Galo Cant’Às Duas em entrevista: “Sempre quisemos compor uma viagem de variadas texturas e dinâmicas”

Galo Cant’Às Duas em entrevista: “Sempre quisemos compor uma viagem de variadas texturas e dinâmicas”

| Março 24, 2017 6:51 pm

Galo Cant’Às Duas em entrevista: “Sempre quisemos compor uma viagem de variadas texturas e dinâmicas”

| Março 24, 2017 6:51 pm



Galo Cant’Às Duas é um projeto de Gonçalo Alegre e Hugo Cardoso. De Viseu para o mundo, espalham o space rock, o pós-rock e até jazz fusão improvisada, tudo de modo muito atmosférico. Mas a sua música é muito mais que rótulos e chegam-nos hoje com seu primeiro registo discográfico, Os Anjos Também Cantam


TM – De onde surgiu o vosso nome? 


Hugo – Estávamos num encontro de artes. Fazemos parte de uma associação cá em Lisboa, o GEIC – Grupo Experimental de Intervenção Cultural, uma associação cultural que todos os anos organiza o Moita Mostra festival na aldeia da Moita, em Castro Daire. Aquilo é durante uma semana e nós vamos para lá, fazemos parte da organização. Houve um dia em que o Gonçalo, que é o técnico de som do evento, recebeu o telefonema do músico que lá ia tocar, a dizer que não podia ir. Nós os dois achámos uma boa oportunidade para ir curtir, para ir jammar. Agora só faltava o nome. 

Nós estavamos no parque de campismo do evento onde havia uma série de galinheiros e, na altura, achávamos um piadão do caraças porque os galos cantavam a toda a hora, quer sejam duas da tarde ou seis da manhã. Assim o Gonçaço teve essa ideia, “Galo” em homenagem aos galos que lá estavam e o “cantar” de tocar música. E “duas” por sermos dois.

Gonçalo – O tema de conversa naquela semana era o facto de nós estarmos nesse parque com galos constantemente a cantar. Nós diziamos: “Porra, os galos estão tolos”. Nunca tinha acontecido em outras edições .

Hugo – Devem tê-los dopado. 

TM – A primeira vez que ouvi falar da vossa banda pensei que fosse um projecto de folclore, daqueles que aparecem na Música Portuguesa a Gostar Dela Própria. Assim desse género. 

Hugo – Já não és o primeiro a dizer isso. Parece nome de uma cena tradicional. 

TM – Ou daquelas bandas que vai ao Bons Sons. 

Gonçalo – Por acaso o Bons Sons é um festival que gostavamos muito de lá ir tocar. Já fui como espectador, antes do Galo começar e foi um festival que eu adorei. 

TM – Vocês são de Viseu e fazem questão de dizê-lo. Porquê?

Hugo – Primeiro, porque é um facto. Segundo, é a nossa cidade, onde nós vivemos, onde nós trabalhamos. É uma cidade pequena, o que faz com que a malta se junte mais. Temos o calor que os nossos amigos nos dão, interessam-se e vão aos nossos concertos. 

Gonçalo – É uma cidade pequena na sua dimensão, mas com um motor cultural e criativo. Há muitas pessoas a trabalharem bem e isso atrai muitas pessoas para a cidade. Isso é muito fixe também para nós que vivemos lá, estamos muito por dentro das coisas, mais concertos do que outro tipo de expressões artísticas. A verdade é que a cidade está com um bom culto e com muita força. 

Hugo – Para já estamos felizes de lá estar. Claro que nunca sabemos as voltas que a vida dá. Se tivermos que, por algum motivo, ou acharmos que devemos sair de lá, vamos fazer isso. Mas para já não temos qualquer tipo de queixa. A única coisa que nos pode falhar é aquela espontaneidade de, por exemplo, ir a um sítio qualquer onde está a malta e falar mais naturalmente do que procurar o contacto. Nessa parte, claro que estamos um bocado de lado, desse nicho, da malta que se encontra por aí e começam a tocar uns com os outros. A nível de trabalho profissional estamos a trabalhar com quem queremos e não temos qualquer tipo de queixa a fazer por estarmos em Viseu. Também há a ideia de que se a malta quer avançar com uma banda tem de ir para Lisboa ou para o Porto. Acho que já não é bem assim, felizmente. 

TM – Sentem que a cena de Viseu está a crescer. Que mais bandas é que vêm de lá? 

Hugo – Os mais conhecidos são os Dirty Coal Train e Moullinex

TM – Viseu acolhe também têm os Jardins Efémeros, não é? 

Gonçalo – Sim, os Jardins, o festival de jazz, o Cult.Urb_Viseu Fest, no Carmo. 

TM – Vi também que vocês foram tocar ao ZigurFest. 

Hugo – É um festival muito porreiro. Acaba por ir ao encontro dos Jardins. Pela cidade tens vários palcos em vários sítios e há toda aquela dinâmica de pessoas na rua a encontrarem-se umas com as outras. É incrível mesmo!

TM – O que podem esperar as pessoas que nunca ouviram Os Anjos Também Cantam?

