Festival Para Gente Sentada – Dia 2

| Novembro 21, 2017 11:33 pm
©Mariana Prata / comUM
O segundo e último dia do Festival Para Gente Sentada começou no centro com um concerto aberto ao público. Se no dia anterior recebemos os bracarenses Máquina del Amor, neste último dia foi a vez de receber os conterrâneos Ermo, o acarinhado duo da casa composto por António Costa e Bernardo Barbosa que nos trouxe uma apresentação integral do excelente e mais recente disco Lo Fi Moda. Despojado de identidade e humanidade, Lo Fi Moda traz um novo e revolucionário capítulo aos Ermo, onde a vaidade e a presunção dos portuguesas é trazida ao de cima numa atitude de crítica inteligente. A voz abafada pelo auto-tune e as faces ocultas com que se apresentam ao vivo contribuem para este organismo alienígena e viciante que é Lo Fi Moda, executando cada um dos nove temas num registo que não varia muito do estúdio e que se apresenta algo autómato e robotizado na sua performance. O momento mais off the record será talvez a transição entre “Circle J” e “raicevic.als”, dando lugar a um curto interlúdio que explora o campo das batidas techno de um modo melodioso e quase ambiente. A euforia de “Frito Futuro” encerrou o set com o seu delicioso crescendo, intenso e poderoso.


Iniciávamos, então, os concertos no Theatro Circo com um concerto especial dos Capitão Fausto, que apresentaram Ponta Soltas em registo filme-concerto. Depois da apresentação no Curtas Vila do Conde, a banda lisboeta tocou os temas do mais recente disco Capitão Fausto Têm os Dias Contados acompanhado do documentário de Ricardo Oliveira, que nos demonstra de modo inteligente e bem humorado o processo de produção do referido disco. Desacatos e bloqueios criativos eram aqui conjugados de um modo subtil e cómico com explicações científicas, comparando o processo musical dos rapazes de Alvalade a conceitos complexos de mecânica quântica. A música, essa, surgia-nos em temas como “Corazón”, “Amanhã Tou Melhor” e “Morro na Praia”, com a banda em constante sair e entrar do palco. “Alvalade Chama Por Mim”, por outro lado, foi-nos introduzida com a história da batalha de Alvalade no século XIV, aqui enfatizada e narrada por Catarina Wallenstein, irmã do vocalista da banda. A intercalação entre filme e concerto foi uma abordagem feliz que se adequou ao conceito “sentado” do evento e deu resultado a uma das atuações mais interessantes da edição.


Julien Baker apresentava-se de seguida, assumindo o estatuto de cabeça de cartaz e grande destaque da noite. Com um Theatro Circo notoriamente menos lotado que a noite anterior, Julien Baker apresentou-se pela segunda vez no nosso país, desta vez com o belíssimo Turn Out The Lights na bagagem. Sozinha em palco e com apenas um piano e uma guitarra, Baker iniciou o concerto com “Appointments”, single de avanço do seu mais recente disco. A delicadeza dos seus temas ganhou vida na sua performance, com a voz de Baker a apresentar-se surpreendentemente firme e confiante, opondo-se à personagem tímida que nos abordava esporadicamente com envergonhados “obrigados”. Quando um membro do público manifestou o seu entusiasmo pela cantautora americana com um “amo-te”, esta de imediato referiu o peso que a palavra carrega consigo, considerando a expressão como algo demasiado forte. Considerações como estas podem ser observadas em temas como “Televangelist”, “Shadowboxing” e “Sour Breath”, que não escaparam ao alinhamento. As frustrações e os fantasmas de Baker foram trazidos ao de cima com “Claws On Your Back”, uma bonita peça tocada em piano que manifesta os santos e demónios que a cantautora, cristã e queer convicta, já não consegue diferenciar. “Something” terminou o concerto com mais um momento de grande emoção, e não será difícil imaginar alguns olhos lacrimejantes entre o público do Theatro Circo.


O serão emocional e intimista continuaria mais ao lado no gnration com Luís Severo e os temas do seu mais recente disco homónimo. Tal como Julien Baker, também Severo se apresentou a solo, acompanhado apenas por um piano em temas como “Amor Verdade” e ainda “Canto Diferente”, tema que integra o seu primeiro disco Cara d’Anjo. “Cabanas do Bonfim” foi uma agradável surpresa no alinhamento, com o cantautor a interpretar um dos temas que deu a conhecer Flamingos, o seu projeto colaborativo com Coelho Radioactivo. “Boa Companhia”, agora de guitarra ao peito, trouxe a boa disposição à Blackbox e o maior sing-along por parte do público que conhece já os seus mais recentes temas de cor. “Ainda é Cedo” terminou o concerto da melhor maneira, com o cantautor a pedir um palco sem luzes nem som, explorando o lado mais íntimo das suas canções com a contribuição fulcral do público, que voltou a acompanhar em uníssono as palavras de Luís Severo.

Para os mais bravos e sedentos por um pouco de dança e animação, a noite continuou com a house festiva de Moullinex. Da minha parte, decidi optar pelo conceito original do festival: o do conforto e da intimidade, partindo, assim, após duas belíssimas e delicadas atuações.

Fotografia: Mariana Prata (comUM)
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