Reportagem: Festival Músicas do Mundo [Sines]

Reportagem: Festival Músicas do Mundo [Sines]

| Julho 31, 2016 7:40 pm

Reportagem: Festival Músicas do Mundo [Sines]

| Julho 31, 2016 7:40 pm

No passado dia 29 de julho, fomos até Sines para assistir ao penúltimo dia de espetáculos do que é o FMM ou Festival Músicas do Mundo. Ao chegar, notámos alguma diferença em relação aos outros festivais. É um festival super tranquilo, um festival em que não há preocupações e toda a gente está em harmonia. Isto comprova-se através das ruas cheias de músicos a tocar, dos festivaleiros a dançar logo bem cedo e pelas caras alegres que vamos vendo ao longo do dia.

Os concertos para nós começariam pelas 00:45 mas depois de alguma pesquisa e conversações entre o grupo, entrámos logo para o primeiro concerto da que ia ser a longa noite. Bitori, directamente de Cabo Verde, veio mostrar-nos o mundo do funaná, música dançada um pouco por toda a África e ainda hoje por Portugal. 

Uma banda sempre alegre, todo o público a receber de braços abertos e a dançar de pés descalços, algo muito comum neste festival e que marcou a nossa ida a Sines foi esse pequeno facto que faz toda a diferença. Bitori conseguiu o que queria e até teve tempo de chamar pessoas para dançarem consigo no palco. 

Momento da tarde. Uma alegria tremenda existia pelo pequeno grande mundo que é Sines, o castelo, recinto de um dos palcos, estava agora a assistir atentamente aquele momento. Gravava-se, tiravam-se fotografias para recordar mais tarde. Como é linda a música de Cabo Verde e como é linda a harmonia entre dois povos irmãos.
 
Acabado o concerto, fomos jantar, preparar-nos para Los Pirañas no palco Avenida Vasco da Gama, bem perto da praia. Sempre acompanhado pelas melhores pessoas, os locais, contam histórias de edições passadas, desta edição e dizem o que prometeu e o que promete. Daí o facto de ir a Los Pirañas

Oriundos de Bogotá, iniciaram as hostes para uma noite quente, com puro Tropical Noise. O público de Sines delirava, puxava pela banda como se não houvesse amanhã e esta tocava sem parar. Um baterista que parecia um polvo, com movimentos rápidos, conseguia continuar a tocar graças a um combustível essencial em qualquer festival: cerveja. Um guitarrista que o único adjetivo que vem na cabeça é “esquizofrénico” e o baixista louco, como que se de um cientista maluco se tratasse.

Um dos melhores concertos do ano. Basicamente é o que se tem a dizer deste concerto, que fica marcado por muita dança, muito calor, imagens psicadélicas que fizeram as delícias do público e por um encore magnífico que fez atrasar os restantes concertos. Mal nenhum. 

Subimos mais uma vez para o Castelo, viam-se caras novas, caras mais velhas, pais com os filhos ao colo. Um festival para todas as idades, basicamente. O ambiente remonta para os anos 60, 70, vemos muitos “freaks”, muitos “hippies”, por assim dizer. Esses sim, fazem a verdadeira festa dentro e fora de recinto e fazem Sines ser um Mundo durante seis dias.

Entrámos e esperámos pela hora. Altura de ver David Murray Infinity Quartet featuring Saul Williams. Momento de quebrar expectativas. Um jazz cósmico, que nos leva a um bar de Brooklyn, com o poder da palavra de Saul Williams, esse poeta, esse homem que nos mostra o que é Slam Poetry. Improvisos a cada canto, crítica, batida, saxofone potente por parte do majestoso David Murray que nos faz lembrar um Kamasi Washington, um Miles Davis, sei lá “you name it” mesmo.

Poderoso som, poderoso show a cada música. Criticava-se a Internet, as redes sociais, a política e economia mundial, Donald Trump e companhia, tudo de improviso, tudo na hora.


