Cinco Discos, Cinco Críticas #47

Cinco Discos, Cinco Críticas #47

| Julho 3, 2019 1:09 am

Cinco Discos, Cinco Críticas #47

| Julho 3, 2019 1:09 am


Antes de partir para o segundo semestre de 2019 relembramos as edições que foram editadas nos primeiros seis meses do ano, entre as quais se incluem o disco de estreia das Otoboke BeaverItekoma Hits (Damnably, 2019); o segundo EP de estúdio de SierraGone (Lazerdiscs Records, 2019); o disco de estreia dos aveirenses Troll’s Troy18:05 (FLOP Records, 2019); o EP de estreia de Panther ModernLos Angeles 2020 (self-released, 2019) e o também LP de estreia da dupla 100 Gecs1000 Gecs (Dog Show Records, 2019).


As opiniões aos referidos discos podem agora ser lidas abaixo, integradas na 47ª edição do Cinco Discos, Cinco Críticas.



Itekoma Hits | Damnably | abril de 2019 

8.3/10 



Otoboke Beaver é um quarteto de punk japonês com origem em Kyoto. Dez anos após a sua formação apresentam-nos o seu primeiro álbum de longa-duração, Itekoma Hits. O disco inclui, para além de novas músicas, temas dos últimos dois EPs, Love is Short e Bakuro Book, e novas gravações de faixas lançadas anteriormente. O culminar desta combinação é um álbum surpreendentemente coerente, composto por uma rajada de curtas doses de punk agressivo e divertido. Os temas não ultrapassam os três minutos de duração e quase não dão tempo para respirar, mas no fim fica a vontade de repetir a experiência. 
O baixo e a bateria são incansáveis e as guitarras trazem muitas vezes riffs viciantes a que nos podemos agarrar no meio do caos. As quatro vozes brilham quando respondem umas às outras ou complementam-se em partes cantadas em grupo, transmitindo muita personalidade e energia. Em alguns dos momentos mais caóticos perde-se a originalidade das composições, privilegiando-se a agressividade e rapidez, mas a banda mostra-se totalmente competente a tocar em ritmos mais acelerados. Há que destacar também a inclusão de secções imprevisíveis, que são lufadas de ar fresco no meio de canções como “Bad Luck” e “Anata Watashi Daita Ato Yome No Meshi”. As transições entre diferentes abordagens são rápidas e fluídas, fazendo com que os momentos mais variados estejam integrados de forma homogénea. 
Entre as faixas a destacar estão “S’il Vous Plait”, com as suas melodias instrumentais contagiantes que obrigam qualquer um a abanar a cabeça, e “Bakuro Book”, cujo refrão é especialmente melódico e pop. Itekoma Hits são 27 minutos de punk barulhento e criativo que valem bem a pena. 

Rui Santos








Gone | Lazerdiscs Records | maio de 2019 

7.5/10 



Sierra, a produtora sediada em Paris, regressou este ano aos holofotes das paradas musicais com novo trabalho, o EP Gone que chega às prateleiras dois anos após a edição de Strange Valley EP (Lazerdiscs Records, 2017). Desde a estreia que Sierra nos tem vindo a mostrar que a synthwave, darkwave, eletrónica poderosa e com um toque francês lhe são bastante familiares, mas é com este Gone que esta se afirma mais longe. Através de um ritmo caleidoscópico, uma aura altamente abrasiva e um charme sensual Sierra apresenta em Gone um disco que vai muito mais além do que já tinha sido explorado em Strange Valley, abraçando mais concretamente géneros como a EBM, techno e darksynth
Sierra soube bem escolher o primeiro tema de avanço do disco, o homónimo “Gone” que, além de uma faixa facilmente aditiva e propícia a uma dança imediata é daqueles temas que dá uma vontade imediata de se fazer ouvir em loop. O disco prossegue com “Unbroken”, um tema cujo início traz alguns alicerces dentro das paisagens da retrowave que rapidamente se desenvolvem entre ritmos do techno e camadas sintetizadas da synthwave. Segue-se “Leftover” (cujo início relembra a estética dos comparsas franceses Potochkine no tema “Jumeaux”), que avança para uma marcha de exploração experimental; a balada “A Matter Of Time” e, para finalizar, um tema que vai beber influências à minimal-wave, “She”. 
Num disco com uma duração aproximada a 21 minutos Sierra oferece-nos uma viagem de aprendizagem e exploração aos vastos mundos da música eletrónica. Um disco que vale a pena explorar.

