CAIO em entrevista:”Saí de um planeta onde sou o único ser vivo”

CAIO em entrevista:”Saí de um planeta onde sou o único ser vivo”

| Março 16, 2018 8:18 pm

CAIO em entrevista:”Saí de um planeta onde sou o único ser vivo”

| Março 16, 2018 8:18 pm



CAIO é o projecto que dá voz a João Santos, lisboeta que se apresenta a solo pelas salas do nosso país e que nos vem aquecer o coração com o seu cancioneiro emocional. O artista editou ontem o seu novo álbum de estúdio, Mundo Incerto, sucessor de Viagem (2017) e de Desassossego (2016).


Com uma sonoridade influenciada por José González e Elliott Smith, João Santos não precisa mais do que a sua voz e guitarra para exprimir os seus sentimentos. O cantautor vai apresentar Mundo Incerto no Sabotage Club a 23 de março (estamos a oferecer bilhetes). Em baixo podem ler a nossa conversa com João Santos, num final de tarde chuvosa perto do São Jorge.

Threshold Magazine (TM) – O teu perfil de Facebook diz que vens do planeta Caio. Onde é que fica esse planeta? É possível ir lá visitá-lo?


CAIO – Nós todos somos capazes de ir ao planeta CAIO porque esse planeta, de certa forma, é uma metáfora para um sítio onde podemos estar todos à vontade, em paz connosco mesmo. Este projeto chama-se CAIO exatamente por aí. Saí de um planeta, o planeta CAIO, onde sou o único ser vivo, e venho mostrar às pessoas como chegar a esse planeta que cada um de nós tem.

TM – O planeta CAIO é uma cena interior.

CAIO – Não é budismo, mas é parecido.

TM – Como eu li na press release do teu single “Benedita” e comprovei mais tarde ao ouvir, notei que este transmitia uma sensação de conforto. Gostei de ouvir!

CAIO – Obrigado!





TM – Folk mais intimista, mais simples, mas carregada de sentimento.

CAIO – Muito da minha posição na música e o que quero projetar é as pessoas terem essa intimidade com elas próprias através da música, da mesma forma que eu tive essa intimidade a ouvir música com várias experiências na vida. O que eu quero tentar realçar é que as pessoas são capazes de se sentir bem com elas mesmas, por mais merda que aconteça na vida, ou qualquer tipo de coisas.

TM – Se tivesses de associar a tua música a alguma região de Portugal, qual seria?

CAIO – Porto. A minha primeira grande paixão veio do Porto. Acho que foi o primeiro passo para eu começar a escrever e a fazer música.

TM – Se calhar o ouvinte nunca associará a tua música ao Porto, associa talvez mais para o sul do país.

CAIO – É o Porto. Foi lá que senti o amor a sério. Tem muito a ver com a cidade e com essa pessoa.

TM – O álbum chama-se Mundo Incerto. O que é para ti um Mundo Incerto?

CAIO – É um bocado o nosso dia-a-dia, com as experiências que passamos. Mas este Mundo Incerto vem já do EP e do disco que eu fiz. Funciona como uma espécie de ponto final num livro. Não é um ponto final de fazer música, mas é como se estivesse a contar uma história e chegado a esta conclusão. Cheguei à conclusão de um mundo incerto.
Acho que todas as músicas tratam isso, não só do lado intimista que estávamos a falar, mas também da parte do mundo pessoal que se associa ao meu dia-a-dia. Cada música vai construindo uma história até chegar ao fim. O disco começa na “Saudade” e acaba com o “Porto (des)sentido”. No meio disso tudo, é como se percorresse o mundo, o meu mundo. Para chegar a essa conclusão, que a “Saudade” vem do “Porto (des)sentido”.

TM – Que expetativas é que tens em relação a este trabalho?


CAIO – Gostava muito de ter casas cheias, de ter uma posição na música portuguesa e, principalmente, gostava de fazer mais música, que isto fosse uma porta para eu começar a trabalhar com outras pessoas, fazer outras coisas no mundo da música e envolver-me mesmo a 100%.

TM – Por exemplo, às vezes um artista, uma banda lança um álbum e as pessoas sentem que aquele é o “álbum” que os vai projetar. Sentes isso com Mundo Incerto?

CAIO – Neste momento diria-te que sim, mas se calhar, daqui a dois meses digo-te que não. Eu sou daquelas pessoas que acabo de gravar um disco e já estou a pensar num disco novo, já tenho imensas ideias. Adorava que todos os álbuns fossem o “Álbum”.

TM – Há aquelas alturas em que as pessoas não conhecem um artista e depois, de repente…

CAIO – Eu acho que vai ter piada para certas pessoas que agora vão ouvir este disco e perguntar quem é este gajo. Depois vão ver e reparam que já lançou um EP e um disco. Acho que isso é melhor do que agora lançar um CD e ser apenas conhecido por isso. Prefiro que oiçam Mundo Incerto e depois queiram conhecer o resto do meu trabalho.

TM – Por vezes é melhor do que conhecer logo a banda ou artista nos primeiros trabalhos, onde se notam logo as influências mais diretas. É preciso espaço para crescer. No teu caso, terceiro trabalho, já é uma vantagem conhecer-te nessa altura.

CAIO – Isso pode ser uma vantagem ou não. No meu caso eu acredito que isso vai ser uma grande vantagem.

TM – Diferenças entre Viagem e Mundo Incerto, tanto no processo da composição?

