Born In Flamez em entrevista: “Acredito que produzir música eletrónica é algo pós-humano”

Born In Flamez em entrevista: “Acredito que produzir música eletrónica é algo pós-humano”

| Outubro 28, 2019 6:54 pm

Born In Flamez em entrevista: “Acredito que produzir música eletrónica é algo pós-humano”

| Outubro 28, 2019 6:54 pm
Há uma relação indissociável entre o humano e a tecnologia. Criamos as nossas próprias ferramentas e estas, por sua vez, moldaram-se a nós. Para Born in Flamez, a tecnologia chega mesmo a ser “bastante humana”. As suas produções são o resultado de uma linguagem sincrética que combina o moderno e o clássico, concebendo uma visão futurista do que a música de dança pode ou não ser.   


Pouco se sabe sobre o seu paradeiro para além da música. Os detalhes sobre a sua vida pessoal são escassos e a máscara que apresenta em palco é representativa da procura por uma identidade neutra e sem género. As suas composições caprichosas, igualmente demolidoras e emocionais, nascem a partir de um ideal pop desconstruído onde a voz detém um grande peso, ao qual se junta uma relação intrínseca com as novas tendências da música electrónica.   


A propósito da sua passagem pela próxima edição do Mucho Flow, falamos com Born in Flamez sobre a sua relação com a música club, a tecnologia e a produção do seu mais recente EP, Impossible Love, que relata uma narrativa de amor queer e libertário no atual clima político.

Começaste com esta faceta muito enigmática, e usas máscara com frequência nas tuas atuações. É também muito difícil encontrar dados sobre a tua vida pessoal. O mistério desempenha um papel importante no teu trabalho? 

Não lhe chamaria mistério, é mais um conceito que eu sigo. Acredito que produzir música eletrónica é algo pós-humano. Tu como que te transformas numa rede meio humana, meio mecanizada, então pensei que não podia definir-me apenas como uma pessoa. Isso e a neutralidade de género são as razões pela qual uso máscara em palco.

O teu nome, Born In Flamez, sugere uma posição muito neutra, seja em relação a género ou ao número de membros do projeto – podia muito bem ser o nome de uma banda. Podes dizer-nos porque escolheste este nome? 

O nome é retirado de um filme chamado “Born in Flames”, um filme feminista de ficção científica que trata dos tópicos que quero representar com este projeto – no gender, no borders. É um filme muito, muito bom! Também adoro colaborar, então vario por vezes o número de artistas em palco quando toco ao vivo. Gosto de manter as coisas interessantes para mim e experimentar o máximo de novas formas de expressão possíveis.

Fazes parte de uma nova vaga de músicos e produtores que desafiam as normas da música club. A expressão ‘deconstructed club’ é agora um rótulo usado tanto por críticos como por ouvintes e, recentemente, o crítico musical britânico Simon Reynolds debateu este mesmo grupo de artistas, apelidando a sua música de ‘conceptronica’. Qual é a tua relação perante esta exaustiva teorização da música? Sentes que a tua música se enquadra num único género? 

Eu na verdade não faço club music. Por alguma razão sou frequentemente contratadx no contexto club, mas as minhas faixas são muito mais pop do que qualquer coisa que atribuirias a esse género. 

Trabalho muito com voz e melodias e acredito que sou mais músicx do que sound designer. Acho que os géneros musicais são necessários para as pessoas se informarem sobre a música ou para comunicar gostos individuais, mas como músicx, estou interessadx em experimentar coisas diferentes, por isso é difícil atribuir um rótulo para todas as minhas faixas. Posso estar interessadx em música de coro clássica numa faixa, a fundir gabber com drum n bass e reggaeton na seguinte e a fundir ambos com pop numa terceira. 

Nos meus dj sets passo música de dança futurista – alguma deconstructed club, algum grime, algum ballroom com influências de reggaeton, baile funk e hip hop. Adoro passar música e conectar-me com as pessoas através de uma experiência clubbing partilhada, mas acho que é mais difícil definir a minha própria produção. Posso dizer com certeza que estou sempre a usar a minha própria voz de alguma maneira e que geralmente estou interessada em combiná-la com os sons mais brutos dos clubes. Talvez possas defini-la como pop desconstruída?

Podes falar-nos sobre a ideia por trás do teu último EP, Impossible Love? Particularmente, gostávamos de saber mais sobre o teu processo de gravação.

Impossible Love pondera as restrições e táticas do amor queer no atual clima político. As letras são baseadas em lugares-comuns das comédias românticas e ideais heteronormativos do “único e verdadeiro amor “. As noções do ideal monogâmico heteronormativo e o chamado amor queer “livre” são sondados como pólos binários num mundo de tinder e uma tendência crescente de não comprometimento. A pressão constante do hipercapitalismo aumenta com uma impotência do contacto físico, mas o capitalismo também é construído sobre o ideal de “valores familiares” – “se amas, esqueces o mundo” (e o teu apelo à mudança). Muitas das letras com as quais trabalhei no EP nasceram da necessidade de transportar esta narrativa para a música. Tentei ser realmente fiel a mim mesma e, apesar de me considerar uma pessoa muito política, não senti vontade de cantar sobre o estado do mundo, mas sobre experiências íntimas.  

Gravei as músicas ao longo de 9 meses entre Berlim, Cidade do México e Los Angeles. A minha vida na altura estava numa fase de transição.

Podemos esperar um álbum em breve?

Estou a trabalhar nisso! Talvez no final de 2020, lançar discos tornou-se um processo tão demorado. 

Encontras-te neste momento em digressão com a Bbymutha, que também passará pelo festival. Como te sentes ao partilhar o palco com uma artista tão promissora e talentosa? 

É uma experiência fantástica. Ela é uma pessoa incrível e estou feliz por poder auxiliá-la com os espetáculos. Aprendi muito com ela e o modo como aborda cada performance. 

Planeiam colaborar no futuro? 

Estamos a planear umas jam sessions para janeiro, vamos ver o que sai daqui.

O que podemos esperar da tua atuação no Mucho Flow?

Vou tocar um set de música de dança futurista, com alguns edits pessoais e excertos de algumas das minhas próximas faixas por isso vai ser divertido. 

Quais são os teus planos para o futuro? 

Acabei de lançar um single em julho e o próximo vai sair pela Friends of Friends no dia 31 de outubro com um vídeo, e estou a planear um lançamento gratuito em dezembro com alguns trabalhos em progresso que virão junto com o meu novo merchandising. Os procedimentos vão para uma iniciativa pró-imigração que luta contra a ICE (Imigração e Controlo da Alfândega dos Estados Unidos da América). Depois disso, vou andar em digressão pela América Latina e participar numa residência na Cidade do México, que esperemos que me dê tempo para trabalhar no meu álbum.


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