7 ao mês com Summer Of Hate

7 ao mês com Summer Of Hate

| Junho 16, 2020 12:30 am

7 ao mês com Summer Of Hate

| Junho 16, 2020 12:30 am


Antes de voltarmos a explorar novos projetos internacionais, decidimos nesta edição manter-nos em casa e conhecer noutro ângulo o projeto criativo de João Martins, os Summer Of Hate. O projeto, que ao vivo se consolida num grupo de seis pessoas, é dos poucos exemplares portugueses que ainda faz reviver de shoegaze. Paredes de som são processadas através de vários pedais para fazer tremer o corpo dos ouvintes.

Num tom, como diria João Martins, “sem merdas”  decidimos convidar a mente de Summer Of Hate a ingressar a nossa lista de participantes da rubrica 7 ao mês e escolher sete temas que o influenciaram não só como artista, mas também como pessoa. Aproveitem, então, para conhecer todo um outro lado dos Summer Of Hate, através das suas principais influências na música:


Olá, eu sou o Jonas. Sou dos Summer of Hate e tenho um projecto a solo chamado Father John Misery. A minha onda parte muito da música orquestral dos anos 60, repetição, melancolia e algum punk e sou um esquisito do caralho com música. Decidi apresentar faixas e não álbuns pois eu, nos últimos 5 anos, muito dificilmente deixo de conseguir ouvir a mesma faixa de uma banda que eu gosto e obrigo-me a ouvir os discos porque sim. Portanto aqui vão estas 7 faixas (mais três menções honrosas) que são aquelas que marcaram a forma como eu faço som sair do meu amplificador e das vossas colunas. 



The Brian Jonestown Massacre – “Supersonic” (1997)



O meu fanatismo por esta banda (como o de muito boa gente) não é segredo nenhum. A minha banda é constituída por 3 guitarras, um baixista e, ocasionalmente, alguém a fazer coisas com sintetizadores. Como também são os Radiohead, foram os Chapterhouse, os Moby Grape, os Buffalo Springfield, a Rolling Thunder Revue e até a merda dos Foo Fighters. Simplesmente com 3 guitarras existe mais informação harmónica, a parede de som torna-se mais densa e dada a natureza impressionista das texturas cada performance soa diferente pois notam-se artefactos sonoros novos sempre que se toca. Acho que usar guitarras em 2020 tem que ser de forma extrema: ou fazes muito com pouco ou fazes pouco com muito. Tendo dito isto a minha experiência com Brian Jonestown Massacre começa com “Supersonic”. Quando estava a estudar ia ocasionalmente para casa de um amigo meu no Porto e ouvíamos música (ou melhor: ele mais velho mostrava-me música e eu absorvia e aprendia o máximo que podia) enquanto ficávamos completamente bêbados. Por alguma razão ele decidiu passar um vídeo de uma entrevista do Anton Newcombe (também completamente bêbado na altura, agora sóbrio e ainda bem (puta que pariu)), notando que eu não sabia quem era mostrou-me a “Supersonic” do álbum Give it Back (1997). Ouvimos um bocado mas não totalmente porque já deveríamos estar de saída. Fixei o nome porque eu ao ouvir apenas 4 segundos de algo sei imediatamente se gosto ou não. Quando cheguei a casa (no dia a seguir) fui ouvir outra vez com uma ressaca absurda (provavelmente) e fiquei maravilhado com a texturização metronómica, a linha de baixo, o facto de terem criado uma linha melódica tão taciturna e psicótica com tonalidades orientais e, o mais importante disto tudo, a letra no início (o que é estranho, pois em BJM a importância da letra é relativa): 


This song is about you 
And my life now without you 
And my reasons just for living and forgiving being known 
All alone” 


