Ghost Dance 7′
V/A (e retrospectiva do movimento emo)

| Maio 22, 2015 2:35 pm

Ghost Dance // Slave Cut Records // 1994
8.0/10

A acompanhar o (re)surgimento de algumas bandas que se debruçam novamente sobre o estilo emo tão bem conseguido nos anos 90 e início dos 00, decidi mostrar-vos (pelo menos àqueles que ainda não conheciam) uma compilação, a qual acho fulcral para a compreensão do género. Não desde os primórdios (à semelhança de Rites Of Spring, Embrace, Moss Icon, etc) mas dos anos em que as bandas emo catapultaram para os tops mundiais. 

De seu nome Ghost Dance, é raríssima em formato físico, tal como a maioria delas (dou um beijo a quem me arranjar uma), esta compilação data de 1994, saiu pela Slave Cut Records, e conta na sua tracklist com temas inéditos de bandas tão conhecidas como os Braid, Cap’n Jazz, Embassy conjugadas com bandas menos conhecidas mas não menos boas, que nunca singraram comercialmente (como os Indian Summer). Decidi fazer esta review porque achei que já era tempo de desmistificar o género (não gosto de lhe chamar isto mas torna-se mais fácil à compreensão) e corromper todo o hate em que movimento emo foi envolto no pós-2004, entrando, posteriormente, em decadência até à sua (quase) extinção. 

Convém realçar que bandas como My Chemical Romance, Tokio Hotel, Panic! At The Disco, etc não são emos por usarem eyeliner… longe disso… a maioria das bandas relevantes do movimento e das quais me debruçarei neste pequeno texto, não usavam eyeliner nem se auto-mutilavam ou outras coisas quaisquer que o povo sempre gostou de inventar. É verdade que a palavra se tornou curriqueira e pejorativa, muito por culpa de todo o buzz que os media criaram à volta de um estilo que nasceu e devia ter morrido (ou continuado) no underground. E, claro, depois do sucesso vem o interesse. Não admirou, portanto, que depois de bandas como os Thursday, Dashboard Confessional ou The Get Up Kids terem feito sucesso, surgissem inúmeras bandas a copiar a sua fórmula sem terem nada de muito relevante a dizer e/ou a acrescentar, com o único objectivo de fazerem dinheiro com um género que vendia, deturpando assim toda a mensagem das bandas originais. É o lado negro da música, mas adiante. Ghost Dance, sendo sucedida mais tarde pelas The Emo Diaries (da Deep Elm Rec), quando o estilo emo atingia o seu auge, apresentaria o que de melhor se faz dentro do movimento e prova, aos mais desatentos, que se tratava de um género bastante arrojado com muitas influências do pós-hardcore (que entretanto surgia) e algumas de jazz (como é o caso de bandas como os American Football, de que tanta gente fala agora). 


Falando da música presente neste disco – a primeira faixa “Sugar Pill” dos Indian Summer, banda que esteve no ativo durante um ano (1993-1994) demonstra muito bem aquilo que já mencionei: uma dinâmica suave com o vocalista cantando de modo dissonante, em crescendo, até acabar num fantástico riff com o cantor a dar tudo de si. “Theme For Memory” dos From Ashes Of (não confundir com os belgas From Ashes Rise), é um malhão às antigas que funciona bem no pós-apocalipse do tal comprimido de açúcar e detentora de um riff que poderia ter sido muito bem utilizado por uns Smashing Pumpkins. Os Third Rail Rhyme apresentam-nos a “Double Helix” que demora cerca de seis minutos a funcionar na sua plenitude. Altos e baixos em todo o lado, controlados por uma parte groovy rápida, algo matemática, que fez a passagem dos crescendos e minuendos típicos do género para algo mais livre e experimental. Quebras rítmicas que nos fazem gelar o coração e dissonâncias constantes são o prato do dia desta música. O fim, esse, é um autêntico comboio em descarrilamento. Pouco se sabe acerca desta banda sendo este o único registo áudio existente da mesma. Pena, porque um LP disto tinha tudo para ser bom.

Os Embassy entram em cena com a música mais hardcore da sua carreira e de todo o disco. “His Years” é uma típica canção emocore, vocais e liricismo intenso – o que se quer. Chegamos ao ponto alto do disco, com a chegada dos já, relativamente, “famosos” Cap’n Jazz. Destes pouco há a dizer, são uma das bandas mais famosas desta época do movimento, lançando o seu primeiro e único disco um ano depois desta compilação sair. E sim, é mesmo isso que estão a pensar, “Blue Grass” é a versão primordial de “Bluegrassish”, faixa 8 de Shmap’ n Shmazz (ou Burritos, Inspiration Point, Fork Balloon Sports, Cards In The Spokes, Automatic Biographies, Kites, Kung Fu, Trophies, Banana Peels We’ve Slipped On and Egg Shells We’ve Tippy Toed Over – o nome original), o tal primeiro disco da banda e contribuidor para a história do género. É interessante comparar esta primeira versão com a que todos nós conhecemos (a do disco) visto as duas terem pouco em comum para alem da letra e de algumas notas. 

Se os Cap’n Jazz são os mais famosos, os Braid são os mais bem sucedidos pelo simples facto de ainda existirem atualmente e contarem com cinco álbuns no seu currículo, o último dos quais lançado no ano passado. Porém, a sua sonoridade sofreria diversas alterações ao longo dos anos e já nada tem a ver com aquela que é apresentada aqui com “Elephant”: uns Braid muito mais rápidos e distorcidos do que aqueles que reconhecemos em “Frame And Canvas”. Mais uma pérola.

A terminar mais uma dos Embassy, a única banda repetida, que mantem o power deixado pelos Braid conjugado com um valente groove aliado a uns vocais intensíssimos, ora falados ora gritados de forma algo desesperante. “How Can You?” acaba com este autêntico documento sonoro. Com isto, espero que tenha semeado alguma curiosidade em vós para investigarem algumas das bandas aqui mencionadas e quem sabe se não encontram uma banda que adoram num género que antes tomavam como fraco e não merecedor de atenção. Àqueles que já conheciam: mais uma escuta não fará mal a ninguém.

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