Cinco Discos, Cinco Críticas #17

| Julho 3, 2016 2:23 pm
Outstanding Debt // Austerity Drive //
maio de 2016

6.5/10


Tendo começado inicialmente sob o formato
duo, Gross Net é agora o projeto a solo de Philip Quinn (Girls Names) e tem
novo disco que sucede o EP homónimo, editado em 2014 via Art For Blind.
Pertencendo agora à casa Austerity Drive, Gross Net apresenta não só uma nova
sonoridade, mas igualmente um disco que compila vário material produzido pelo
músico que acabou por ser abortado em lançamentos anteriores. Deste modo, é
verificável uma transição do projeto desde o seu início: onde antes se ouviam
guitarras/baixo de ações recíprocas conjugados com o sintetizador, agora
ouve-se o sintetizador em larga escala e uma sonoridade muito mais eletrónica
mas sempre obscura. Outstanding Debt foge completamente dos discos enquanto
 guitarrista dos Girls Names e apresenta uma fase completamente distante
dos três singles apresentados na primeira cassete de Gross Net, enquanto duo.
Como singles relevantes denotam-se “Adverts 4 Suicide”,
“Violence” e “Sanction”.

Sónia Felizardo


Flying To The Stars // Noise
Solution
 // maio de 2016
8.0/10
“Flying to the stars / with my
spaceship very fast / to find a place above / full of love”.

É este o convite que os alemães Coogans
Bluff
 fazem aos seus fãs na sua mais recente aventura musical Flying
To The Stars
. Apesar de numa primeira instância parecerem mais uma banda de
hard blues, estes teimam em provar que são muito mais do que uma simples
convenção dentro de um género. Fundindo inúmeros géneros musicais, como funk,
blues, krautrock e até mesmo jazz a banda alemã cria um álbum que vinga pela
sua autenticidade e originalidade. A primeira faixa, que partilha o mesmo nome
do disco, é uma das melhores experiências musicais de 2016. O termo “trip
musical” é atirado cada vez mais frequentemente quando é necessário descrever o
som de uma banda mas Coogans Bluff pegam neste conceito e dão-lhe uma
lufada de ar fresco. Estes germanos agarram num género povoado de clichés e
desconstroem-no, constroem, voltam a destruir e edificar de uma maneira
completamente diferente. Para além disso, é sempre bom ouvir alguém a tocar
saxofone de forma exímia. A Lisa Simpson ficaria orgulhosa.

Hugo Geada


The Bride // self-released // julho de 2016
7.5/10

Natasha Khan, mentora do projeto Bat for
Lashes
, está de volta com o seu quarto disco de estúdio, The Bride, successor
de The Haunted Man (2012). Inspirado pela curta metragem “I Do”, realizada pela
própria e com estreia no Tribeca Film Festival, The Bride é um álbum conceptual
que nos conta a história comovente de uma noiva que perdeu o seu noivo a caminho
da igreja no dia do casamento. Este novo registo de Bat for Lashes é o seu mais
pessoal até à data, valendo lhe algumas comparações com Kate Bush. Ao contrário
dos seus trabalhos anteriores em que a pop luminosa, sonhadora e psicadélica
dominava, envolvida em batidas e sintetizadores enérgicos, The Bride
apresenta-nos harmonias mais simples mas uma narrativa bastante forte – fala
nos do amor, de uma lua de mel passada a sós, do luto, da perda e da auto
descoberta. Podem-se destacar várias faixas deste novo trabalho como “I Do”, “In
God’s House”, “Widow’s Peak” e “Sunday Love”.

Em suma, The Bride é um álbum coeso a nível
temático e sonoro, mas não imediato. O seu caráter abstrato exige uma audição
delicada. É um álbum arriscado, que peca pelo excesso de faixas, mas que acaba
sempre por compensar devido ao talento inegável e à voz elegante de Natasha.

