Boogarins
Manual, ou Guia Livre da Dissoluo dos Sonhos

| Outubro 27, 2015 6:39 pm
Manual // Other Music Records // Outubro de 2015
8.2/10

Boogarins são o quarteto goiânio que se apoderaram do mundo psicadélico num espaço de pouco mais de 6 meses com um espírito revivalista. Em Setembro de 2013 lançaram o seu tão aclamado primeiro LP As Plantas Que Curam e um par de meses depois já eram sucesso nos Estados Unidos e nos outros lados do Atlântico participando já em grandes eventos musicais pelo mundo. O meu primeiro contacto com a banda foi por volta do final de 2013 com o single “Doce” e que foi o que considero amor à primeira “ouvida” e me encheu de uma nostalgia tão louca que quase lhe chamei obsessão; o som destes 4 rapazes era único mas familiar, muito como um dejá vu, e tinha a certeza que era música nova mas o meu cérebro processava-o como a soundtrack das idas à Praia de Serrambi quando era mais novo e passava lá o dia todo a balançar-me em coqueiros. E depois de ouvir o álbum na íntegra percebi: Dinho, Benke, Hans e Raphael tinham pegado em toda a sensualidade de Caetano Veloso, toda a psicadélia d’Os Mutantes, toda a magia de Tom Zé e dado o seu ingrediente secreto (que é só deles e de mais ninguém) para construírem o seu próprio tropicália.

Em 2014, depois dos brasileiros passarem pelo Milhões de Festa e MusicBox aqui em Portugal para apresentarem as plantas que curavam a alma, Hans transformou-se em Ynaiã; quase um ano sem nada novo ouvir deles, no quente Agosto sai um teaser “Manual, ou Guia Livre da Dissolução de Sonhos // 30 de Outubro” e não muitos dias depois as cordilheiras de “Lucifernandis” desabaram em “Avalanche”, o primeiro single de Manual, uma faixa repleta de toda aquela atmosfera lisérgica que gritava “A maior demonstração/De propagação do ser é o eco” e o eco dos gritos de Dinho tinham força para derrubar os prédios, os prédios que suprimiam a sua expressividade, os prédios que negavam a cada um de nós a nossa individualidade, uma faixa que motiva a destruição de todos preconceitos sociais aceitando a nossa diferença individual enquanto seres com aquele toque tão Os Mutantes das letras político-sociais, floreada daquelo crescendo e riffs cativantes a que a banda nos acostumou. E depois vieram “6000 Dias (Ou Mantra dos 20 Anos)”, que já nos tinha sido apresentada no Burgerama III  no início de 2014, o segundo single com uma das melhores instrumentais n’O Guia Livre de Dissolução de Sonhos falanda-nos sobre a futilidade do materialismo. E quase sem nos dar tempo para respirar “6000 Dias” os Boogarins disponibilizam o Manual na íntegra para ser escutado pela New York Times.

Depois de ouvir o álbum preferi que se chamasse Guia Livre de Dissolução dos SonhosManual parecia simplesmente muito pequeno para o que era, na verdade eu acredito muito que o Guia Livre de Dissolução dos Sonhos seja até um nome mais preciso porque todo o álbum é muito mais dreamy que As Plantas Que Curam (mas pronto Manual é mais fácil para os gringos); o que diz Boogarins está com certeza lá mas parece que foi tudo gravado numa nuvem, quase como se desse para mastigar cada faixa individualmente. É sem dúvida um álbum de upgrade ao que os Boogarins já eram e dá jus ao nome “Tame Impala brasileiro”, a única coisa que muda desde 2013 é que agora são melhores que os Tame Impala. Os vocais de Dinho estão comparáveis à ondulação da maré, a instrumental é o vento e a voz de Dinho flui com o que está a ser tocado de uma maneira tão delicada e súbtil que voz e instrumento às vezes tornam-se uno. É claro que os singles de Manual são incríveis mas as verdadeiras preciosidades deste novo estão lá dentro escondidas como “Tempo”, “Benzin” e “Sei Lá”. “Tempo”, a 3ª e mais longa faixa do álbum canta “Vou me libertar/Do tempo dos Homens/Só vou te encontrar/Enquanto eles dormem” é uma música que ao mesmo tempo parece uma música de amor entre dois índios que foram separados pelo desbravar de terras e uma música eterna entre o Sol e a Lua; esta faixa e “Cuerdo” são as duas mais slow tempo do álbum mas “Tempo” vai alternando entre as partes calmas (que é quando a letra mística vai sendo proferida) e partes mais agressivas tão cheias de vida e distorção e que depois vai evoluindo para o final em que Dinho vai repetindo o seu mantra até ao final, Benke dando tudo naquela guitarra e Ynaiã não parando por nem um segundo. “Mario de Andrade: Selvagem” também é uma faixa muito interessante porque não só começa com “Há dias que eu sinto o meu corpo frio e morno” como também é  a faixa que separa o álbum em duas partes e essa divisão acontece dentro da faixa; se ouvida num vinil, provavelmente, metade da faixa iria ser ouvida no lado A e a outra metade no lado B. “Benzin”, essa já tínhamos ouvido em versão acústica e sinceramente não sei qual delas, se a de estúdio se a acústica, a melhor; uma faixa que celebra muito a terra natal, muito o espírito da viagem e acredito até na “viagem” que a música nos proporciona sempre com uma vibe tão “a Rita Lee podia estar aqui”.
Manual, ou Guia Livre de Dissolução de Sonhos é a música que se foi perdendo no Brasil para o sertanejo, Manual, ou Guia Livre de Dissolução de Sonhos é o auge da música brasileira atual, Manual, ou Guia Livre de Dissolução de Sonhos é tropicália no sentido mais bonito que possa existir, mostrando ao resto do mundo que o Brasil não é só futebol e praia, Brasil é música.
FacebookTwitter