Cinco Discos, Cinco Críticas #46

| Junho 3, 2019 5:46 pm


Já quase a chegar à concretização do primeiro semestre do ano civil é também tempo de começar a listar as edições que se destacaram entre os incontáveis lançamentos que vão saindo diariamente. Para vos ajudar neste processo voltamos em mais uma edição do Cinco Discos, Cinco Críticas a recordar alguns dos discos que chegaram às prateleiras nos primeiros cinco meses do ano.

Assim, as opiniões relativas aos mais recentes lançamentos de The Physics House BandDeath Sequence (Unearthy Vision, 2019); NEUNAUIl Ciclo del Vuoto (Boring Machines, 2019); Von SparUnder Pressure (BUREAU B, 2019); ЗлурадВо благо злу ([addicted label], 2019); e PileGreen and Gray (Exploding in Sound Records, 2019) podem agora ler-se, abaixo. 


Death Sequence | Unearthly Vision | maio de 2019 


7.8/10 

O quarteto britânico The Physics House Band volta à carga com o seu terceiro registo, um EP de seu nome Death Sequence que conta com quatro faixas de magia em formato sonoro. A identidade destes meninos consiste numa abordagem cativante e aguerrida a géneros como o doom metal, o jazz fusion e o rock progressivo, com todas as sonoridades ecléticas, mudanças de tempo radicais e não-ortodoxas e ambiências extraordinárias de natureza interplanetária que isso traz. O EP coloca o ouvinte frente-a-frente com um alinhamento que começa de forma completamente sufocante, com riffs obscuros e um trabalho de saxofone sombrio, mas que rapidamente faz uso de um jogo de variações entre uma agressividade intrínseca e uma acalmia enganadora, pois a sequência que o alinhamento proporciona dá sempre azo a uma atmosfera de constante tensão que dura cerca de 17 minutos no seu total. 
Certamente uma experiência interessante que os fãs do género irão apreciar imenso, mas que apesar de provar ser um alinhamento aprazível e autossuficiente, acaba por não ser mais que uma antevisão para coisas maiores que ainda estão para vir. De qualquer maneira, acaba por fazer o papel ingrato, mas necessário, de aperitivo de maneira eficaz e memorável.
Ruben Leite




Il Ciclo del Vuoto | Boring Machines | maio de 2019 


8.5/10 

Com foco na pesquisa sonora que inclui uma abordagem arqueológica e museológica, NEUNAU – o projeto artístico do italiano Sergio Maggioni – chegou em maio passado aos destaques do mês com Il Ciclo del Vuoto, um disco de oito temas que promete surpreender os fãs das estéticas da música ambiente, experimental, drone e dos campos do field recordings. Construídos a partir dos mais ínfimos detalhes transmitidos por fontes sonoras, NEUNAU produz nestas faixas uma banda sonora onde a personagem principal é o próprio ruído gerado. Il Ciclo del Vuoto incorpora uma experiência que vai além do simples processo de escuta integral. Além da produção auditiva envolvida, este trabalho também se foca no design visual, com uma capa feita através do velho modelo da tipografia, ou seja, todo o packaging que acompanha Il Ciclo del Vuoto resultou de um processo de impressão à mão com recurso a uma impressora de caracteres dos anos 80, que agora faz parte do museu de tipografia Lodovico Pavoni de Artogne em Valcamonica.
Sem margem para dúvidas este disco trata-se de uma experiência conceptual onde cada batida e ritmo orgânico são pensados em detalhe e cada audição sonora se transforma num mundo explorativo e rico em ambiências amplamente desafiadoras. Desde o homónimo “Il Ciclo del Vuoto” – tema que inaugura o álbum – até “Field Recording from Marna Gallery (bonus track)” – encarregue pela despedida – NEUNAU explora a temática do concreto num trabalho de rigor científico e intensa imaginação artística. Um daqueles discos cuja edição física é obrigatória na coleção.
Sónia Felizardo