Hugo – O objectivo que nós sempre quisemos atingir foi o de compor uma viagem, do início ao fim. 

TM – Dá bem para reparar porque, apesar de serem quatro músicas, elas estão todas ligadas. 

Hugo – Ainda bem que dizes isso, é sinal de dever cumprido. Nós dividimos os temas e ainda conseguimos lançar um single. O segundo tema tem onze minutos e podia ser dividido se calhar em três. 

TM – Como diz o próprio nome da música “Respira”, vocês deram espaço à música para respirar. 

Hugo – Exatamente. A malta pode esperar uma viagem de variadas textutas e dinâmicas. 

Gonçalo – Podem esperar um disco que não é de canções. Tem várias camadas, tensões, respirações. Tem vários tipos de música lá dentro. 

TM – Nota-se mais no single porque a introdução é seguida de uma transição para algo completamente diferente. Parece outra música. 

Hugo – Exato, quando vai para aquela preparação dos kicks e depois para o groove. Aquilo é uma marcha mas à nossa maneira. Queriamos dar esse grove de andamento e acho que passa a ideia. 


TM – Como é que descrevem a vossa sonoridade? 

Hugo – É um bocado difícil. 

Gonçalo – É um som atmosférico, com atmosferas grandes e mais pequenas. Encontras grooves, detalhes e ornamentos. Encontras palavras. 

Hugo – É suspeito eu dizer isto, como é óbvio, mas ao meter-me do lado de fora, se fosse ouvir aquele disco achava-o uma cena super completa, no sentido do que dá, das referências que transmite. Por exemplo, o último tema dá-nos uma cena que não é disco mas dá para dançar, ao mesmo tempo que nos dá uma cena free, sem estrutura, ou ainda mesmo um drum and bass um bocado marado. 

Gonçalo – É um pouco complicado para nós pensar nas coisas dessa forma. É mais fácil teres uma banda pop, rock ou metal, música clássica. Aquilo é aquilo. Depois há os géneros que são fusões. Para nós, honestamente, não consigo encontrar um, dois ou três géneros que nos caracterize. 

Hugo – Às vezes a malta diz: “Ouve aí isso porque é indie pop rock qualquer coisa”. Nem sequer faz sentido rotular as coisas dessa maneira. Na música que compomos não temos tanto essa necessidade. 

TM – Acaba por ser rock instrumental. 

Hugo – Sim, pode ser isso. É improv jazz-fusão (risos). Já nos deram esse rótulo. 

TM – Conseguem reproduzir ao vivo aquilo que fazem em estúdio? 

Hugo – Tudo não. Conseguimos se gravarmos em loop stations.

Gonçalo – Conseguimos executar alguns detalhes que estão no disco, como alguns teclados. Quando estavamos a gravar essas comecei a magicar algumas ideias e melodias. Houve um dia em que saímos do estúdio e fomos beber uma imperial. Havia uma melodia que não me sai da cabeça, que aparece no final do tema “Respira”, e agora já consigo tocá-la com o baixo com efeito. Simula mais ou menos o som do roads. O Makoto até quis por um bocadinho o travão.

Hugo – Eu também acho interessante ao vivo teres uma cena e ao vivo teres outra. Há sempre muito espaço para improvisação, o que torna a cena interessante no meu ver. 

Gonçalo – É importante gravar os discos com a maior espontaneidade possível. Quando eles são gravados, mesmo que a música não seja tocada ao vivo da mesma forma, aquilo fica como um registo eterno, especialmente nesta era digital. 


TM – A nível de influências, o que nos podem dizer? 

Hugo – Há muitas. Desde o jazz do Miles, por toda a disciplina que ele tinha na improvisação. O Coltrane também. Mais virado para o rock temos Yes, Pink Floyd, Beatles

Gonçalo – São todas, as boas e as más. A vida também nos influencia. As nossas experiências ajudam-nos a interpretar e a criar. 

TM – É interessante que já perguntei a muitos artistas o que os influenciava e nunca me referiram a vida como influência. 

Gonçalo – Conheces a cena do Marcel Duchamp, em que ele vira o urinol ao contrário e chama àquilo a fonte? 

TM – Sim. 

Gonçalo – Aquilo é uma cena que não tem uma razão ligada àquilo que estava a acontecer no mundo artístico, plástico e da escultura. É mais uma intervenção que está ligada ao meio em que ele vivia, a sua experiência de vida. Aquela cena da massificação, a revolução industrial tinha acabado de acontecer. Tem um bocado a ver com isso, é um reflexo. Há muitos casos assim, principalmente nas artes plásticas, também na música quando as há letras que nos falam da vida. 

TM – Não sei se conhecem o projeto do Phil Elverum, Mount Eerie? 

Gonçalo – Não. 

TM – A mulher dele morreu no ano passado e ele agora vai editar um álbum em que nas letras fala literalmente daquilo que se passou na vida dele.

Gonçalo – A cena do David Bowie também. Acho que todos nos inspiramos um bocado na vida, no nosso passado. As influências podem abordar tudo, podemos falar de livros, filmes, há imensas coisas. 