O tempo parece voar em Sines e o concerto acaba. Soube a pouco e para todos, como sempre, podia ser até de manhã. Do nada estávamos a ouvir Imed Alibi. Ouviam-se piadas como: “Ele chama-se assim porque criou um álibi no Imed para poder comprar Ritalina aos amigos”, mas nada disso. Da Tunísia com o poder de deixar qualquer um em completo estado de transe, chegam-nos um violinista estupendo que brinca com as cordas do seu violino, um percussionista formidável e cheio de energia para fazer as delícias do públicos e um teclista que nos leva a sons semelhantes a Kraftwerk.

Nem nós sabíamos que se fazia música assim na Tunísia, fomos a um bar em Brooklyn e estávamos agora a dar uma volta num tapete mágico pela Tunísia. Concertos que quebram expectativas e que nos introduzem boa música que por sua vez emite excelentes vibrações é também em Sines. Neste concerto conseguimos também ouvir a voz do grande Samir Trudi, acompanhava a banda através daquelas palavras complicadas que todos nós já ouvimos e nunca iremos compreender. Pediam-se palmas e assim foi. Aliás assim era, o público acompanhava sempre todas as bandas, marcava ritmos, pedia encores, os concertos em Sines não podiam acabar, o público é que agarrava as bandas, os artistas e não o contrário.

Daí o amor pelo festival ter entrado logo dentro de mim. Boas vibrações, boas pessoas, boa música que nos leva a conhecer o que é feito por esse mundo fora e que vão para durante os dias de FMM ao pequeno grande Mundo que é Sines. Imed Alibi foi só o exemplo do que se faz de bom na Tunísia, música da boa, música também da Região dos Balcãs, e muito mais. Outro concerto que acaba e damos por nós completamente deliciados.

Agora era o momento da noite. Konono n.º 1 meets Batida.

Um grupo directamente da República do Congo com a ajuda do grande homem das pistas de dança, Batida. Aproveitámos a espera para preparar as pernas para o que iria ser um dos concertos daquele palco e que ia deixar o público em completa apoteose. Assim entraram, com uma breve introdução do artista Pedro Coquenão aka Batida que nos explica que a banda não percebe a língua portuguesa.

Mas havia uma coisa a tentar e nisso em Sines não falhava: a linguagem do amor. Logo assim que pedido o público responde a Batida com palmas e manifestações de alegria, a banda recebia e começava a tocar. Incríveis, fizeram dançar toda a gente a cada som que emitido através das caixas mágicas, os likembes. 

Mas este concerto prometia por outro motivo, um motivo que fez pensar o porquê de Batida ser tão bem recebido em todo o lado onde vai, por ser um bom músico e entretainer em palco. Konono Nº 1 meets Batida proporcionou-nos um excelente concerto ao trazer-nos a dança do Bernardino ou Berna e os convidados que participaram no disco: a grande e imparável Selma Uamusse que não deixava ninguém parar ou descansar e AF Diaphra que acompanhou as músicas que eram cantadas sempre que possível e animou também ele a festa. Outro grande poeta e grande dançarino. 

Ainda dizer que Batida é grande por ter noção do que nos rodeia e fazer questão de não deixar de parte. Sim, só quem lá esteve poderá falar, assistimos a uma crítica a um “Zé” desta sociedade do século XXI, podia ser José Sócrates mas desta vez não. José Eduardo Dos Santos, esse homem que oprime e manda como tirano, que deixa Angola reprimida e sem qualquer voz para poder falar. Rimas fortes e capazes de destruir qualquer barreira. Resta-nos perguntar: Será que chegaram a África? 

Houve ainda tempo para encore com todos em palco, Konono Nº 1, Batida e convidados, a fazerem o que melhor se faz nas ruas do Congo, Angola, Portugal, Guiné ou Cabo Verde, dançar para afastar os males da vida.


Konono n.º1 Meets Batida:
Mku Ndamba
Bondya
Bazuka
Nlele Kalusimbiko
Massikulu
Yambadi Mama

Encore:
Tokolanda


Concerto acabado e ainda nos faltavam mais dois que prometiam. Eram esses Fumaça Preta e Islam Chipsy & EEK. Estávamos “todos rotos” mas prontos para mais uma. Descemos até à praia e assistimos a um concerto que vai também para lista de concertos do ano. Parecia que estávamos num concerto dos Black Sabbath, estávamos como queríamos. Psych Rock para cima é que a malta gosta. Isto tudo misturado com música brasileira, sons a recordar o lord Frank Zappa e ainda muita fumarada como o próprio nome indica.