Diria que isto foi em 2011. Mal sabia eu que, passado 4 anos, seria “What You Isn’t” do álbum de 2014 Revelations a tirar-me da cama para ir a uma okupa num centro comercial em Espinho aprender a fazer música para não cometer suicídio após uma relação abusiva, inspirada na obra de Anton Newcombe. Muito antes de ouvir BJM ou Spacemen 3 eu encarava a guitarra de forma muito semelhante à de Anton Newcombe* antes de saber que havia outros que o faziam. Em 2013 comecei a afinar todas as cordas da guitarra em Ré (porque li nalgum sítio que o Lou Reed fez isso na “Venus in Furs” e na altura eu não usava pedais logo tinha poucas maneiras de fazer a guitarra soar diferente) e, em afinação convencional, comecei a usar a corda de Sol apenas (com drone na de Ré e na de Si) para fazer solos porque achava que soava “médio oriental”. Mais tarde soube que essa técnica era utilizada por Will Sergeant dos Echo and The Bunnymen e pelo Peter Kember (Spacemen 3) e enveredei por essas sonoridades como estudo e, mais tarde, apego emocional. A única maneira de nos descobrirmos a nós próprios é pelos outros. Nos próximos anos quase ouvia exclusivamente BJM como objecto de estudo e consegui criar a minha própria maneira de fazer as coisas e criei um método de trabalho que torna inesgotável o prazer de tocar guitarra e tenho a agradecer ao Anton Newcombe por ter salvo a minha vida e ter iluminado o caminho numa altura em que só via escuridão (eu e muitos outros temos que lhe agradecer) e carrego as minhas patilhas com orgulho. Não há banda cuja discografia eu tenha mais enraizada na minha mente, com a qual eu vibre e tenha tantos sentimentos por e cujo som geral eu ache perfeito e não me parece que isto mude tão cedo. Eu gosto tanto desta banda que o amor que eu tenho por ela fez com que eu conseguisse gostar cada vez mais de música. Apesar de haver um certo sentimento de “fidelidade” quase obsessivo (tudo o que ele faz é catchy como o caralho) em que eu ouvia BJM quase exclusivamente durante anos (eu não perco o meu tempo com coisas pelas quais não nutro sentimentos e, na altura, não nutria sentimentos por mais nada) consegui, mais tarde, desenvolver ferramentas no meu cérebro para direccionar a minha atenção para outras sonoridades. Foi um vício saudável, portanto (a partir de um certo momento). 


* O próprio afirma que já tinha feito experiências com drones e acordes minimalistas à dos Spacemen 3 antes de os ouvir e acredito perfeitamente e a pastiche é um método comum e inerente a vários artistas. 





Spacemen 3 – “Hypnotized” (1991)



Foi em casa de um gajo chamado Maia em que eu e o meu grupo de amigos de Espinho fumávamos quantidades astronómicas de haxixe (uma das drogas de eleição desta banda para performances) e decidi rodar este disco no meu Virtual Dj. Não sei bem o que aconteceu mas quando entram os vocais do refrão juntos de um sample qualquer com um Vox Continental (o melhor órgão de sempre, já agora) a dividir estrategicamente o verso em dois momentos, senti uma brisa na minha cara super fria que eu tenho 100% de certeza que não vinha de lado nenhum porque fui investigar. Acho que é o que se chama de “being blown away” (literalmente?). Fiquei especado de boca aberta a ouvir esta malha que soa mais ao menos a como o paraíso soaria (se não estivesse cheio de católicos). Claro que tudo melhora com a introdução de metais que fazem com que uma canção que tem apenas duas notas (tenho quase a certeza que só tem duas notas) junto com o habitual uso de um efeito de tremolo que acrescenta pulsação a algo que outrora soaria petrificado, aliada toda a festividade inerente ao uso de maracas (obrigado, acid house), tenha mais ornamentos que um vitral da catedral de Notre-Dame até 14 de Abril de 2019. É daqueles instrumentais em que uma pessoa poderia viver no seu interior e que uma pessoa agradece aos deuses do Olimpo por estar vivo para o poder ouvir. Pena que vem um bocado a custo pessoal da banda pois este álbum foi, de certa forma, gerado por despeito e um quê de competitividade. É de conhecimento geral que os Spacemen 3, por esta altura, estariam a implodir e que o álbum foi, como um qualquer episódio de uma sitcom americana, praticamente dividido a meio entre o lado A de Peter Kember (onde temos o brilhante single “Big City (Everybody I Know Can Be Found Here)” e o lado B de Jason Pierce (onde figura “Hypnotized”). A música não é uma competição mas o Jason Pierce claramente ganhou (não pelo sucesso pois “Big City” chegaria a um episódio dos Simpsons duas décadas e meia mais tarde e nenhum dos astronautas ganhou dinheiro para as trips espaciais) mas pelas portas que esta composição lhe trouxe. Se formos a ver os Spacemen 3 divididos são Peter Kember, o cérebro, Jason Pierce, o coração e Will Carruthers (o corpo que acabou por se foder no fim pois escreveu as melhores linhas de baixo da história do “rock psicadélico na onda de Velvet Underground” não foi pago um caralho). Se formos a analisar bem a coisa, apesar de Peter Kember ter atingido sucesso no sentido que é um produtor “de culto”, vive do seu trabalho ao mesmo tempo que fez música consistentemente boa e exploradora ao longo dos anos, mas foi Jason Pierce, com os Spiritualized quem, como a cantiga do leproso, tocou no coração das pessoas com as suas enormes canções de amor e heroína e a diferença, muitas vezes inexistente, entre os dois surge quase como uma evasão explosiva das duras e frias paredes de uma prisão de mármore criadas pela abordagem científica e metronómica do Peter Kember. A meu ver o coração é o que importa. Não digo, obviamente, que o Peter Kember não o tenha pois o seu trabalho enquanto Sonic Boom e Spectrum conta com jóias como “I Know They Say” e “I Love You (to The Moon and Back)”, mas arrisco levantar a hipótese que muito disto deriva da sua exposição à radiação transparente do J. Spaceman dado que o instinto principal do Dr. Kember sempre foi a pastiche e uma abordagem científica ao que consideramos de Rock N’ Roll. Com “Electronic Audio Research” temos a prova documentada de uma preocupação em reflectir sobre o próprio meio e não de fazer canções. Eu gosto de canções. 


