Cinco Discos, Cinco Críticas #48

| Agosto 4, 2019 11:00 pm
Na quadragésima oitava edição do Cinco Discos, Cinco Críticas focamo-nos nas novas edições dos nova-iorquinos Spell RunnerAlways on the Cool (Rise Records, 2019); dos americanos SebadohAct Surprised (Dangebird Records, 2019); do espanhol Niño de ElcheColombiana (Sony Music, 2019); dos estado-unidenses DarkswoonBIND (Icy Cold Records, 2019) e da portuguesa OdeteAmarração (Rotten Fresh | Troublemaker Records, 2019).

Os referidos lançamentos, que chegaram às prateleiras no primeiro semestre de 2019, podem agora ser (re)descobertos abaixo, em formato áudio e de texto opinativo.


Always on the Cool | Rise Records | abril de 2019 

8.0/10 

Oriundos de Albany, em Nova Iorque, os Spell Runner lançaram em abril passado o seu primeiríssimo registo, de seu nome Always on The Cool. Como que fazendo jus ao nome do EP, a sonoridade que reina aqui baseia-se em hardcore punk fervoroso puro e duro, mas que não se coíbe de adaptar influências de géneros favoritos da malta adepta dos revivalismos dos 60’s e 70’s, com doses sempre equilibradas de nuances psicadélicas cortesia do surf rock, da energia contagiante herdada do rockabilly, e da costela horror-camp do psychobilly. Independentemente disso, o aglomerado de cunhos sonoros descritos atrás culmina sucintamente num som que, apesar de não ser necessariamente muito original, irá trazer à memória os bons velhos tempos de bandas veteranas como os The Stooges ou The Cramps – pode-se até dizer que iriam deixar o falecido timoneiro dos últimos, Lux Interior, cheio de orgulho – e contagiar o ouvinte de forma a, no mínimo, fazê-lo bater o pé ao longo das sete músicas que compõem o alinhamento deste EP. 
Este é um disco que, devido a seguir aguerridamente a máxima “what you see is what you get” e facilitar bastante o mood para a pândega constante, contém argumentos muito jeitosos e convincentes para mais rodagens (e quem sabe, até mesmo uns quantos “pézinhos” de dança aqui e uns headbangs ali), sob a forma de originais como “Burn Rate”, “Voyeur” e “Phantoms”, sem contar com a cover bem porreira da “Arabian Knights”, de outro grande grupo dos anos 80 e parte dos pioneiros do gothic rock Siouxsie and the Banshees.
Ruben Leite




Act Surprised | Dangerbird Records | maio de 2019 

7.0/10 

Passados 6 anos desde Defend Yourself, eis que os Sebadoh de Lou Barlow regressam às edições com o LP Act Surprised, o nono de uma carreira com mais de 30 anos. Apesar de nunca terem alcançado o mesmo patamar do que os Pavement, os Guided By Voices ou até mesmo do que os Dinosaur Jr., banda que Barlow fundou com J Mascis em 1984 e da qual foi expulso 4 anos depois, a carreira extensa dos Sebadoh angariou-lhes um lugar de culto no nicho do indie rock lo-fi que originou no final dos 80’s / início dos 90’s. 
Em Act Surprised, Barlow reuniu novamente a dupla Jason Lowenstein e Bob D’Amico (ambos ex-membros dos Fiery Furnaces) e, juntos, deram-nos 15 faixas que compreendem 45 minutos da melhor música que o trio produziu nesta década. Por entre momentos em que os instrumentos se exaltam – ouça-se o vigoroso solo de guitarra na faixa “Act Surprised” a título de exemplo – até aos coros e lírica introspectiva carregada de insegurança escrita ora por Barlow ora por Lowenstein – “Your body went on vacation / Mind stayed home / Stuck deep inside of you / Don’t even know / So I raise my glass to departures / Let it all go / Release yourself from you” – é notório que Act Surprised é um álbum bastante mais coeso do que o seu antecessor, o Defend Yourself
Ainda que por alegres demais para o meu gosto – gostava de ouvir mais temas como “Not Too Amused” – Act Surprised é um trabalho que honra o legado dos Sebadoh sem se agarrar às glórias do passado.
Edu Silva




