Cinco Discos, Cinco Críticas #54

Cinco Discos, Cinco Críticas #54

| Março 2, 2020 6:31 pm

Cinco Discos, Cinco Críticas #54

| Março 2, 2020 6:31 pm
Com março já a fazer sentir-se, altura de rever o que os passados meses nos têm trazido até à playlist. Para iniciar viagem começamos com Katie Gately – e o seu mais recente Loom (Houndstooth, 2020); prosseguimos em ritmos mais beedroom made com Parking Dance – e a sua estreia What More? (Icy Cold Records, 2019); fazemos uma pausa em Be Up A Hello (Warp Records, 2020) o mais recente de Squarepusher; prosseguimos com as vibes shoegaze dos 3+Dead – na estreia 3+Dead (Icy Cold Records, 2919) e encerramos percirso ao som de Soho Rezanejad – com os últimos dois volumes Honesty Without Compassion is Brutality (Silicone Records, 2019 – 2020) e um som avant-garde a fazer escutar-se em força.

As opiniões relativas a estes discos podem ler-se abaixo e fazem acompanhar-se pelos respetivos streamings, para que tirem as vossas próprias conclusões.


Loom | Houndstooth | fevereiro de 2020 

8.0/10 

Katie Gately é uma produtora, cantora, compositora e sound designer americana. O seu segundo álbum, Loom, foi criado com a música “Bracer” como ponto de partida. Esta fazia parte de um projeto que a artista descartou após a sua mãe ser diagnosticada com cancro. O resultado do seu novo trabalho é um conjunto de canções onde a artista canta sobre esta fase da sua vida. Músicas densas que tanto têm melodias e estruturas composicionais associadas ao pop alternativo como incluem uma série de samples e técnicas de produção que remetem para a música industrial. 
Em Loom, a voz assume o papel principal, acompanhada por uma sombria mistura de sons onde Gately inclui uma série de samples escolhidos pelo significado que têm para ela. Incorpora sons de terramotos, frascos de comprimidos, uma pá a escavar e até áudio do casamento dos seus pais e manipula-os para criar atmosferas sombrias e intensas. Os vocais principais são regularmente acompanhados por diversas camadas secundárias de vozes que criam uma sonoridade densa e avassaladora. Exceções são as três faixas mais curtas do álbum: “Ritual”, “Rite” e “Rest”. Momentos de calma e paz que baixam a intensidade e ajudam a tracklist a fluir. Entre as músicas mais poderosas e marcantes de Loom estão “Bracer” e “Waltz”, dois excelentes exemplos da sonoridade em que Katie Gately apostou neste projeto.
Rui Santos



What More? | Icy Cold Records | dezembro de 2019 

7.0/10 

O francês Matthieu Bonnécuelle tem vindo a produzir as suas composições de quarto desde 2017 sob o alter ego Parking Dance, num mundo sonoro que explora caixas de ritmo, guitarras latejantes e uma voz tipicamente grave para criar uma mistura entre coldwave, grunge, lo-fi rock e algum noise. Depois de uma série de registos lançados em formato self-released eis que o final de 2019 marca uma nova etapa na carreira de Parking Dance com o artista a juntar-se ao rooster do novo hub da música underground francesa, a Icy Cold Records, para lançar o primeiro LP oficial de carreira, What More?.
Em What More? Parking Dance escolhe criteriosamente os temas mais marcantes dos sete lançamentos que antecederam esta estreia e recria-os num novo formato e em companhia de temas inéditos. Envolto em ritmos frenéticos, ambiências ébrias e uma onda DIY este What More? apresenta uma produção bastante opulenta com diversos elementos colocados ao pormenor e influências de renome encontradas ao virar da esquina. A título de exemplo mencione-se “SURPRISE” – indubitavelmente a trazer à memória a clássica demo dos Rendez-Vous, “Donna” – “TINY MOONS” – a explorar as ambiências coloridas do post-punk de nomes como Motorama – ou “WANNABE”, numa vibe mais The Sound e post-punk revival. Isto tudo, num espectro sonoro melodioso e facilmente assimilável. Nos destaques do álbum menção ainda para “LUVBOY” – um dos temas inéditos do disco – “OVERNOON” – a explorar uma onda mais experimental e psych; e ainda “OUR RIGHT”, uma das mais destacadas faixas do álbum pelos seus ritmos meio tropicais construídos numa camada de depressão, melancolia e um certo desafinar de instrumentos. 
Embebido numa estética sonora a repescar ambiências coloridas da adolescência em contraste com os sons dolorosos das responsabilidades que a vida adulta traz, What More? é um disco amplamente eclético que mistura na mesma panela uma produção louvável e uma conjugação e coordenação de ritmos bastante eficiente. Uma estreia a deixar em aberto um futuro que pode muito bem soar a promissor. Ora sintonizem:
Sónia Felizardo



