Isolated Youth
Iris

| Março 25, 2020 4:36 pm

Iris | Fabrika Records | março de 2020
8.5/10

Os Isolated Youth regressaram este ano às edições para o arranque da nova década com um trabalho onde a sensibilidade e a fragilidade pautam em sintonia com a agonia do existencialismo e a revolta por um cenário apaixonante e de conforto. No core está toda uma essência poética de vanguarda, emocionalmente estimulante e pronta para acarinhar um mundo carente de benevolência. Depois da estreia avassaladoramente mágica com Warfare (2019, Fabrika Records) – considerada uma obra prima entre a crítica especializada – chega agora a vez de Iris, um novo marco de carreira que abandona as paisagens sonoras mais fustigantes para abraçar e beleza insípida que vigora no olhar. Iris é uma palavra de vários sentidos e os Isolated Youth deixam-no tão claro em todos os elementos que preenchem este novo trabalho, desde a capa – onde figura o retrato de um parente antigo de Axel e William Mårdberg, que teve o seu papel como uma iris no passado – às próprias composições sensitivas e à poesia de uma realidade não desejada, mas sempre tão vívida. 


The machine starts spinning. 


A arrancar com “Iris”, o tema homónimo deste novo esforço curta-duração, os Isolated Youth continuam por dar sucessão à fórmula iniciada em Warfare, embebendo as camadas monocromáticas do post-punk num mundo estimulado pela sobreposição de instrumentos e pela consequente progressão dinâmica a que nos vão conduzindo – ora sedosos e encantadores, ora embevecidos por uma energia frígida. “Iris” foi o segundo tema de avanço e chegou às plataformas a 6 de março, duas semanas antes do lançamento oficial do álbum. Caracterizado pela sua letra altamente romântica e desolada: “You’re the light // that I try to hold // A beacon in a dark street // A snowflake // I try to keep  // intact // forever // falling“; sempre consciente das intermitências da vida: “And even if you go // don’t shut the door // You’re my Iris // forevermore“, os Isolated Youth mostram em pleno o seu estado de maturidade face ao jovial aspeto que ancoram. 




Iris começou por ser anunciado corria o antepenúltimo dia do mês de fevereiro (27, para precisar), duas semanas depois de William Mårdberg (guitarra), Axel Mårdberg (voz, guitarra, sintetizadores), Egon Westberg Larsson (baixo) e Andreas Geidemark (bateria) colocarem cá para fora “ICT (Instalment Credit Transaction)”, a primeira extração do disco. A fazer um contraste sincero entre as atmosferas dançáveis de uns Blondie até ao arrojo estético de uns Iceage, “ICT” é um tema de ritmos melancólicos, dominado pela sempre tão doce, frágil e conquistadora voz de Axel à qual se junta um incrível trabalho minimalista faturado pelos acordes de guitarra, linhas de baixo e a sempre propulsora bateria de Andreas. Além das texturas sonoras o grande distintivo de marca dos Isolated Youth situa-se na unicidade vocal e o estilo tão próprio que Axel Mårdberg equaciona nos esquemas vocais que transmite a público.  A sua singular forma de declamar palavras entre uma voz profundamente delicada, em contraste com uma quase “violência feroz” com que as proclama, aporta um efeito tão cativante quanto sedutor. E isso é sem dúvida um efeito que não está ao alcance de um projeto qualquer, mas lá está, os Isolated Youth não são uma banda qualquer.


A fechar o lado A do disco encontra-se “Humanoid”, uma faixa que foge do dinamismo rítmico a que os Isolated Youth nos têm vindo a habituar, abrindo o seu leque de exploração a ondas sonoras mais badaladas, onde vigoram em força os acordes acolhedores das guitarras e uma temática de alienismo face ao ritmo acelerado e desumano que a sociedade atual toma. Na mesma palete sonora e conceptual encontramos “1984” – uma referência ao clássico de George Orwell – num tema focado nas estruturas sociais e no tempo que o antecede. Apesar da linha temporal que menciona é, acima de tudo, no conteúdo da mensagem que os Isolated Youth nos desvendam mais mistérios de toda a sua natureza como projeto musical. A sua poesia abstrata que relata tão afincadamente os problemas que corroem a mente dos mais frágeis, sem que estes estejam conscientes da sua própria situação é explícita em frases menos evidentes e construções sonoras suaves. A título de exemplo analise-se os últimos dois versos da primeira estrofe: “The working class is undead // and we’re the isolated youth“. Numa crítica ligeira à sociedade atual há um reflexo relativamente ao facto da maioria dos trabalhadores se mover ao redor de sonhos vazios e objetivos ainda por preencher. A máquina continua a rodar, mas sem um fim delineado. Neste sentido o próprio conceito de “juventude isolada” é uma referência à alienação pela qual cada pessoa passará ao parar para refletir nesta observação nefasta de velocidade e produção em troca de uma simples passagem de tempo. 


Para encerrar Iris os Isolated Youth escolheram “Ferris Wheel” – tema que tem encerrado as suas performances ao vivo de forma magistral – e que aporta tão bem a essência de uma juventude isolada: existencialismo decadentista, a esperança de tempos melhores e a revolta relativamente à sensação de impotência. Axel ecoa melhor a ideia nas próprias palavras: “Even if I lose it all // Even when I fall // One more time // before the heart attack // The machine keeps spinning“. A lua continua a girar à volta da terra e o mundo à volta do sol, e contra isso o enaltecido controlo humano nada pode. Nesta corrente niilística os Isolated Youth voltam-nos a contagiar com a fórmula tão eficaz presente nas suas composições matemáticas: expor a fragilidade humana a um universo emaranhado de sons dinâmicos para criar uma voz revolucionária e ativa num mundo petrificado de generosidade. Sem, contudo, destruírem a ideia de que não há uma solução avistável, os suecos arranca com uma mensagem muito forte em esperança, mostrando de forma desvanecida que o segredo para a alteração da nossa realidade está dentro de nós mesmos.




Fazendo uma análise mais profunda do disco, a iniciar pelo nome que o representa, no seu sentido figurado, iris pode significar ora paz, ora bonança o que vem solidificar ainda mais a mensagem que o quarteto sueco começou por transmitir com o primeiro EP da carreira e que mantém cada vez mais aceso com o passar do tempo: “a call to arms“. Além do significado literário, também a sonoridade dos Isolated Youth se mostra evoluída neste novo Iris, abraçando uma aura mais celestial de texturas almofadadas que não se encontrava tão vincada na primeira edição. Embora Iris não seja uma edição tão vigorosa como a obra prima que é Warfare – em termos de poder, imersão e intensidade de som – é claramente um disco mais assimilável por um espectro alargado de ouvintes e é isso que lhes emancipa cada vez mais os horizontes para se tornarem numa das bandas mais marcantes desta nova década. Elevando cada vez mais as expectativas para o tão aguardado longa-duração de carreira, os Isolated Youth ganham, neste Iris, tempo para cunhar o seu nome e a sua forte mensagem na linha da frente do meio alternativo e independente, não só na Europa, mas cada vez mais, mundo fora. 


The machine keeps spinning.


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