A força da música de protesto: Marc Ribot’s Ceramic Dog em Braga

A força da música de protesto: Marc Ribot’s Ceramic Dog em Braga

| Fevereiro 20, 2019 3:58 pm

A força da música de protesto: Marc Ribot’s Ceramic Dog em Braga

| Fevereiro 20, 2019 3:58 pm

Domingo foi um dia especial. Em jeito de matinée, o gnration convidou o notável guitarrista e compositor nova-iorquino Marc Ribot para uma sessão única no país, onde a música de protesto recebeu especial atenção. 
No advento da eleição presidencial de Donald Trump, Marc Ribot sentiu a necessidade de agir, e essa ação manifestou-se em formato canção. Songs of Resistance 1942-2018 e YRU Still Here? surgiram ambos em 2018, e revelam mais do que nunca a faceta revoltada do veterano. O primeiro compila uma série de canções ativistas que Ribot recriou, assim como alguns inéditos com assinatura do próprio; o segundo juntou o guitarrista a Shahzad Ismaily, multi-instrumentista conhecido pelas suas colaborações com John Zorn, Laurie Anderson, Lou Reed ou Colin Stetson, e Ches Smith, exímio baterista norte-americano que colaborou com Mr. Bungle, John Zorn, Xiu Xiu ou Carla Bozulich. Foi com esta formação que Ribot se apresentou em Braga, como Ceramic Dog (projeto que leva a cabo desde 2007),  para uma performance crua e sem travão na língua. 
De um modo sumário, YRU Still Here? destaca-se como o álbum mais despido e convencional de Ribot até à data, uma manifestação de rock n’ roll no seu estado mais puro, mas também libertário, simples mas de mensagem forte. É um álbum que grita, que toca em pontos sensíveis e que reflete o estado político e social norte-americano de agora. Feitas as apresentações, chegava a hora de experienciar esta instituição da música contemporânea ao vivo e a cores, em volume justificadamente alto.

A sala do gnration encontrava-se lotadíssima, com um mar de gente em notório entusiasmo. O concerto, extenso na sua duração, refletiu um pouco do incrível repertório do músico norte-americano, cuja carreira conta quase quatro décadas dedicadas ao desbravamento das barreiras que limitam a exploração sónica, com colaborações com John Zorn, Caetano Veloso ou Tom Waits a compor um invejável currículo. “We Are Soldiers In The Army” foi o tema escolhido para abertura do concerto, uma interpretação de um tema do movimento dos direitos civis americanos que recebeu aqui um toque mais sujo, lento e moroso, com um crescendo deliciosamente dramático e compassos arrítmicos a fazer lembrar a dinâmica Corsano/Orcutt . Início ideal e prova mais que dada de que a máquina se encontra bem oleada.
Mantendo a ordem de protesto, seguem-se temas como “Acute (I Refuse, I Resist)” e “The Big Fool”, que trazem maior explosividade e garra à performance. Ouvem-se máximas de revolução e apelos à resiliência, e o público reage efusivamente. Da sujidade e distorção passamos para uma abordagem mais descontraída, com uma linha de baixo bamboleante e sedutora a introduzir uma trajetória mais jazzística e de pitada latina. Chad Taylor deixa a bateria por momentos para uma interpretação de “Pennsylvania 6 6666”, do mais recente álbum de Ceramic Dog, onde o elemento percussivo se junta à lírica sarcástica de humor aguçado de Ismaily. Espaço ainda para um momento à la Kozelek, onde Ribot desabafa um aparente desagrado para com a comunidade hippie, cada vez mais yuppie, empreendedora e negligente.

“Muslim Jewish Resistance”, peça central de YRU Still Here?, surgiu já durante o encore, antecedida apenas por um breve interlúdio instrumental (também este peça integrante do disco). Mais pausada e demorada que a original, mas sem nunca perder intensidade, a canção maior do disco, verdadeira canção-combate de apelo à revolução, foi cantada em uníssono com a ajuda de alguns membros da plateia. Adaptada para “Braga Portugal Resistance”, esta expôs mais do que nunca a realidade sufocante de um país corrupto inundado em racismo, xenofobia e tirania, com trio e público em comunhão inspiradora. Durante 90 minutos, qual jogo de futebol, Ribot e companhia proporcionaram uma valente lição do bom e velho rock n’ roll, onde a união foi palavra de ordem. Respeito enorme, portanto.




Texto: Filipe Costa
Fotografia: Hugo Sousa/gnration
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