Under Pressure | Bureau B | maio de 2019 


8.0/10 

Von Spar é um quarteto alemão formado por Sebastian Blume, Jan Philipp Janzen, Christopher Marquez e Phillip Tielsch. O grupo de Colónia traz-nos em 2019 Under Pressure, quinto e novo registo discográfico, se contarmos com o álbum de homenagem ao clássico dos CAN, Ege Bamyasi, gravado ao vivo com Stephen Malkmus no ano de 2013. 
O sucessor de StreeLife (2014) apresenta-nos nove temas que fogem do registo krautrock habitual dos Von Spar, dando novas roupagens sintéticas à sonoridade do grupo, ao mesmo tempo que se aproxima da pop de cariz eletrónica e dançável. 
Under Pressure conta com a participação de vários convidados, com o principal destaque a ir para a voz de Chris A. Cummings, presente em mais de metade das músicas. Eiko Ishibashi (Kafka’s Ibiki, Jim O’Rourke, Merzbow), Vivien Goldman (The Flying Lizards), R. Stevie Moore deixaram também a sua marca neste disco, mas um dos momentos mais importantes é mesmo a presença de Lætitia Sadier (Stereolab) no hit kraut-pop de audição obrigatória, “Extend The Song”. Além do tema mencionado em cima, aconselha-se vivamente a audição de “A Dream, Pt2.”, tema de influências Nu-Disco, como se tivesse saído do último disco de Todd Terje e “Happiness”, onde abundam texturas atmosféricas e refrescantes, as quais combinariam perfeitamente com um sunset de cocktail na mão. 
Under Pressure é um disco alegre, perfeito para os dias mais quentes, com a sua sensibilidade pop e ritmada. As sonoridades aqui presentes não são inovadoras, mas são bem agradáveis e frescas, muito por culpa das distintas colaborações dos artistas convidados.
Rui Gameiro




Во благо злу | [addicted label] | janeiro de 2019 


7.0/10 

Formados em Moscovo, em 2015 os Zlurad (aka Злурад) retratam uma abordagem sonora que explora as vertentes do noisecore/jazzcore e é amplamente destrutiva, ao mesmo tempo que se apetrecha de elementos criativos e de uma visão artística que foge aos padrões das estéticas aceites popularmente. Entre alguns meses despendidos na garagem em ensaios e criação de maquetes os Злурад foram até ao estúdio Orange para gravarem com Nick Samarin (IWKC, Evil Bear Boris) o resultado do tempo investido numa sessão de estúdio, que se corporizou em dois trabalhos longa-duração físicos: O mini CD Ritual (Salami), editado em 2017 com uma duração limitada a 100 cópias, e o CD Во благо злу , título que se pode traduzir em algo como “Uma bênção ou uma maldição (para o bem do mal)” editado em janeiro de 2019 e sobre o qual recai esta crítica. 
Entre os anos que deram sucessão à formação do atual quinteto russo, aos que levaram à materialização do segundo trabalho longa-duração de carreira, Во благо злу, a banda experimentou entre os terrenos do grindcore experimental e improvisado, interruptores de tempo repentinos e riffs estranhos, até ter chegado a um resultado final que incorpora um total de quatro vozes brutais entre uma parafernália de instrumentos a abraçar o caos sonoro. 
Во благо злу não é um disco de audição fácil muito menos um disco desenhado para chegar ao grande público, mas é definitivamente um disco que sabe surpreender um prezado melómano e qualquer ouvinte que não tenha medo de ultrapassar o threshold.
Sónia Felizardo






Green and Gray | Exploding in Sound Records | maio de 2019 


8.5/10 



Os Pile lançaram no mês passado Green and Gray, o seu sétimo longa-duração e a sua mais recente adição numa carreira discográfica que apesar de curta, já é algo vasta. Com 7 LPs e outros tantos singles, a banda que começou como um projeto pessoal de Rick Maguire (o mentor dos Pile) evoluiu para um quarteto atualmente composto por Maguire, Chappy Hull, Alex Molini e Kris Krus. Nas primeiras audições, é possível acharem que Green and Gray é um disco demasiado expansivo para manter algum tipo de coesão. Porém, esse facto deve-se à sonoridade difícil de caracterizar dos Pile, que oscila entre massas de pós-hardcore denso, explosões instrumentais de noise e math rock e momentos mais calmos, expansivos, líricos e introspectivos. Estas oscilações tornam evidentes os vários momentos pelos quais passamos ao escutar Green and Gray, sendo que o álbum começa com aquela que é uma das suas melhores faixas: “Firewood”. “No longer burdened by youth / Not burning and open and raw like a wound”, é assim que começa Green and Gray, com Maguire a aceitar o fim da sua juventude, pronto a percorrer caminhos mais maduros, mas não menos sinuosos. O resto do álbum é composto por muitos outros distintos momentos de interpretação da lírica escrita por Maguire, de entre os quais destacamos “The Soft Hands of Stephen Miller”, faixa na qual Maguire usa o seu tempo de antena para cuspir veneno contra Stephen Miller, o racista de extrema-direita que se tornou num dos principais assessores políticos de Donald Trump (“From a long line of translucent lizards comes our boy Stephen / That inferiority complex passed down generations”) e “Bruxist Grin”, tema no qual exorciza os demónios que causaram o ataque de pânico que teve dias antes de sair de Boston para ir viver para Nashville (“The moment I panic you replace / The reason I can’t help being switched2). 
Green and Gray é uma adição de peso à discografia dos Pile e um sério candidato a concorrer ao top 10 de discos do ano. Para fãs dos Polvo, dos Cloakroom e dos Pixies

Edu Silva 




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