Hugo – Concordo completamente com isto. A verdade é que nós temos uma linguagem musical própria. Só crias essa linguagem musical a ouvires e a estudares. Só a partir das coisas que tu ouves é que vais criar a tua linguagem. Por isso é que eu referi logo aquelas bandas todas. São, na verdade, as bandas que estão no coração, que vou ouvir para o resto da vida, provavelmente. 

TM – Como foi a vossa experiência nos estúdios HAUS? 

Gonçalo – Foi ótimo. O primeiro dia foi um pouco estranho por várias razões. Quando abri a case do baixo não tinha parafuso. Não sei porque é que aquilo não estava lá, foi algo muito estranho. O Makoto arranjou o contacto de alguém para arranjar esse parafuso. Entretanto, eu tinha um amigo cá em Lisboa que tinha um baixo parecido e o Miguel foi buscá-lo. Eu não sai do estúdio mas fiquei sempre naquela de “Estou f*dido” (risos). O Makoto ainda me tentou emprestar o baixo dele mas a escala era mais pequena e não dava porque eu precisava daquelas notas. 

Hugo – Estávamos com alguma pressão. Tinhamos cinco dias para sair com o disco, com masterização e mixagem. Tinhamos dois dias para gravar as coisas e tudo isto causou ali uma pressão enorme. Nós até fomos bem preparados para o estúdio. 

Gonçalo – O HAUS está com ótimas condições. A nossa música em ambiente controlado, em estúdio, apresenta uma atmosfera muito diferente. Tem muito a ver com a minha proximidade com o Hugo em cima do palco. Houve ali muitos factores que nós ainda não tinhamos experimentado. Foi o primeiro disco, e o segundo será mais fácil. 

Hugo – Nós queriamos gravar a cena toda em take direto, como fazemos ao vivo. 

Gonçalo – Fizemos um set todo seguido e chegámos à conclusão que se continuassemos iamos ter imensos problemas. Há um tema que precisava que a sala dos amps tivesse a porta aberta para a sala da bateria, por exemplo, para criar um ambiente maior. Isso depois vai bater a questões técnicas e a questões física e mental da nossa parte. O disco tem 33 minutos de duração e nós ao vivo estendemos mais. Ia ser muito dificil. Num dia iamos gravar 2 ou 3 sets e nós tinhamos dois dias para gravar. Isso ia dar 6 takes no máximo, com muita sorte. 

Hugo – Já para não falar que é muito cansativo. 

Gonçalo – Decidimos fazer faixa a faixa e conseguimos ligar as coisas, sempre com a ajuda do Makoto e do Fábio, que foram um profissionais incríveis. A malta pode achar que eles são um bocadinho duros do ponto vista técnico, mas são incriveis. Têm um gostos bastante diferentes do que se passa. 

Hugo – Era importante eles darem as suas opiniões. Gostaram bastante da nossa cena, o que foi logo meio caminho andado para a malta se entender. Mudámos algumas coisas porque eles disseram que ficariam melhor. 

TM – Onde é que vos podemos ver nos próximos meses? 

Gonçalo – Vamos apresentar o disco na Casa da Cultura de Setúbal, no dia 24 de março. Vamos estar no Carmo’81 a 1 de abril e no Sabotage a 13 de abril. Vamos também fazer algumas FNACs e estar um bocadinho pelo norte, ao pé de Braga, a tocar em alguns sítios que nós, por incrível que pareça, já tinhamos atuado no ano passado e vamos voltar, muito pelo carinho que recebemos dessa malta. Faz sentido voltar lá com este disco na mão. 


O resto dos meses que se seguem ainda não temos bem ideia. Esperamos vir a ter concertos em festivais. Há festivais que nos interessam mesmo. Obviamente teatros, são sempre salas diferentes. E se for num teatro que tenha um público bem educado, melhor ainda. Estamos a fazer por isso, somos nós que lideramos essa cena de marcar concertos. Estamos à procura de uma outra solução. Na verdade o trabalho de escritório é um bocado duro. Quando dás conta já não tens tempo para tocar. O prolema é que alguém tem de fazer esse trabalho. 

TM – O que têm ouvido ultimamente?

Gonçalo – Tenho ouvido Aurora, é uma miúda norueguesa que é um anjo. É uma cena pop. Tenho ouvido o último disco de Radiohead, às vezes fica em loop. 

Hugo – Tenho ouvido muitas cenas portuguesas. Luís Severo, lançou agora o álbum. Diabo Na Cruz também. Eu funciono por fases. Quando colo em bandas, colo a sério e fico um ano a ouvir aquilo. Ando também a ouvir Toy, que estiveram aí nos últimos dias, Temples e Battles.



Próximos concertos:
24 de Março / Casa da Cultura, Setúbal
1 de Abril / Carmo 81, Viseu
10 de Abril / Fnac do Colombo, Lisboa
13 de Abril, Sabotage, Lisboa
14 de Abril / Fnac do Chiado, Lisboa
14 de Abril / Fnac do Vasco da Gama, Lisboa
20 de Abril / Clue de Vila Real
21 de Abril/ 1/4 Escuro, Chaves
22 de Abril, Contemplarte, Braga 

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