Discipline (dos Blind Delon) revisitado

| Fevereiro 17, 2020 1:00 pm

Esta semana tive o fortúnio de redescobrir em maior foco o trabalho que Mathis Kolkoz juntamente com Théo Fantuz (Memento Maurice) e Coco Thiburs têm desenvolvido desde 2016 muito por conta da produtiva editora Unknown Pleasures Records que lançou o último trabalho do trio francês, Discipline, corria o dia 25 do mês de março no passado 2019. Neste último disco, amplamente eletrónico e com primazia profunda ao nível da exploração do sound design, os Blind Delon fizeram a minha antena curiosa querer explorar o que já tinham editado antes e, como é que chegaram até aqui.

A primeira vez que ouvi falar dos Blind Delon corria o ano de 2018 quando, aquela que é a promotora de referência em Portugal na cena gótica, a Fade In, os anunciou como mais uma estreia em Portugal, num concerto inserido num dos episódios relâmpago do Fade In Festival. Se a memória não me falha, não me lembro de uns Blind Delon tão focados num core eletrónico psicologicamente denso como neste último Discipline. A ideia que tinha era assim uma mistura mais mexida com caixas de ritmo frenéticas e, pelo que posteriormente fui ouvir, é essa vibe da synthwave estimulante que se destaca na maioria dos lançamentos passados. Falo por exemplo de Maniaque (2017, Oráculo Records, Dark Men Records), o disco longa-duração de estreia que antecede este Discipline e mesmo dos EP’s Edouard (2016, Oráculo Records) e Assassin (2018, Bordello A Parigi) que fui ouvir a seguir e todos mantêm esta vibe cativante e recheada em sintetizadores instigantes.



Daí advém que todo este Discipline se processe, de certa forma, como um admirável mundo novo e um marco renascentista no trabalho que os Blind Delon tinham produzido até então. Com os típicos sintetizadores ritmados a darem origem a malhas sintetizadas e diluídas, a banda de Mathis Kolkoz vai mais longe que alguma vez foi e produz um disco de excelência que incorpora elementos da música drone, jazz, ambient e uma veia tão inovadora e inventiva face ao que anteriormente nos tinham demonstrado. Há discos que não chamam logo a atenção quando chegam às prateleiras e este Discipline é claramente um desses casos. Talvez pelo seu carácter altamente experimentalista e por se tratar de um exercício sonoro altamente desafiador e divergente das tradicionais camadas ritmadas a que os Blind Delon estão associados.



Apesar dos caminhos paralelos e as novas veias criativas presentes em Discipline, os Blind Delon não perdem, de todo, o rumo que foram construindo com as edições anteriores. Com os dois primeiros temas de avanço a erradicarem esta mudança sonora, é apropriado referir que em “Rule III” voltamos a poder tomar um pequeno gosto daquilo que já nos era familiar com a voz de Mathis Kolkoz e os sintetizadores fervorosos a aparecerem de surpresa nos minutos finais da música. Também no tema de encerramento “Rule VI” são ainda visíveis alguns traços e influências de nomes como Poison Point e Sydney Valette – artistas com quem os Blind Delon têm colaborado em remixes e que não os desvirtuam do novo rumo que querem tomar.



Nos destaques deste novo mundo sonoro do trio francês menção para faixas como “Rule I” – a fazer uma ponte bastante madura e suave entre as suas influências techno com as referências no campo da synthwave;  “Rule IV” – a apresentar todo um maravilhoso lado nostálgico construído através de sintetizadores que se afincam à retrowave -; e, sem margem para dúvidas, “Rule V” – a amplificar qualquer limite sonoro que os Blind Delon tenham alguma vez transparecido para um campo inquantificável, num exercício clássico que mistura spoken-word ao arrojo do jazz (com o clarinete em destaque no seu desenvolvimento) e ainda uma certa aura psych enquanto conduzem o ouvinte a um fim sinistro.

Neste Discipline os Blind Delon constroem uma peça de som amplamente sensorial que pretendem tornar-se um artefacto para uma humanidade corrupta e envelhecida. Não é um disco fácil, especialmente para os fãs das atmosferas sonoras que estavam detalhadas nas edições anteriores, mas é um disco eminente e que mostra uma maturidade e invenção que merecem ser destacadas. Um mundo pessoal, por vezes perturbador, mas sempre psicologicamente denso e que vale a pena revisitar. 

Discipline foi editado a 25 de março de 2019 pela Unknown Pleasures Records. Podem comprar a vossa cópia física aqui.



FacebookTwitter