Rui Gameiro


The Calm Before // Ici D’Ailleurs //
fevereiro de 2016
7.7/10

No início deste ano, o cantautor inglês Matt
Elliott
 lançou o seu mais recente álbum, The Calm Before. O disco
mantém a sonoridade folk sombria à qual os seus fãs estão habituados e não
desilude. Começa com uma curta mas excelente introdução, “A
Beginning”, à qual se segue a melhor canção, que dá título ao álbum. Esta
cria, ao longo dos seus 16 minutos de duração, uma atmosfera melancólica que se
mantém nas restantes músicas. As melhores delas são as mais longas: “I Only
Wanted to Give You Everything”, com o seu crescendo, e “The Allegory of the
Cave”, parecida com a faixa título. A voz forte de Matt Elliott e a
guitarra acústica marcam a sonoridade do disco e vão sendo acompanhados por
outros instrumentos, destacando-se entre eles o bonito piano de “The Calm
Before”.

Rui Santos


Orgunga // self-released // junho de 2016 
8.6/10 

Bem, como descrever Rico Dalasam para começar? 
Acho que a maneira mais fácil de
se explicar seria um Mykki Blanco brasileiro: um rapper negro e gay que não tem
medo nenhum em tanto estar em contacto com a sua masculinidade como com a sua
femininidade. A pessoa que Rico é desempenha um grande papel na sua música, não
só neste seu disco de estréia mas também como no elogiado EP do ano passado Modo Diverso. Orgunga é um álbum muito rico em termos de
cultura de hip-hop e rap, é um álbum que usa muito as raízes de música que não
só originou o rap moderno mas também usa sons e padrões que são muito
brasileiros, como por exemplo o birimbau na música “Riquíssima”. 

O
modo como Rico rappa também é muito peculiar e interessante e é como papel
absorvente, quem ouve Rico cuspir as suas barras fica logo hipnotizado; um
estilo de rap que agora está em voga no Brasil: um flow muito old-school com a
maioria das rimas sendo entoadas dentro de cada barra como um trava-línguas
(com a rima entre barras mais alienígena) com uma mistura do vanguardismo
sonoro do funk, os beats mais modernos do hip-hop americano e sempre um toque
mágico à Brasil. Outro exemplo de rap brasileiro assim é Costa Gold

Mas
Orgunga é muito mais do que o seu estilo tão inovador. Orgunga é a pura
expressão da negritude de Dalasam, é o empoderamento e luta de direitos do povo
LGBT e negro no Brasil, tendo sempre como influência crucial a cultura negra
como conseguimos ouvir na faixa inicial “MiliMili”. Ao longo do álbum
também conseguimos ouvir uma mistura do português com outras línguas para criar
uma rima mais forte como é com o francês que se ouve particularmente na música
“Dalasam” que é uma faixa muito carregada de empoderamento ao povo
negro. Mas é o single “Esse Close Eu Dei” que nos prende, não só o
videoclip que Rico montou, mas a maneira de como ele rappa e o que diz, a
saudação à cultura LGBT brasileira que o rap brasileiro precisava (que apesar
de Karol Conka existir, não é a mesma coisa); uma música muito provocadora que
grita “eu vou fazer o que nunca ninguém fez antes e vou fazer melhor que
ninguém” e no final, foi exatamente isso o que ele fez, não foi? 

“Drama”, a faixa que ao início pensa-se “vou saltar esta” e
depois não dá para parar de ouvir com uma influência muito nordestina nas
palavras chave usadas para as rimas que é uma homenagem à mãe nordestina do
rapper. Orgunga também tem faixas mais diferentes como
“Relógios” que é uma música mais pop-related para todos os efeitos e “Honestamente”,
uma faixa mais do estilo Drake, meio balada com um trap beat mas muito ousado
nas palavras e sem tabús. Por fim temos “Vambora”, faixa que fecha o
álbum e o resume a 100%, uma mistura de pagode e samba com rap que é esse o som
que Rico Dalasam está tão preparado para trabalhar com e fazer prosperar pelo
rap braisleiro. Em resumo, Orgunga é um álbum forte de pouco mais de 30 minutos
que pode facilmente ser um dos melhores álbuns de hip-hop e rap do ano e é uma
das montanhas mais altas nos Himalaias que é o rap brasileiro.

Júlio Lucena
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