Reportagem: Tremor – Um Admirável Mundo Novo

Reportagem: Tremor – Um Admirável Mundo Novo

| Março 29, 2018 7:04 pm

Reportagem: Tremor – Um Admirável Mundo Novo

| Março 29, 2018 7:04 pm
© Renato Cruz Santos



Primeiro ano a ir ao Festival Tremor, apesar deste já fazer a Ilha de São Miguel tremer desde 2013, numa parceria entre a nossa conhecida e amiga Lovers & Lollypops, a Yuzin e ainda António Pedro Lopes.


Foi uma experiência de cinco dias, dos quais ficam imagens gravadas na nossa memória. Lugares idílicos, mágicos e fascinantes a manter, espaços incríveis onde decorreram os concertos de um repertório de artistas muito bem escolhido, quase escolhido como se de um scouting futebolístico se tratasse e, ainda, algumas palavras a dizer, as quais passamos agora para este formato, após a reflexão que nos é dada.


Dia 1

Os grandes acontecimentos trazem muitas vezes grandes viagens, quer sejam elas viagens introspectivas quer sejam viagens de avião, como foi o caso. O dia começa com a viagem até à Ilha, com a expectativa de conhecer tudo o que havia sido como obrigatório visitar em apenas 5 dias que me detinham em Ponta Delgada. Chegado após uma turbulenta viagem comecei à descoberta de um novo espaço, como um Diogo Silves em 1427 mas com mais facilidades, com mais informações, com algum jetlag e muito mais urbano, não fosse Ponta Delgada a cidade mais habitada das ilhas.

Muitas vezes pensei estar num filme sem legendas graças ao sotaque arranhado dos nossos camaradas insulares e senti a necessidade de existirem legendas neste filme que foi criado ao longo de 5 dias, no final dos quais até eu já dominava o sotaque açoriano. Muito campo, muito mar e muita praia contribuíram para relaxar e distribuir alguma calma a esta alma que vos escreve, que sofreu logo assim que pôs os pés na rua do aeroporto.

Joana Camilo ©
O primeiro dia fica marcado pelo concerto de abertura da banda Três Tristes Tigres, trava línguas difícil da nossa língua portuguesa. A banda composta por 5 tigres, da afamada música “Mundo a Meus Pés”, que todos esperavam ouvir e não foi tocada, não fazem jus ao nome. Não são tristes, são feras fora da jaula, com sonoridades que arranham e confundem o público que encheu o Auditório Luís de Camões. Fazem lembrar música de outros tempos, não surgisse a banda na geração em que surgiu, no final dos anos 80 início dos anos 90. Junta-se o punk ao soul, o rock psicadélico ao punk, dando uma sonoridade ácida e cósmica, que acontece nas bridges proporcionadas por “guitar hero”, baterista e teclista, tendo a dar coerência a isso os grafismos que pairavam por detrás da banda. 

A música é alta, forte, e as letras de Regina Guimarães, outrora membro integrante da banda, rasgam-nos a pele, destacando-se “Noite Branca” e “Olho da Rua”, onde se atinge o auge do concerto. Nada melhor do que conhecer uma banda que, apesar de já conhecida para muitos, se dá a conhecer e faz logo com o concerto de abertura a ilha tremer com a voz de Ana Deus, vocalista da banda, que atuou ora de costas para o público ora de perfil para nós, vestindo-se de negro, como a noite. É algo característico da Lovers & Lollypops, que quando confirmaram este nome me fizeram recordar Pop Dell’Arte em Barcelos no ano passado.



Dia 2
Choque Eléctrico ou TAS(SSE) BEM AÇOURÉS?
A segunda noite a tremer começou no Solar da Graça, casa típica da cidade de Ponta Delgada, onde actuou o artista Mykki Blanco. Existiu como sempre a habitual espera antes do concerto, que deu tempo para matar a sede, em noites insulares quentes, com uma modesta cerveja ou algo até mais forte. Como introduzido, o Solar da Graça, perto do mercado, é um dos espaços mais antigos da ilha e preparou-se para receber algo muito moderno que é o fenómeno Blanco. O DJ que acompanha Blanco entrou pela sala, repleta de fumo e luzes néon, a lembrar os espaços de diversão nocturna menos utilizados, e tratou de arrefecer o espaço para o artista começar o seu show, que teve direito a tudo, desde acapella até a representação por parte do artista.
Mykki Blanco é mordaz, e arrojado, é pura interpretação e pura música sem preconceitos e estigmas, muitas vezes abordados nas suas letras, que fizeram o repertório do espetáculo musical. O concerto teve ainda direito ao deambular de Mykki pelo Solar Da Graça, completamente descalço, até que algo insólito se sucede deixando todos atentos: um choque eléctrico que faz parar o concerto e com que o artista se volte a calçar, apesar de surpreso, e retomasse o concerto, continuando com a sua catch phrase: “LETS GO TREMOR FESTIVAL! TAS BEM AÇOURES?”.
Algo diferente do costume, apesar de já ter actuado em Lisboa, um mix de hip hop com grime, com rap e trap, sempre com letras acutilantes, sejam elas acerca de aceitação, acerca de namoros e namorados em tempos em que ninguém aceitava.

Paulo Prata ©
Seguimos depois para o Arco 8, espaço que já tinha recebido na noite anterior o DJ Milhafre, para abrir as hostes deste que foi palco secundário e palco after-hours do festival. A noite prolongava-se e seguia-se o concerto de Altın Gün, a banda de Amsterdão inspirada pelos sons arábicos dos anos 60 e 70, sempre cheios de psicadelismo. A sala estava, como se costuma dizer na gíria, “à pinha” e era impossível ficar indiferente ao som de ritmos quentes e áridos da banda holandesa. Tocaram-se “Goca Dunya”, “Kirsehirin Gulleri”, “Sad Olup”, até mesmo “Tatil Diller Yuze”, fazendo a noite ao público que assistia.

Carlos Brum Melo ©
O seu estado de graça diante da audiência faz apostar que, estando em ascensão, mais tarde ou mais cedo voltarão a Portugal, para festivais de dimensão maior ou concertos em nome próprio em casas maiores do Continente. A banda apostou também no seu poder de improviso, que garantiu que quem andava pelo espaço apenas desfrutando a noite e pondo a conversa em dia, fosse ver o que estava a acontecer lá dentro graças à também forte batida.

Carlos Brum Melo ©
Texto: Duarte Fortuna
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