Morgan King em entrevista, baterista da Lene Lovich Band: “Acho que sou um baterista de canções”

Morgan King em entrevista, baterista da Lene Lovich Band: “Acho que sou um baterista de canções”

| Abril 21, 2020 3:36 pm

Morgan King em entrevista, baterista da Lene Lovich Band: “Acho que sou um baterista de canções”

| Abril 21, 2020 3:36 pm

Falámos de sentimentos, de música, do seu projecto a solo e do seu novo disco. Morgan King, o baterista da Lene Lovich Band esteve à conversa com a Threshold Magazine e aqui se desvenda tudo sobre o antes e o depois do seu segundo álbum a solo, Old Skin.


Nasceu no seio de uma família que respirava música. Filho de uma cantora que teve o privilégio de actuar com os grandes da cena jazz londrina, Morgan King cresceu rodeado de música, rodeado de instrumentos de percussão e claro, rodeado de discos, e se não eram os discos a tocar, era a mãe que entoava as canções. Havia sempre música: ”Em casa tínhamos um tambor e já nessa altura, gravávamos os nossos ‘ruídos’ e as nossas músicas de infância”.

O primeiro som de que tem memória ter escutado é o da voz da sua avó a chamá-lo pela porta, som que ainda hoje permanece e que guarda consigo tal como a primeira canção de que se recorda ter escutado, a da voz da sua mãe que a cantar também lhe ensinou “Old Mary Ellen”, uma canção de  estória trágica que termina com Mary Ellen encontrada morta no rio.

Na adolescência ouviu James Brown, passou por Jimmy Hendrix, David Bowie e T-Rex e, quando o punk chegou sentiu-se completamente pronto, rebelde e afinado. Numa altura em que o “impossível não existe”, Morgan King teve a sorte de aos 16 anos estrear-se na bateria com os The Young Vandals e foi assim que tudo começou, o princípio de tudo o que veio depois e que tem experimentado desde então.

Contou-nos que nos anos setenta participou com os Ilustration em Some Bizzare, compilação que incluía os também estreantes na época Soft Cell, Depeche Mode, Blancmange, B-Movie, Naked Lunch e The The. Nos anos 80 ingressou nos Balance Of Power como vocalista e só voltaria a tocar bateria três décadas depois. No final dos anos 80, em Chicago, foi ainda convidado para escrever no primeiro álbum de Kym Mazelle, e em 1989 regressou a Londres para assinar com a EMI Publishing, colaborando no álbum Bonafide dos Maxi Priest. Nesse mesmo ano, na Suécia assina um contrato com a editora B-Tech, junta-se aos Clubland e vence o Grammy de melhor álbum de dança com Adventures Beyond Clubland, lançando três álbuns de dança que escalaram os tops da Billboard nos EUA com os temas “Let’s Get Busy”, “Hold On” e “Hypnotized”. Em 1991 estreia-se com o primeiro tema a solo “I’m Free” , gravando ainda sob os pseudónimos SoundSource, Maniac Tackle, Control E, Bassrace e Technoir. Fundou em 1993 a sua própria editora em Londres, a Om, e sob o pseudónimo de Obiman grava “On The Rocks”, um dos temas que integra a compilação seminal de Cafe Del Mar, onde co-escreve e produz no mesmo disco “Aqua”, de Jose Padilla.



Em 2005, ressurgiu da loucura e ”tornei-me num fotógrafo como uma maneira de recuperar a minha sanidade mental’. Teve a sorte de viajar pelo mundo: ”numa outra profissão criativa” – mas, lentamente, o seu músculo musical começou a superar a fotografia, altura em que entra para a Lene Lovich Band, depois de dez anos como fotógrafo, voltando a focar-se novamente na música e também na sua carreira a solo.

Grains & Grams foi a estreia a solo de Morgan King em 2016, ao mesmo tempo que lançou “Dunes”, tema gravado sob o pseudónimo de Obiman e co-escrito com Lene Lovich. Nesta altura, anos 20, Morgan King diz-nos que está focado principalmente no seu projecto a solo, com a recente edição do seu segundo disco a solo Old Skin, no final de 2019, nas digressões com Lene Lovich Band, mas há muito mais sobre o que conversar, até porque há muitas coisas novas a acontecer e, a seu tempo, a serem reveladas.


Morgan, fala-me da tua relação com a música enquanto adulto.

Morgan King (MK) – Para mim é o melhor momento da minha vida, nesta altura sinto-me em simbiose total com a música, em equilíbrio com a minha riqueza mental e segurança emocional. Escrevo palavras e música porque adoro explorar e também porque percebo todas as perguntas que fiz (e são algumas) que jamais terão resposta. Recebi elogios, prémios, dinheiro, números 1 nos tops, que, na verdade, são um subproduto de fazer o que eu amo… Há um lado menos bom em tudo isto, não gosto de como as pessoas mudam em torno do sucesso.

Sucesso. No teu caso, falámos de como te sentiste extremamente infeliz, não gostas – (odeias) – da maneira de como as pessoas mudam em torno do sucesso. Mesmo que pareça bom para uns, é o lado menos bom do sucesso, quando se está rodeado das pessoas erradas.

