Reportagem: LISB_ON #JARDIMSONORO 2015 – Parque Eduardo VII [Lisboa]

Reportagem: LISB_ON #JARDIMSONORO 2015 – Parque Eduardo VII [Lisboa]

| Setembro 13, 2015 7:30 pm

Reportagem: LISB_ON #JARDIMSONORO 2015 – Parque Eduardo VII [Lisboa]

| Setembro 13, 2015 7:30 pm
Foi há uma semana atrás que se deu finalmente a 2ª edição do LISB_ON #JARDIMSONORO e nós tivemos a oportunidade de cobrir o festival de final de verão. Hoje, já saudosos, relembramos-nos da paisagem que pairava pelo belo Parque Eduardo VII em Lisboa; pessoas que estavam lá porque evitam faltar a eventos de dança, outras porque não podiam perder a chance de ver ao vivo alguns dos seus artistas preferidos, pessoas com longas rastas e pessoas com apenas aragem pela cabeça, pessoas já na sua 3ª idade e outras que nem idade para pagar o bilhete tinham, estrangeiros e residentes; de tudo o Jardim Sonoro este ano viu, todos juntos formando o público mais heterogéneo que tive o prazer de presenciar mas que quando começava a música dançavam em sincronia como se estivessem biologicamente formatados para aquilo e aquilo só.
Este ano não foi fácil para o Jardim Sonoro: do ano passado para este explodiram de tal forma que os passes chegaram a esgotar e a procura destes era tão grande que viram-se quase obrigados a disponibilizar mais bilhetes, mas, como era de esperar, isso não impediu de todo o bom serviço prestado pelo festival.

1º Dia

O primeiro dia começou com Isilda Sanches, a jornalista e locutora da Rádio Oxigénio que “não gosta que lhe chamem de DJ”, o que tem a sua certa piada porque o set desta amável senhora fez-me lembrar os sets que o Alex D’Alva organiza com o nome “Alex D’Alva Teixeira Não é DJ”. Apesar de ainda quase vazio isso não impediu Isilda de saborar de um bom vinho branco enquanto passava boa música para nos aquecer para o que vinha, ouviram-se bons êxitos do pop, R&B e alternativa desde os anos 70 até aos 00 e até foi dado um salto em “Loves Theme” pelo Barry White e sinceramente só faltou a “Never Gonna Give You Up” do Rick Astley.


Depois de Sanches se despedir do palco e de uns 10 minutos ou pouco mais entraram os Fandango. Honestamente uma força da Natureza portuguesa que precisa ser mais reconhecida; com apenas um acordeão, uma guitarra portuguesa e um teclado, estes dois homens, Gabriel Gomes e Luís Varatejo, fazem de uma música eletrónica tão única, tão genuína, que transporta qualquer português com algum conhecimento das suas raízes para um lugar bastante familiar, o som é só deles, mas a sensação é de todos nós, e é essa maneira deles de nos transportarem para uma memória tão tradicional sem nos fazer esquecer que estamos numa pista de dança que me fez não parar de dançar nem um segundo.

Com uma música tão portuguesa chegada ao fim, eu vi-me um pouco num dilema, e explico-vos já porquê: eu já tinha visto Mirror People no Festival Vodafone Paredes de Coura e, ao vivo, não me tinha deixado impressionado de todo, e o meu telemóvel estava com pouco menos de 10% de bateria, não tinha como passar o resto do dia sem bateria e estava a ponderar em sair do recinto para carregar o telemóvel e dar um skip ao integrante dos X-Wife; não sei se foi intervenção divina mas a caminho encontrei, dentro do recinto, uma cabine de telefone típica britânica, vermelha e quase que com a sua própria aura, e questionei as duas pessoas que guardavam a cabine e afinal era uma câmara para carregar telemóveis que funcionava com um sistema de fichas, para ter a certeza que ninguém ficava com o telemóvel de um outro alguém, e foi assim que a organização do LISB_ON impediu-me de cometer o maior erro do festival.
Não sei se foi por em Paredes de Coura, Mirror People ter sido em After Hours ou se no Jardim por Mirror People se apresentar com The Voyager Band mas o que se ouviu pelo jardim foi a perfeita simbiose entre o synthpop e o indie rock que deixava qualquer um impossibilitado de ficar parado e foi o artista que fez o Jardim encher. Rui Maia sem dúvida nenhuma sabe o que faz, e, apesar de muito provavelmente esta junção ter sido uma one time thing, não deixa de ter sido um concerto memorável para a história do festival e da música contemporânea portuguesa.