CAIO – Este disco gravei no estúdio HAUS e levei banda. A única diferença em termos de composição foi que eu trazia o material e fazia as coisas no estúdio. Não te vou dizer que fui eu que compus tudo, porque não fui. Sem os músicos com que eu estava, as músicas sairiam completamente diferentes. O processo de escrita acho que é muito igual, só muda o espaço e as pessoas. Já no Viagem foi muito semelhante, eu escrevia, tocava, levava para o estúdio e trabalhava lá a música. Acho que a única diferença foi mesmo as pessoas com quem fiz este disco. E claro, a maturidade que tenho, isso também importa muito, mais a escrever do que a tocar.

TM – Tens 20 anos agora. Quando lançaste o teu primeiro trabalho, Desassossego, tinhas 18.

CAIO – Mas falo de maturidade em me lançar, de ir tocar, de conhecer pessoas novas. Acho que o meio é muito importante para fazeres as coisas. Não o meio artístico, mas o meio onde tu te posicionas, os teus amigos, a tua família.

TM – A primeira vez que ouvi falar do teu projeto foi através de um amigo que me disse que a tua sonoridade era parecida à do Elliot Smith, isto na altura do Desassossego. O que achas desta comparação?

CAIO – Boa observação. Gosto muito do gajo, mas não tinha pensado nisso dessa forma. No Desassossego utilizei muitas sonoridades da natureza, é muito à base da guitarra e da voz. Acho que esse disco tem mais a ver com o trabalho do José González, mas não é uma influência máxima. Acho que tem muito mais a ver comigo, não tanto com influências. O teu amigo até tem alguma razão, agora que estou a ver isto desta perspetiva, até faz algum sentido.

TM – Não é um folk tão habitual.

CAIO – Sim, é um bocado diferente.

TM – Em Portugal, em termos de cantautoria, temos nomes maiores como B Fachada, Luís Severo, Éme.

CAIO – Lá está, eles como se conhecem muito bem, tem influências muito parecidas. O que não é mau de todo, eles são bons músicos. Agora, não se pode falar numa grande variedade no folk.

TM – Falando das músicas do álbum, tens alguma favorita? A que eu gostei mais foi a “Saudade”. Prendeu-me logo ali a abrir o álbum.

CAIO – A “Saudade” funciona muito uma música de prefácio. Tu abres um livro e queres ver de que é que este trata. É a melhor música que se pode ouvir antes de iniciar o disco porque depois vai abrir um caminho em que se ouve muita música fora do contexto da “Saudade”, muita música com banda, muita música a solo. A música que me marcou mesmo e me faz mossa sempre que a oiço, o que é raro porque oiço muito poucas vezes as minhas músicas, é a “Só mais um Adeus”. É instrumental, não tem voz nenhuma, mas é a que tem a maior mensagem do disco.

TM – A música “Pedrógão” está relacionada com os acontecimentos trágicos do último ano? É uma espécie de homenagem?

CAIO – Está sim.

TM – Isso afetou-te diretamente?

CAIO – Afetou porque viajei muito no verão e vi Portugal completamente queimado. Conheci várias pessoas que passaram por essa dor. Foi uma coisa que valeu mesmo a pena escrever. A música fala sobre a posição das pessoas, não fala sobre os incêndios em si, fala sobre o que as pessoas perderam e nós, como seres humanos, somos capazes de dar o pé à frente e continuar a ser capazes de superar as coisas. Acho que o tema de Pedrógão, como qualquer tema de outros incêndios, é muito importante para eu passar esta mensagem e transmitir uma dor do que se passou em Portugal.


 
TM – Compreendo. Consigo associar a tua música à natureza. Talvez mais visualmente por causa da capa dos álbuns. A primeira na praia, a segunda no campo e a terceira no céu. Consigo também associar a tua música a viagens e passeios pelo campo.
Atuaste no final do festival Termómetro e até chegaste à final. Como foi essa experiência?

CAIO – Muito fixe porque houve uma fase depois deste disco que estive muito sozinho. Estive sem ninguém a trabalhar comigo, senti que estava a ser esquecido. Fui para o Termómetro com zero esperanças naquela de: vou ser o gajo que está a tocar sozinho. Tive um hype enorme pelas pessoas, senti-me valorizado, algo que já não sentia há muito tempo. Foi muito importante para conhecer pessoas e mesmo pessoalmente, para me dar valor.

TM – O Termómetro já existe há 20 e tal anos. Achas que continua relevante?

CAIO – Acho que é muito mais relevante agora pelas bandas que estão a surgir. O festival tem bom ouvido e consegue fazer grandes eventos com pessoas brutais. Conheci bandas muito boas tipo Jerónimo, SEASE, pessoal muito porreiro. De certa forma, não é bem uma porta porque essas pessoas são inteligentes e conseguem safar-se. É uma oportunidade que se dá e isso tem mesmo muito valor.

TM – Falando de concertos, para já tens duas datas no Sabotage e no Café au Lait. Tens mais algumas datas que nos possas adiantar?

CAIO – Posso-te dizer que vou tocar pelo país todo até julho. Depois estou a pensar fazer festivais. Vou muito ao norte e ao Alentejo.

TM – O que tens ouvido nas últimas semanas? Assim algum disco que te tenha marcado.

CAIO – As pessoas vão gozar comigo, mas tenho ouvido muita música pop. Principalmente cantoras, Maggie Rogers, Jorja Smith, assim com um flow mais hip hop, mais funk. Tenho ouvido muito Paraguaii. Nils Frahm, Jonathan Wilson e Michael Kiwanuka. De resto tenho ouvido muito pop, à fartana. Este tipo de cantoras que oiço inspiram-me muito a pegar na guitarra e escrever. Não é uma influência, mas traz-me um espírito mais criativo.

TM – Alguma mensagem final para os leitores desta entrevista?

CAIO – Oiçam o meu disco, se me virem na rua venham falar comigo e vamos beber um café. Sejam felizes. Espero que este próximo trabalho tenha um impacto positivo nas pessoas.

TM – Obrigado pela conversa!

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