Be Up A Hello | Warp Records | janeiro de 2020 

7.6/10 

Desde a sua génese que Squarepusher é um caso catedrático da incompreensível verstalidade da one man-band. Percorrendo um pouco de tudo, desde o jazz até o drill’n’bass – o primo hiperactivo do drum’n’bass – o produtor britânico criou cenários sempre coesos sobre uma manta de IDM. Contudo, nos anos recentes temos visto este nome da casa da música electrónica a cair numa série de clichés – desde Ultravisitor que os terrenos fértis da mente de Squarepusher deixavam um pouco a desejar. Não havia necessariamente uma perda de qualidade, mas esta imutabilidade da qualidade carregava consigo uma estabilidade sonora bafienta. 
Contudo, tudo isto muda com Be Up A Hello, o mais recente álbum que o artista residente de Sheffield produziu. Este novo trabalho é uma amalgamação sonora inovadora de produção irrepreensível, criatividade, e orquestrações complexas de diferentes sons e sonoridades que mais uma vez demonstram as habilidades de composição meticulosa e inovadora que discos como Feed Me Weird Things e Music Is Rotted One Note faziam tão bem. Em Be Up A Hello, Squarepusher consolida um leque diversificado de sonoridades – desde os momentos de quase ridícula alegria e megalomania chiptuniana de “Oberlove” e “Hitsonu” até à pura demagogia do drill’n’bass sem perdão ou antecipação, existem ainda duas fenomenais excepções a este surto de ADHD auditivo – “Detroid People Mover”, um eco da electrónica progressiva dos anos 70 e 80 e “Ondula”, a composição serialista ambient que encerra o álbum.
José Almeida



3+Dead | Icy Cold Records | novembro de 2019 

6.5/10 

Os italianos 3+Dead editaram no ano passado o seu primeiro disco de carreira, um conjunto de nove temas tingidos pelas ambiências do shoegaze e uma atitude influenciada pelos ritmos monocromáticos do post-punk revival. A banda é formada por Elisa Pambianchi (voz), Roberto Ruggeri (guitarra, sintetizadores) e Giuseppe Marino (baixo) e explora uma sonoridade poderosa com foco nos sintetizadores e caixas de ritmo e uma conjugação eficaz entre baixo e guitarra. 
Com três anos de “carreira”, neste primeiro esforço longa-duração o trio italiano baseia-se nos sons eletrónicos das ondas mais escuras e tece uma aura que apresenta traços de subtileza e um certo carisma imaginário e sonhador, como é possível presenciar em temas como “Shine” – tema abrasivo e recheado das texturas bruscas do shoegaze, a apresentar um final bastante surpreendente -, “Angitia” ou “Ocean Drift” – uma balada ritmada entre acordes de guitarra tímidos e um baixo imperativo, conduzido na sempre melodiosa voz de Elisa. Além desta sensibilidade inerente os 3+Dead também trazem uma clara força propulsora nesta estreia, com temas como “Snake Of June”, “November” ou “Kebabtraume” a fazerem-se escutar intensos, poderosos e com ideias interessantes pelo meio. 
3+Dead é um disco favorável a uma estreia, mas que ainda denota a necessidade de melhoria em vários aspetos técnicos.  Apesar disso, os 3+Dead criam uma boa sintonia entre as faixas que integram o alinhamento, com uma mistura sonora que vai beber influências a um espectro alargado de géneros, sem nunca soar dissonante.
Sónia Felizardo




Honesty Without Compassion is Brutality | Silicone Recordsjaneiro de 2020

8.5/10





Com o seu primeiro álbum, Six Archetypes, Soho Rezanejad mergulhou nas profundezas dos elementos que constituem a mente humana. Agora, com o successor Honesty Without Compassion is Brutality, a cantora americana de descendência iraniana vira-se para o exterior e para a macro-realidade de um mundo cada vez mais saturado. 
O seu novo álbum está dividido em dois tomos distintos – o primeiro, lançado nos metros finais de 2019, apresenta um retrato bucólico e encardido que tem tanto de Nico como do período clássico que definiu a editora britânica 4AD na década de 80; o segundo, que fechou o díptico no passado mês de janeiro, explora a veia mais experimental de Soho, projetando a sua voz camaleónica para novos patamares artísticos. Alternando entre as propriedade etéreas de “Love’s a Raging Prey” e as paisagens crípticas de “The Garden, Deflowered”, exemplo primordial de um corte e recorte pueril e pastoral, Honesty Without Compassion is Brutality reparte-se ainda pelos estilhaços industriais de “Peace Special”, a folk vanguardista de “Poets of Clubs” e a pureza campestre dos dois interlúdios que constituem o disco. 
Estas duas facetas, situadas entre os tons sépia dos This Mortal Coil e a vanguarda digital de editoras como a Posh Isolation (Soho figura nos últimos dois compêndios da label escandinava), colidem em “Ezra”, a súmula destas duas partes que junta a americana ao produtor sueco Jonas Rönnberg (Varg2™), que injeta uma nova força pulsante à voz cálida da cantora.

Filipe Costa






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