MK – Apenas sinto que as pessoas tendem a concordar, mesmo quando se trata obviamente de uma parvoíce. Para uma pessoa que foi educada a não ser falsa, sinto que se te quiseres dar bem criativamente, o melhor é estar com aqueles que desafiam o processo e que o entenderão de um outro ponto de vista que talvez não tenhas considerado, não se trata de ego, nem de mim.

Nasceste no seio artístico, rodeado de música e arte. A tua mãe foi uma inspiração e um privilégio. Saber compor e unir sons não é fácil, sentes que a tua veia criativa flui como parte de ti e daquilo que tens para dar ao mundo?

MK – Esse é um tema complicado, o da ‘propriedade’, porque por mais que flua como parte de mim, eu diria que flui através de mim. É uma parte, mas não o todo. Identificar-me com esse grau de parentesco não me deixaria livre para observar o fluxo e preciso ser um observador, e um participante. Uma parte dos pais, uma parte dos filhos, a fim de ouvir as necessidades da música e orientá-la, se precisar de ajuda. Algumas músicas simplesmente escrevem-se, outras precisam de uma mão sensível.


Ao ouvir Old Skin, o teu segundo álbum em nome próprio, escutamos alguns arranjos electrónicos muito interessantes, a bateria com um som natural no meio desses arranjos (por vezes discretos). Tocaste todas as baterias tal como se fosse para um álbum rock?

MK – Para o álbum Old Skin programei as baterias utilizando por vezes o meu kit electrónico para disparar samples. Tem um feeling natural pelo facto de estar a tocar um hi-hat verdadeiro por cima dos beats, e claro que ter criado os meus próprios samples de bateria ajudou. Acho que sou um baterista de canções. A minha abordagem depende da canção e não do género musical.

Fala-me um pouco do lado da produção, sendo um músico experiente, gravaste tudo sozinho e misturaste o disco demoradamente ou foi um processo rápido? Algumas das faixas são muito orquestrais…

MK – Old Skin foi co-produzido pelo Giulio Gaietto. Gravei a maior parte da música, no entanto e porque o Giulio tem o seu estúdio em Génova, gravo e testo algumas gravações, mando para ele e depois entramos então em acordo de como modificar as gravações para que se insiram no disco. Por exemplo, e sendo o caso, ele pode dizer para gravar a voz principal no estúdio, gravar o backing vocal na casa de banho e um take ad lib no hall de entrada, isto porque ele conhece todos os meus espaços, grava as suas partes em Itália, claro. Giulio misturou o álbum e eu ía enviando feedback conforme necessário. Giulio Gaietto é uma pessoa muito talentosa que me obriga constantemente sempre a fazer melhor.

Uma canção que realmente se destaca é “Janet & John” com uma abordagem minimalista e letras enigmáticas. Podes falar sobre essa canção?

MK – Janet & John era um livro usado nas escolas em Inglaterra como primeiro livro de leitura. Descrevia a típica casa com mãe, pai, rapaz e rapariga, a familia perfeita onde nada de mau acontece. Não conseguia identificar-me com isso porque não se parecia com a minha família. Na escola tinha muitas perguntas que nunca eram respondidas excepto pelo: “é assim que as coisas são”. – Eu nunca acreditei no que o sistema me dizia e sempre acreditei que fosse uma mentira. Assim, “Janet & John” é uma canção que aponta emocionalmente para esse cenário.

Outra canção muito especial é “Retrospective” com a distinta voz de Lene Lovich. Foi a Lene que escolheu essa canção por alguma razão em especial, ou simplesmente pensaste que fosse a mais adequada para a sua voz?

MK – Ah sim, “Retrospective”. Estava em casa a escrever a canção no piano quando me apercebi que a parte do piano seria mais assombrosa se fosse tocada na guitarra, e com esse som na cabeça, subitamente consegui imaginar a Lene a cantar comigo. Enquanto continuei a trabalhar na canção já não a conseguia imaginar sem ela, era como se ela já existisse na canção. Telefonei-lhe e perguntei se haveria hipótese de fazê-lo, uma vez que acreditava que a voz dela com a minha seria o ideal. Confio em cada canção que escrevo para que a mesma me diga o que é necessário.



As canções “Vagenda” e “Old Skin” são muito feitas para as pistas de dança com ritmos viciantes mas tens letras tristes e um feeling melancólico numa canção como “The Otherside”. Fala-nos um pouco desses estados distintos presentes no álbum, o lado mais upbeat e o lado mais melancólico e profundo.

MK – Os sentimentos vão e vêm e cada um tem o seu oposto. Se escrevesse num só estado de espírito iria sentir-me restringido porque tudo é ´impermanente´. Como toda a gente, tenho diferentes pensamentos sobre diferentes assuntos que gosto de exprimir. Na minha cabeça posso ir de uma gargalhada a uma lágrima e é esse o meu Eu autêntico que ouvem. Aparte disso, acho que me sentiria entediado sem variedade, mesmo no meu próprio pensar.

Morgan, diz-nos onde os nossos leitores podem encontrar Old Skin.

MK – Podem comprar através do meu website que está agora disponível. Existe também uma versão digital online na generalidade das plataformas de streaming, ou em alternativa tenho um Patreon que parece funcionar melhor para a maioria, uma vez que conseguem obter o álbum com as faixas bónus.





Entrevista por Lucinda Sebastião.
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