Enfim: Escorpiões. 





The Flowers of Hell – “Opt Out” (2006)



Se eu pudesse trocar de lugar com alguém do mundo não seria com Anton Newcombe mas com Greg Jarvis. Greg Jarvis sofre de sinestesia (coitado, é interessante de nascença) e faz música que cobre inteiramente o percurso entre Velvet Underground, Spacemen 3 e Spiritualized com uma diferença muito grande: Em vez de sintetizadores temos uma orquestra. O resultado é tão belo como vocês estão à espera e consegue ser mais chamativo que estes 3. Muito simples: uma Stratocaster com o som completamente limpo, dois acordes (penso que Lá para Ré), arranjos com violinos e metais que vão conversando entre si e uma bateria que faz o que as baterias de post-rock fazem só que de forma completamente não azeiteira (ou seja indicia calma e explosões através da força do tocador e do léxico da bateria e não através de “ir ao youtube procurar post-rock drums 80 bpm”). Gostaria tanto de estar a fazer isto mas é praticamente impossível. Nem sei como eles conseguem visto que o mais provável é que vocês estejam a ouvir falar desta banda pela primeira vez apesar de existirem há mais de 15 anos e sendo já terem sido aclamados por Lou Reed, Peter Kember e Kevin Shields e terem conseguido, em 2016, gravar o seu primeiro disco 100% orquestral. O que quer que seja que os fazem continuar espero que se mantenha e gostaria imenso de os ver ao vivo. Não há nada que eu diga desta faixa que vocês não conseguirão experienciar melhor sozinhos mas a melhor metáfora que consigo arranjar para este som é “Art Noveau-punk”. Apenas aconselho-vos a irem à Wikipedia ler sobre a banda e que depois ouçam o disco homónimo de 2007 para começarem. O resto é só experienciar. Um dia gostaria que Summer of Hate tivesse este formato mais as três guitarras. Espero que corra tudo bem! 





The Jesus and Mary Chain – “Never Understand” (1985)



No dia 23 de Abril de 2020 fiz este post muito eloquente no Facebook: “Lembro-me do momento em que vi este video pela primeira vez, há 11 anos. Lembro-me de ter visto o nome deles várias vezes mas nunca ter ido investigar. Quando finalmente decidi ouvir a banda foi este o primeiro vídeo que me apareceu à frente. Abri  o vídeo e, de repente, entra o primeiro fio de feedback e eu “eish, que merda é esta?” parei o vídeo e fiquei uns segundos a considerar se ia ver ou não. Não estava com paciência mas que se foda. Vou dar uma chance. Do momento que entra a bateria e a linha de baixo junto com aquele feedback que se transforma muito sorrateiramente em algo que soa acordes mas que ao mesmo tempo parecem um lead que, por sua vez, parece que estão a esfaquear a guitarra, ter um momento de claridade. Eu próprio estava a fazer feedback pois foi nesse momento que eu descobri a minha tribo urbana. Não sabia o nome dela mas sabia que envolvia couro e a cor preta. O mundo passou a fazer sentido. JAMC era a banda que eu queria fazer se esta não tivesse existido (nessa altura). Algo em mim fez clique. Uma canção que ao mesmo tempo parece antiga mas que ao mesmo tempo não soa a nada que alguma vez eu tivesse ouvido. Que soa super melódica e fofinha mas coberta de sangue. Nesse preciso momento percebi aquilo que é importante para mim na arte: acessibilidade, conhecimento histórico, experimentalismo e desconstrucionismo. Pegar numa malha que podia ser Beach Boys ou Ramones, retirar retirar os nutrientes essenciais, espetar na batedeira e ligar e acrescentar um topping novo. Manter a essência, transmudando-a. Mudar tudo para não mudar nada. É algo quase tão caricato mas tão sério. É uma pastiche que não soa a pastiche nem tem aspecto de pastiche. É algo que é e não é ao mesmo tempo. É caos contido. Aprisionado em paredes de 3 minutos. Querer saber e não ao mesmo tempo. O look da banda é só a cereja no topo do bolo. Os Jesus and Mary Chain venderam-nos o caos em forma de pastilha elástica que andamos a mascar há 35 anos. A pastilha dos sad boys. Mas ao mesmo tempo mostram-nos outra coisa: um caminho por onde se ser artista e pensar artisticamente. No que toca a coolness só vos digo isto: muito poucas bandas conseguiram criar algo tão intemporalmente cool. As tendências vêm e vão, mas o que é especial e não é descartável, aquilo a que nós podemos chamar de casa, está fixo no chão.”