Sónia Felizardo








18:05 | FLOP Records | abril de 2019 

8.2/10 



O saxofonista Gabriel Neves, o guitarrista Jorge Loura e o baterista João Martins, o trio veterano com origem em Aveiro e que forma o conjunto Troll’s Toy, lançou este ano o seu primeiro longa-duração de seu nome 18:05. A identidade sonora do grupo é descrita como se – e passa-se a citar – “Frank Zappa, Wayne Shorter, Richard Wagner e Egberto Gismonti se encontrassem num concerto de Tool e formassem uma banda“; ou seja, espera-se uma exibição de instrumentação jazzy com tendências experimentais e progressivas, nunca descurando os imensos desvarios virtuosos que se querem sempre de bom gosto. 
Quanto ao conceito do álbum em si, esse tende a explorar o sentimento de desordem e impotência pela qual uma pessoa pode passar durante um simples minuto – talvez um episódio aleatório de ansiedade, ou um acontecimento traumático – sendo que esse mesmo sentimento é transmitido pela banda por via de passagens em que o espírito de jam improvisada é rei e senhor, com trabalho rítmico esquizofrénico – ora mais ortodoxo, ora completamente caótico – e melodias que refletem ambientes que têm tanto de tenebroso como de atmosférico. No entanto, ao longo das nove faixas deste registo, não há como negar as conotações sonoras que se revelam de cariz elegante, e com uns motifs mais leftfield misturados aqui e ali para dar aquela textura mais peculiar. Há espaço para faixas mais tropicais como a “Khat”, músicas mais eletrizantes como “Neurotransmissor”, sons mais espaciais como “Derrota” ou “Azrail”, tudo aglomerado numa só unidade de forma a dar corpo a uma experiência dinamicamente avolumada como a que 18:05 proporciona.

Ruben Leite








Los Angeles 2020 | self-released | maio de 2019
7.0/10 



O antigo vocalista e guitarrista dos agora extintos Sextile Brady Keehn – lançou-se este ano a solo sob o alter-ego Panther Modern, do qual emergiu em maio a primeira amostra desta introspeção a solo, Los Angeles 2020. Despindo-se de preconceitos e do post-punk revolucionário e de teor político que desenvolveu enquanto membro dos Sextile, Panther Modern é, de facto, uma pantera moderna dos sintetizadores e das caixas de ritmos. Se a eletrónica fica cada vez mais em voga Brady Keehn faz questão de o sublinhar, apostando em quatro malhas que se interligam entre si, mas que são criativamente distintas e bastante individuais em termos de personalidade (se o pudermos definir assim). 
Mas atenção que nem tudo é uma novidade, alguma da aura punk electro que já tínhamos sido convidados a ouvir no último EP que os Sextile editaram – 3 – volta aqui a ser consultada, mas num trabalho que a integra com o desenvolvimento monocórdico do techno, os beats da house music e alguns traços ligeiros da EBM. O disco, que abre com a quebra pistas de dança “Tasting Static”, vai-se tornando mais orelhudo em temas como o incendiário “Take Me Of” e a industrial inspired “Creep” até chegar a “Body//reaction”, tema que dá encerramento a esta estreia e que será talvez o mais propício a uma divergência de opiniões. 
Dono das pistas de dança ao invés dos clubes de punk Panther Modern pode vir a mostrar um futuro promissor. Los Angeles 2020 é um bom pontapé de avanço para um novo capítulo na carreira de Brady Keehn. A ver o que o futuro reserva.

Sónia Felizardo








1000 Gecs | Dog Show Records | maio de 2019

8.5/10



100 Gecs é o duo composto por Laura Les (aka Osno1) e Dylan Brady, produtor frequente de Night Lovell que remisturou o mais recente single da super estrela pop Charli XCX. A união entre os naturais de St. Louis é já de longa data e os primeiros trabalhos como duo começaram a circular em 2016, ano em que editaram o EP de estreia homónimo. O falatório a nível global chegaria este ano e de rompante, com um estonteante longa-duração a desafiar todas as leis possíveis do maximalismo. 
1000 gecs, assim se chama o disco, é detentor de um som grande, de produção berrante e vozes deformadas que nos cantam num tom vibrante e apoteótico. A abordagem bruta e caótica, por vezes desengonçada, com que se atiram aos 10 temas que compõem o disco pode aproximar-se, por vezes, às produções do coletivo britânico PC Music, com Sophie a remeter de imediato para os trabalhos dos americanos. No entanto, onde as músicas da escocesa se apresentam pristinas, as do duo aventuram-se por terrenos mais desalinhados. São orgulhosamente felizes com o erro, e é na incoerência que se encontra o verdadeiro encanto do disco, assim como a coragem e ousadia com que fundem estilos sem critério aparente. Há aqui guitarras, distorção, batidas arrítmicas, grindcore regurgitado, aventuras pelo ska, um rasgo imprevisível de brostep e baixos, muitos baixos. Pensem no Adoro Bolos e acrescentem-lhe mais dez estilos. 
1000 gecs é, talvez, a audição mais contagiante do presente ano, um disco peculiar produzido por um grupo que só sabe jogar pelas suas próprias regras e que só poderia existir numa época como esta.

Filipe Costa



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