Um concerto dos demónios, uma banda que parecia saída dos anos 70 misturados com pré-históricos, graças aos seus adereços. Aqueceram o palco para Islam Chipsy e ainda deixaram o público a fazer mosh. Sim, mosh num festival como o Festival Músicas do Mundo. Foi só lindo. Houve mais uma vez direito a encore e muitas jams psicadélicas a serem tocadas. A música do concerto consegue ser “Vou-me Libertar” pelo poderia da letra mais sonoridade que transmitiu logo nos seus primeiros segundos. 

Alex Figueira, o baterista e vocalista, diz ter estado já em edições anteriores como espectador e naquela noite como artista percebeu tudo. Nós também percebemos a magia que se faz naquele recinto que faz qualquer artista tocar e tocar e regressar a palco para encore e tocar ainda mais. Com o palco cheio de “fumaça”, regressam para um encore e para mais “desbunda” tropical.

Sabemos que já cá estiveram em Portugal a tocar por algumas vezes mas um concertos com o poder deste só se vê uma vez. Voltem depressa ou fiquem por cá mesmo.

Fumaça Preta:
Impuros Fanáticos
Tweeta
Dischord
Paolo
Eu era um cão
Acid
Salami
Vou me Libertar
Xmas
Baldo
La Trampa

E heis que o momento da noite que já era quase dia, Islam Chipsy & EEK, entra em palco. o Príncipe da Pérsia que encantou já por duas vezes o Milhões de Festa chegou e fez mais das suas, puro electro chaabi. Nunca repetir uma dose soube tão bem.

Quem ainda estava naquele enorme paredão festejou como se fosse o último dia de festival, que tecnicamente era mas adiante, foi show. Toca tudo e mais alguma coisa, acompanhamos, na front, a sentir, a dar tudo e mais alguma coisa e parecia ser pouco.

Ouviam-se uivos e palmas, gritos como: “I LOVE YOU, MAN” ou mesmo “MIND GAMES!”.Estavam lançadas as redes deste artista que demonstra ser D.D.T, ou seja, Dono Disto Tudo. Viu-se na semana passada no Milhões de Festa e confirmou-se no Festival Músicas do Mundo. Um homem, um orgão mais duas baterias que deram para se criar um suadouro maluco.

Ponho logo Islam Chipsy & EEK na Seleção de Artistas ou algo assim. Foi um concerto de elite.

Islam volta ao palco pelo menos mais três vezes com os bateristas, repete músicas, toca mais músicas, dá um concerto até ao amanhecer. Ninguém pára naquele paredão, vêem-se chapéus de sol, demonstrações de amor. Tudo para o Islam, das Arábias, para o Príncipe Da Pérsia. Saem de palco suados e em lágrimas, Portugal tem disto, meus amigos. Saímos do paredão com as pernas a tremer e ouvidos a zumbir.

Agora a pergunta era: onde é o after?

Fácil. Praia. 

Tivemos tempo de ouvir umas jams antes de ir apanhar o autocarro e sentir a batida dos djambés que tocavam juntamente com flautas e harpas que pareciam aquela hora, encantadas.

E assim foi, uma noite de loucos, uma volta ao mundo a partir de Sines. Estivemos em Cabo Verde a dançar o funaná, estivemos nas ruas de Bogotá com a melhor música de fundo graças aos Los Pirañas, voamos no tapete mágico com Imed Alibi, estivemos num café com David Murray Infinity Quartet featuring Saul Williams, num pulinho dançamos na garagem de Batida com os grandes Konono n.º1 e ainda tivemos tempo de sentir o pedal com duas grandes bandas: Fumaça Preta e Islam Chipsy & EEK.

Sines foi assim, um Mundo para o mundo.
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