Montanhas Azuis
Ilha de Plstico

| Fevereiro 17, 2019 1:54 pm
Ilha de Plástico | Revolve | fevereiro de 2019
9.0/10



A Revolve, editora e promotora portuguesa, serviu de casa a algumas das colaborações mais interessantes dos últimos tempos da música portuguesa – é impossível esquecer projectos como Filho da Mãe & Ricardo Martins, PAPAYA (Bráulio Amado, Óscar Silva e Ricardo Martins) ou Chinaskee & Os Camponeses serão os nomes que mais rapidamente nos saltam à cabeça. No dia 15 de fevereiro, chegou um novo supergrupo à Revolve. Montanhas Azuis, a combinação hipnagónica de Norberto Lobo, Marco Franco e Bruno Pernadas, tem como primeira manifestação Ilha de Plástico, um álbum que existe entre o sonho, a pop experimental e o jazz.

Há algo de perfeitamente natural no aparecimento de Montanhas Azuis: Norberto Lobo afirmou-se primeiro como um dos primeiros proponentes de uma nova vaga de primitivismo americano em Portugal e tornou-se mais tarde numa figura incontornável do jazz português, Bruno Pernadas sempre se caracterizou na interface da indie e de grandes produções de jazz, enquanto Marco Franco sempre habitou os campos do jazz, tendo trabalhado no passado com artistas como Rodrigo Amado e até mesmo com Norberto Lobo em Estrela, editado em 2018 pela editora suíça three:four records. O terreno que esta cordilheira encontra em comum, um pop-jazz sem semblante, é maioritariamente composto por Marco Franco, baterista do projecto, e dificilmente se aproxima de alguma coisa em concreto – talvez haja alguns elementos de pop espacial e electrónica progressiva à la Mort Garson, talvez um pouco de easy-listening interacalado com jazz modal, talvez guitarras reminescentes dos 70s ou de uma ilha tropical perdida no pacífico – o que importa verdadeiramente é que, por muito que se decomponha a Ilha de Plástico, ela continua a existir como um elemento único no arquipélago de edições de qualquer um dos artistas.

© Vera Marmelo 
O tema que abre o disco, “Ilha de Plástico”, é a entrada subtil que as Montanhas Azuis oferecem nesta meia hora de fantasia composta quase exclusivamente por Marco Franco – um improviso modal de uma guitarra distorcida, encharcada, irreconhecível, sobre uma sequência repetitiva de acordes cria a letargia que acompanha todo o álbum. Depois desta “A Lotus On Irish Streams” da idade espacial, “Faz Faz” abre uma nova fase do sonho e intromete-se com uma dream pop orelhuda que, de alguma maneira mágica, cria o prelúdio ideal para a profunda calma da guitarra e sintetizadores de “Flor de Montanha” existirem. 
“Dezanove Acordes” consegue mais uma vez mudar o panorama do álbum como um tema pop forasteiro e jingão, não impedindo que “Nuvem Porcelana”, uma ode à música progressiva electrónica subitamente transite para um ímpeto em vocoders contagiante e arpejos hipnotizantes. “Sururu”, a única faixa composta por Norberto Lobo, segue-se e pede emprestados os vocoders que se destacaram na música anterior, em mais uma demonstração de uma sensibilidade pop admirável. 
“Duas Ilhas” vê o piano a surgir como um elemento considerável, enquanto uma guitarra deslizante e um sintetizador ominoso contagiam os espaços vazios. “Coral de Recife” revela uma vez mais uma estrutura fortemente assentada em algo profundamente orelhudo e contagiante, deixando os improvisos de teclado criarem a agradável estranheza que acompanha todo o álbum. Em jeito de despedida, “Marianas”, tema gravado no MagaFest de 2018, é o único que junta os três músicos na composição e na sua simplicidade deixa pena por simbolizar o fim daquele que é um disco tremendo. Montanhas Azuis fecham assim Ilhas de Plástico, numa sobreposição lenta entre erguer e adormecer, reforçando a hipnagogia que marca todo o álbum.
É difícil tecer comentários gerais sobre o álbum que não sejam puramente qualitativos – Ilha de Plástico é um álbum tão hipnotizante como brilhante, tão inovador como estranhamente familiar. Num disco onde tudo parece ter razão para existir, só se torna difícil ouvir o silêncio que os poucos segundos finais protagonizam – esta viagem cujo destino não importava, este sono do qual não queríamos acordar, inevitavelmente acaba. E não há nada a fazer a não ser reouvir esta Ilha de Plástico e viajar pelos mares que a rodeiam.


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