Cinco Discos, Cinco Críticas #52

| Dezembro 2, 2019 12:57 am
Na última edição do Cinco Discos, Cinco Críticas de 2019 passaram pela nossa playlist os mais recentes trabalhos dos britânicos CoudeSave Our Souls (Influenza Records, 2019); BerhanaHAN (EQT Recordings, 2019); Hannah DiamondReflections (PC Music, 2019); A Winged Victory for the SullenThe Undivided Five (Ninja Tune, 2019) e Jenny HvalThe Practise of Love (Sacred Bones Records, 2019), os quais destacamos no finalizar de mias um ano civil.


Juntamente com os links de escuta aproveitamos também para tecer algumas opiniões sobre as referidas edições, que podem ler-se na íntegra abaixo. Aproveitem para ouvir e ler abaixo.


Save Our Souls | Influenza Records | outubro de 2019 

6.5/10 

Os Coude são um quinteto oriundo da Bretanha composto por Dom Le Floch (vocais), Ronan Berréhouc (guitarra e vocais), Ludovic Le Ven (Guitarra), Jean Marc Raphalen (baixo) e Olivier Jupin (percussão). Juntos desde 2015, os Coude integram as fileiras da editora francesa Influenza Records que editou no mês passado o seu mais recente álbum, o EP Save Our Souls. A sonoridade dos bretões é largamente inspirada nas estéticas do garage rock lo-fi – com homenagens óbvias e assumidas pelos próprios aos Sonic Youth – mas também às experimentações sónicas da Lydia Lunch. E ao longo das 5 faixas de Save Our Souls – o sucessor do seu primeiro disco homónimo – os Coude destilam mais uma vez a sua raiva millenial, atingindo neste último disco o ponto alto de toda a experiência com a faixa homónima, que marca o final do EP. E é precisamente na despedida que a banda mais se distancia das suas óbvias influências sonoras e começa, de facto, a revelar a sua verdadeira forma, a catarse de toda a sua angústia em forma de eletricidade que tão bem conseguiram traduzir no seu primeiro disco. 
A minha maior crítica a Save Our Souls  – descontando o facto de que este EP soa mais designs-irado que o álbum de estreia – é que este disco poderia ser inteiramente reduzido ao seu single de despedida sem qualquer tipo de prejuízo para a resposta emocional que retiramos deste disco. Espero somente que a grande despedida que os Coude nos proporcionaram com a última faixa de Save Our Souls seja um presságio para a descoberta de novos territórios sonoros. Caso contrário, correm o risco de trespassar aquela ténue fronteira que separa a homenagem da cópia e não me interpretem mal: não há objetivamente mal nenhum em ser uma boa cópia dos Sonic Youth. Mas se os Coude já mostraram que têm capacidade para se expandirem além das suas influências, porque continuar a jogar pelo seguro? Como diria o outro, “aller grand ou rentrer à la maison“.
Edu Silva



HAN | EQT Recordings | outubro de 2019 

8.3/10 

Amain Berhane, mais conhecido como Berhana, é um jovem cantor oriundo da cena artística continuamente seminal da cidade de Atlanta que, após ter reunido algum hype por via de EP aqui e singles ali, lançou por fim o seu álbum de estreia HAN em outubro último. Discutivelmente um dos sleeper hits do ano, HAN pode ser descrito como uma requintada iguaria sonora que é bastante influenciada pelas vivências musicais de Berhana – que possui um estilo vocal tanto harmonioso como ritmado, citando até nomes como André 3000 e Björk como exemplos relevantes a seguir – com doses sucintamente equilibradas de diferentes géneros musicais que vão sendo alternados e/ou combinados entre faixas de forma a dar um resultado final bastante prazeroso e melodioso de ouvir. 
Outro aspeto relevante sobre o background deste registo passa por realçar o apreço significante de Berhana pelas sonoridades de temperatura amena e teor funky feitas no Japão, tendo em bastante consideração os movimentos do new wave e city pop formados em terras nipónicas, pelo que se pode considerar este registo como uma espécie de homenagem a esses movimentos. Esta demanda sonora – que é tanto leve como vivaz – é levada à prática tanto nos interlúdios, como em hinos com laivos semi-revivalistas como os destaques “Lucky Strike” e “California” ou em faixas mais lounge/R&B moderno como “Drnuk” ou “Flasbhack” (ou algo de intermédio como a faixa “I Been”). Todavia, há também algum espaço para 180º turns inesperados como o mais arrockalhado “g2g” que, apesar de parecer completamente deslocado do alinhamento geral, acaba por ser um som agressivo bastante aprazível com o seu próprio mérito. Apesar de ser um álbum relativamente curto, HAN é decididamente uma das melhores surpresas em recente memória que irá de certeza convidar a mais rodagens posteriores.