E foi a partir daqui que o jogo virou para o lado estrangeiro com a primeira carta da rodada sendo Palms Trax. Palms Trax é o projeto do DJ alemão Jay Donaldson que trabalha num som bastante experiemental com piques de house, organizado à base de lindos e melódicos toques num sintetizador, e com um padrão de ritmo inesquecível. A coisa mais vívida que se consegue tirar do concerto de Palms Trax é sem dúvida as transições e as batidas que este rapaz trazia, a maneira como ele conseguia contornar as melodias e manter o beat e, depois, claro, fazendo-o transformar-se em algo diferente e cada vez mais groovy foi espantoso.
Entre o tempo que decorria entre o final do alemão e a entrada de um novo, arranjava-se espaço para um fino aqui, outro ali, ou não. O vindouro tinha deixado o espaço do Jardim Sonoro completamente lotado, bancas da Heineken com pelo menos meia hora de espera só por aquela cerveja fresca, a zona da restauração impossível, os pontos de pagamento pareciam parados, mas deu-se uma reviravolta. Música começou a tocar outra vez e de repente tudo começou a fluir com mais agilidade, mais rapidez, mais disposição até.



Foi então que o indubitável homem da dia apareceu e conquistou o público e o staff sem demoras nem pressas, o chileno, Nicolas Jaar.  Nico foi o homem que transformou o dia na noite com as suas Nymphs enquanto comia, mentalmente, Pomegranates. Um homem vestido de amarelo e óculos com uma estátua enorme  a impôr-se por detrás do palco que tenho quase a certeza que estava ansiosa para dançar também mas tinha que manter a postura. O integrante dos ex-Darkside ensinou sem receios ao Jardim Sonoro este ano que na verdade soletrava-se Jaardim Sonoro e que ele estava lá para dar umas aulas ao seus colegas DJs, Nico parecia imortal em cima do palco com apenas um computador e um mixer, o seu deep house, a que já estamos acostumados, foi, lentamente, tornando-se em algo voraz, enorme, hipnótico, quase como um feitiço que nos impedia de parar de mexer os pés e gritar por mais enquanto luzes diligentes pelos nossos olhos nos encantavam e chamavam cada vez mais para a frente. Nicolas Jaar sabe como dar um bom set e organizar a sua própria coroação ao mesmo tempo e ainda arranjar uma maneira de flirtar com as fãs no backstage, o homem é um furacão de poucas palavras que avassalava até com a mais forte estrutura.

E quando acabou ninguém quis acreditar, ainda tinham tanto que dançar e acabou assim, quase que pendente. Mas a música não parou pareceu só mudar e mudou sim. Um som sombrio e quase industrial.

A frieza de som russo implacável era caracterizável de uma pessoa só, Nina Kraviz. A DJ russa embebida em luzes azuis e negras enquanto o seu dark techno tocava fumava descontraindamente e uns passinhos de dança ela ia dando. Nina é provavelmente é das líderes femininas da cena da dança do momento mas o seu som não é nada delicado muito menos frágil; uma mulher forte que consegue tomar as rédeas de um público já cansado depois de um gigante como Nico dar a sua passagem. De beleza distinta, pele clara como a neve, olhos azuis de olhar penetrante e cutilante, juntos ao seu cabelo tipo bob, o prazer visual que a russa nos oferecia não era um obstáculo para a apreciação dos seus mixes e originais mas sim uma mais valia que mesmo na exaustão os nossos pés aguentavam ainda mais um pouco de dança. O recinto já começa a desencher mas um constraste nota-se através de uma cortina de seda translúcida: o quão mais perto do palco nos aproximavamos mais uma rave (sem a sensação de sufoco) aquilo parecia e quanto mais nos afastavamos do palco mais aquilo parecia o Boom Festival. Uma coisa é certa, o primeiro dia acabou em grande com uma das maiores DJ do momento e com uma frase na cabeça que não vai sair tão cedo: o mix do clássico de Frank Ski “There’s some hoes in this house, if you see them point them out”. E enquanto a sua cara refletia nas folhas das árvores com jogos de luzes deu meia noite e o pano caiu.