Colombiana | Sony Music | maio 2019 

8.5/10 

O produtor espanhol Niño de Elche, alter ego de Francisco Molina, não é um nome novo na música e a sua discografia é conhecida pela mutação constante, mudando constantemente de sonoridade entre álbuns. Em 2019 chega com Colombiana, uma colaboração com o colombiano Eblis Álvarez, líder dos Meridian Brothers. O disco Colombiana promete a revigoração de dois géneros musicais, a cumbia e o flamenco aos quais junta alguns sons e influencias da era moderna. 
Logo pelos primeiros dois temas do disco, e prolongando-se por todo o disco, é possível perceber que este soa a uma “cumbia triste” ou, pelo menos, acredito que esta seja a designação que melhor descreve do disco. Aos ritmos animados da cumbia são adicionados momentos mais lamentosos do flamenco, conseguindo que estes funcionem em perfeita sintonia criando temas muito divertidos e com a quantidade q.b. de momentos para dançar. 
Niño de Elche tem, assim, um dos mais interessantes discos do ano e uma das maiores surpresas para quem não siga com afinco a carreira do artista.
Francisco Ávila




BIND | Icy Cold Records | fevereiro de 2019 

7.5/10 

Os Darkswoon emergiram este ano como banda completa com o mais recente disco de estúdio BIND, uma edição celestial que conta com os elementos puros do shoegaze na composição e os toques mais etéreos da eletrónica. O projeto, que foi fundado como a aventura criativa a solo de Jana Cushman, estreou-se em 2015 nos lançamentos com o disco de estreia Year One ao qual se seguiu Silhouettes, um ano mais tarde. Por trás ficou a exploração de uma voz altamente emocional à qual se juntavam ambiências cativantes e ritmos imersivos, sobretudo em Silhouettes
Três anos depois e, com uma nova formação, Janna Cushman passa a ocupar o papel de vocalista e guitarrista, acompanhada de Rachel Ellis – a dominar os sintetizadores, beats e os ritmos mais dançáveis – e Andrew Michael Potter – responsável pelas linhas de baixo. É, então, com BIND que os Darkswoon dão o salto na carreira ao apresentarem um disco contagiante e tingido por uma sonoridade bela, relaxante e altamente acolhedora. Além dos temas mais calmos – que mostram que o dreampop e o shoegaze estão em peso nesta edição -, os Darksoon mostram o seu maior crescimento quando falamos em temas como “Animal”, “Fireplace” ou “This Flesh” onde colocam toda uma nova aura de ritmos a projetá-los para os campos da indietronica e synthpop
BIND é um disco muito interessante no sentido em que marca uma clara evolução face aos trabalhos anteriores: a voz de Janna Cushman torna-se mais poderosa, mais sentida, mais límpida e, os ritmos e camadas instrumentais que a acompanham projetam-nos para uma realidade paralela bem mais imersiva que a até então mostrada nas edições anteriores. Um disco que eleva os Darkswoon à categoria das novas bandas a ter em atenção no futuro e que se pode disfrutar na íntegra abaixo.
Sónia Felizardo




Amarração | Rotten Fresh / Troublemaker Records | junho de 2019

8.0/10

Amarração é o primeiro disco de longa-duração de Odete, artista multidisciplinar sediada em Lisboa que tem vindo a cimentar um estatuto invejável dentro da cena club, nacional e internacional. O novo disco recebe edição partilhada entre a Rotten Fresh e a Troublemaker Records, duas editoras e coletivos que, juntamente com o coletivo Circa A.D. (que Odete também integra), representam o novo espírito DIY de Lisboa. Se a primeira se dedica às paisagens mais abstratas da música eletrónica, a segunda explora o seu lado mais subversivo, e é sem surpresa que assistimos à fecundação destas duas aproximações em Amarração, um disco visceral que tem tanto de alienígena quanto de pessoal e revelador. 
Composto por nove peças originais e um b side de remisturas assinadas por Bleid, Dakoi ou Kerox, Amarração apresenta um registo autobiográfico que explora os desamores e rejeições de uma rapariga trans, utilizando a dor como alimento para o trabalho criativo. Depois de um excelente esforço pela Naivety em 2018, por onde editou o anterior EP Matrafona, a produtora regressou este ano para mais um trabalho de eletrónicas contundentes e emoções à flor da pele, aqui condimentadas por um novo e fundamental elemento: a sua própria voz. Um pouco à semelhança do que aconteceu com Entrañas, de Arca, e mais tarde com o disco homónimo de 2017, também Odete revela aqui, pela primeira vez, a sua voz enquanto ferramenta para as suas produções. A tudo isto junta-se um uso peculiar do sampling, que assume um papel fundamental na construção dos seus temas. Sons de espadas cósmicas, motosserras e diálogos impercetíveis juntam-se a uma amálgama polirrítmica de batidas quebradas, vozes hipersaturadas e o ruído fabril das ambiências industriais, com beats que atravessam a história da música queer e que repensam as noções da música club e da cultura que lhes faz parte. 
Amarração é, acima de tudo, um disco urgente, um manifesto queer elaborado por uma das representantes de uma nova geração de artistas não-binários que usa a música e a dança como ferramentas para a luta contra o sexismo, a transfobia e o patriarcado.
Filipe Costa


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