Reportagem: Puce Mary [Maus Hábitos, Porto]

Reportagem: Puce Mary [Maus Hábitos, Porto]

| Março 23, 2019 8:19 pm

Reportagem: Puce Mary [Maus Hábitos, Porto]

| Março 23, 2019 8:19 pm



Puce Mary é  Frederikke Hoffmeier, artista sonora dinamarquesa que desde 2010 tem vindo a contribuir em muito para o ainda restrito grupo de exploradoras femininas que conduzem a música experimental para um equilíbrio de géneros. O seu corpo de trabalho é denso e explora os pontos de interseção entre o noise e a música industrial, numa conjugação elegante entre o sombrio e o luminoso, o grotesco e o sublime. A sua discografia estende-se maioritariamente à editora escandinava Posh Isolation, de Loke Rahbek e Christian Stadsgaard, contando ainda lançamentos por selos tão conceituados como a iDEAL Recordings ou a Freak Animal. Integra ainda o glam artístico dos Marching Church, do carismático Elias Bender Rønnenfelt, a tensão delicodoce dos Body Sculptures, e muitos outros projetos de enorme valor.

The Drought, o mais recente álbum de Hoffmeier e primeiro pela editora germânica PAN (casa-mãe para artistas como Amnesia Scanner ou Pan Daijing), serviu como mote para as apresentações que tiveram lugar esta semana, dias 19 e 20 de março, no Maus Hábitos e Galeria Zé dos Bois, respetivamente. Aqui, a dinamarquesa explora o lado mais cinematográfico das suas composições, uma viagem vertiginosa pelos campos mais intrigantes da música noise praticada nos dias de hoje.

Perante um Maus Hábitos pouco composto e de ambiente tímido e vulnerável, Hoffmeier aproximou-se da parafernália eletrónica que se encontrava ao centro do palco, encimada por uma iluminação austera de tom avermelhado bem contrastante. Deu início à performance de modo discreto, com um drone volumoso e encorpado de frequências baixas a dar lugar a batidas pausadas, de compasso bem vincado, que marcam o início de um novo capítulo na performance. Com recurso a diferentes tipos de microfones, a compositora gera paredes massivas de textura e harmónicos, numa teia sónica tangível e suja. A sua voz, sussurrada, é quase imperceptível, contribuindo para a trama densa e etérea que faz ecoar em ondas de grande dissonância. É nesta fase que a artista se distancia da maquinaria para se aproximar do público, que a observa pacificamente e em paz, paz essa que é perturbada por momentos teatrais de confronto para com a plateia. 

O drama e a tensão são, afinal, palavras-chave para a música de Hoffmeier, que as materializa em performances avassaladoras que vêm no desconforto um fio condutor. O ritmo inquietante e maquinizado de temas como “Fragments of a Lily”, que nos chegou já a meio da atuação, trouxe músculo e fisicalidade a uma performance outrora harmoniosa e hipnótica, que se torna assim visceral e catártica. Como que num jogo constante de oposições, os minutos finais foram reservados para um momento de maior profundidade, com gravações de violino a complementar uma composição de ordem barroca, num épico moderado mas penetrante. O silêncio, que marcaria o fim da performance, chegou tenebroso, após 40 desconcertantes e maravilhosos minutos onde a tensão e a agonia andaram de mão dadas.

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