Ruben Leite




Reflections | PC Music | novembro de 2019

8.6/10

Hannah Diamond tem vindo a lançar música pela editora PC Music desde 2013, tendo-se tornado um dos nomes mais marcantes no panorama do bubblegum bass. Reflections é o seu muito ansiado álbum de estreia, que não está muito longe de ser uma compilação. Seis das suas dez faixas foram lançadas como singles ou EP entre 2016 e 2018. Felizmente, o álbum flui bastante bem e a produção das músicas de diferentes anos é consistente. A.G. Cook, que também trabalhou no álbum de estreia de Charli XCX, foi o produtor principal do disco, tendo colaborado com easyFun em três canções. 
As dez canções que integram Reflections passam pelo pop (principalmente electropop) e pela EDM, com elementos de trance a invadirem faixas como “Invisible”, “Concrete Angel” e “Fade Way”. A sonoridade do disco é assumidamente digital, repleta de sintetizadores cintilantes e baterias eletrónicas. Também estão bastante presentes efeitos na voz, como glitches e o seu uso como samples, apesar do auto-tune robótico de singles anteriores, como “Pink and Blue”, ter sido atenuado. As letras são simples e focam-se em relações amorosas e corações partidos. 
Reflections é um dos lançamentos pop mais interessantes do ano e um álbum obrigatório para fãs de bubblegum bass. Mostra uma faceta mais calma e subtil de um género que costuma ser energético e hiperativo e tem canções imperdíveis como “Never Again” e “Loves Goes On”. Esperemos que a PC Music nos continue a presentear com música deste calibre durante a próxima década.
Rui Santos



The Undivided Five | Ninja Tune | novembro de 2019

8.0/10

The Undivided Five é o nome do novo trabalho dos A Winged Victory for the Sullen. Neste novo álbum, o duo composto por Adam Wiltzie e Dustin O’Halloran voltam a trazer-nos momentos instrumentais majestosos de grande introspeção musical. 
Dustin O’Halloran fez larga parte da sua carreira como compositor de bandas sonoras, enquanto Adam Wiltzie é, entre outras coisas, um membro dos mestres de drone/ambient neoclássicos Stars of the Lid, juntamente com Brian McBride. A sua produção sob o nome de A Winged Victory for the Sullen não sai muito dos limites dos seus outros trabalhos, embora exista uma franqueza e um detalhe especial na atmosfera que O’Halloran e Wiltzie trazem para este projeto em conjunto. 
As nove faixas que compõem The Undivided Five traçam o mesmo caminho musical lento, sinuoso e inteligente que têm criado nos seus últimos trabalhos. Debaixo das camadas do piano e dos instrumentos de cordas existem ruídos subtis quase impercetíveis, mas que criam uma sensação perturbadora, uma sensação de inquietação no meio da beleza indescritível que se encontra ao nosso redor. A Winged Victory for the Sullen já nos habituaram a produzir obras de nos tirar o fôlego, de beleza sumptuosa, que talvez aborrecerão aqueles que não estão equipados com a paciência ou o tempo necessário para se aprofundar adequadamente neste trabalho. Um disco que cai bem com o inverno vindouro.
David Madeira



The Practice of Love | Sacred Bones | setembro de 2019

8.5/10

The Practice of Love é o mais recente álbum da cantora-compositora norueguesa Jenny Hval, que partilha o título do drama de 1985 da artista austríaca Valie Export  um anti-romance no qual a protagonista, oscilando entre dois relacionamentos, descobre gradualmente que ambos são impossíveis, não porque os processos subjetivos do amor são defeituosos, mas porque a matriz social objetiva em que os dois amantes atuam é corrupta e imoral. 
Tal como a obra da austríaca, o último disco da autora de Blood Bitch, maravilhosa obra de 2016, oscila também ele entre os defeitos do amor monógamo, procurando ir além das suas definições tradicionais e conservadoras impostas pelo patriarcado. É um trabalho admirável que, tal como o disco de 2016 (e antes com Apocalypse, Girl), manifesta os princípios libertários da norueguesa, celebrando o amor nas suas diferentes formas. É também o trabalho em que a compositora aprofunda mais a sua relação com a música pop, combinando as tendências vanguardistas dos lançamentos anteriores com o espírito hedonista da música trance dos anos 90. O resultado é uma das obras mais acessíveis de Jenny Hval
À voz cálida e serena de Hval juntam-se Vivian Wang, Laura Jean e Felicia Atkinson, que ora auxiliam a norueguesa com vozes adicionais, ora narram episódios e experiências sobre o amor e as suas diferentes conceções. Quando anunciado o lançamento do álbum em julho deste ano, Hval manifestou o interesse em analisar a prática da alteridade de perto. Ao longo das oito faixas que compõem The Practice of Love, a norueguesa comunica melhor que nunca este sentimento, explorando a forma como esta pode expressar amor, intimidade, empatia e desejo.
Filipe Costa


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