2º Dia

Outro dia de LISB_ON começava agora mas desta vez com Rui Miguel Abreu e este já se dizia DJ. Rui Miguel abriu para entrar o magno Mr Herbert Quain, o português Manuel Bogalheiro que faz música ambiental eletrónica de uma forma tão impecável que no início deste ano teve grande clamo no Boiler Room em Lisboa. Sob as influências do trip hop, Quain constrói a sua música quase como uma ponte entre o passado e futuro, não nos poupando de vocais e pianolas de soul e jazz dos anos 60 e 50, Manuel empurra a música do passado para a frente com a introdução de todo aquele ambiente sintético e trabalhado que é a música ambiental não minimalista. Um nome a se ter em conta no panorama português.

Seguindo a Portugal chegam-nos o duo australiano Andras & Oscar com um ritmo synthpop, muito de baladas mas ainda assim dançável, explorando os limiares do R&B mas nunca mexendo no núcleo da sua música que é baseado numa eletrónica lenta e chill quase mergulhada num frasco de amor.


E quando os românticos saíram do palco entrou o que para mim foi a maior desilusão do festival. Jazzanova, um grupo de 9 homens saídos de Berlim que tinham toda uma panóplia de instrumentos em palco, saxofone, contrabaixo, trombone, guitarras elétricas, pianos e teclados e com um nome como Jazzanova seria de esperar um fusão acelerante e de tirar o fôlego entre toda a emoção do jazz e uma boa introspecção que a bossa-nova nos trás. Mas não recebi nada disso. Um projeto que se formou e consolidou ao amor comum dos intérpretes pelo jazz e o funk chegando até a criar uma editora. Mas nada, faltou o groove, faltou a inovação que os homens que estavam em palco podiam trazer à música eletrónica e acabou por ser apenas uma atuação medíocre de eletrónica básica com alguns barulhos de fundo, que alguém inventou de chamar instrumentos, e uma voz soul que nem era assim tão boa.


E agora chegava o momento que toda gente estava à espera: o nórdico que tinha feita a sua última passagem por Portugal no Palco Pitchfork no NOS Primavera Sound em 2014. Todd Terje é um dos melhores produtores da cena nu-disco e space-disco do momento e este norueguês só lançou o seu primeiro álbum de estúdio no ano passado. Com vários projetos de remisturas e um óptimo EP It’s The Arps lançados, Terje teceu o seu futuro artístico com o as linhas de dance futurism e deu na minha opinião o que foi melhor concerto nesta edição do LISB_ON #JardimSonoro. Todd meteu toddos a dançar com “Inspector Norse”, “Strandbar” e “Delorean Dynamite” numa incrível hora que pareceu pouco menos de 5 minutos e eu encontrei-me quase que desapontado por um set tão pequeno. À parte isso Todd Terje (juntamente com o seu colega chileno) foi quem fez o dia tornar-se em noite; há algo mágico em Terje e Jaar que a hora em que foram colocados para tocar deu-lhes mais uma nuance das suas capacidade musicais.

E sem ter tempo para processar o que tinha acabado de acontecer entra Michael Mayer, O pioneiro alemão do techno do seu país e, ainda ouso dizer, um dos pais do que é o eurodance, entrava em palco para dar o maior set que o festival tinha visto. Foi em Mayer em que todo o ecletismo do Jardim se notou e os senhores e senhoras na casa dos seus 50 saíam dos seus assentos de palha e íam dançar ao som do que deve ter sido o DJ que os introduziu à dance scene. Mayer conseguiu misturar temas como “Loud Places” de Jamie XX ao seu techno tão áspero e caótico, um verdadeiro dom dos deuses da música, Foi uma ótima maneira de acabar o festival.


Sinceramente o Jardim Sonoro é o melhor festival de final de verão que existe em Portugal, desde as casas de banho completamente limpas até à limpeza contínua do espaço em geral passando pelo sistema de pulseira e até a segurança dentro do recinto. Podem dizer o que quiserem mas nenhum festival é tão urbano e contemporâneo como o LISB_ON e se acham o contrário é porque não estão a ver o enquadramento maior que este festival está e virá a ter.

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