageá-las com uma obra que espelhasse o melhor das suas capacidades — o que, no caso de Palmbomen, resultaria invariavelmente numa obra musical.
Talvez Palmbonen II seja tudo isto. Talvez não seja nada disto.
Seja como for, fica a obra.
E seguindo esta linha de raciocínio, estão reunidas todas as condições para que seja produzido Palmbomen III, porque parece que os X-Files vão voltar! 

Fãs das artes em geral, rejubilemos!
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