Não tenho mais a acrescentar. 






The Horrors – “Sea Within a Sea” (2009) / Neu! – “Hallogallo” (1972)



Para muitos (incluindo eu) os Horrors foram um meio para descobrir e criar interesse pela história da música. Se o Tim Burton criasse uma sitcom sobre uns Ramones vindos do espaço que aterraram em Londres que usaram os seus poderes e influência para nos meter a ouvir coisas fixes seria este o casting. Os três primeiros discos dos Horrors estão para a música como a Nouvelle Vague foi para o cinema: Cinema feito por fãs de cinema. Do garage punk embebido em post-punk, para um post-punk diluído em shoegaze (ou “showgaze” como os tugas dizem) para uma paragem final para synthpop bombástica (diluída em shoegaze), entretanto repetiram o mesmo disco em 2014 e depois em 2017 partiram para uma synthpop com texturas mais industriais. Os Horrors acompanham e definem o meu gosto musical com esses três discos e param num ponto onde atingiram a perfeição a nível estético com Skying (tanto que voltaram a repetir com Luminous). A meu ver o Skying é o melhor disco deles e dos melhores álbuns da década passada e o álbum que todo o pessoal que faz pop deveria querer fazer mas por falta de lata não o fazem. A meu ver o único defeito é que os sintetizadores soam demasiado a sintetizadores. A minha estética parte do conceito de orquestra sinfónica e que os sintetizadores foram feitos para modular sons de instrumentos já existentes e que estes soam melhor quando tentam capturar a essência dos instrumentos que replicam. Ou seja, acho que existem três etapas na modulação: modular o timbre para soar próximo do instrumento que vão replicar no arranjo e a seguir uma modulação que os distância do timbre original mas que os aproxima do tema (delays, reverbs, phasers, etc…) a terceira seria numa tentativa omissão da segunda etapa, mantendo a função mas mascarando-a e com isso criar a ideia de um instrumento novo com um timbre familiar (atenção eu não estou a tentar dizer algo de novo. Apenas tentar explicar o que eu faço e muita gente faz por palavras) ou seja, a parede de som tem que dar a ideia de uma Wall of Sound à la Phil Spector sem a preocupação com perfeccionismo técnico ou nitidez. Acho que sons muito “electrónicos” roubam as pessoas da experiência mundo natural da mesma forma que acho que os quadros do Piet Mondrian, ainda que excelentes e merecerem o estatuto que têm, são uma valente merda. Onde é que eu ia? Ah, a “Sea Within A Sea” foi uma revolução pessoal para mim pois não sabia o que era krautrock. A “Sea Within A Sea” levou-me à “Hallogallo” dos Neu! e ambas fizeram por mim o que o punk não conseguiu fazer: criar um “common ground” entre mim e outros músicos. Perto dos meus 17, 18 anos as minhas bandas favoritas, por alguma razão, eram os Radiohead e os Sex Pistols. Numa altura em que eu deveria estar a atirar riffs rock n’ roll explosivos para um baterista estava com os solos do Johnny Greenwood na “My Iron Lung” na cabeça, receita para dar naquilo a que se chama de “uma merda do caralho, foda-se….”. Disto resultou eu só voltar a levar a música a sério aos 23-24 anos. Graças às “Sea Within a Sea” e à “Hallogallo” consegui jammar com pessoas pela primeira vez (ainda em que fora do território de jam sessions, pessoas que estudaram jazz que, achando que não, são as pessoas mais irritantes e elitistas de qualquer jam session e assassinas de qualquer criatividade. Eu sei que estou a exagerar e conheço pessoal que estudou jazz que é fixe mas é um bocado como a polícia. Se uns são merda contaminam a profissão toda). Viras-te para o baterista “Meu, sem grandes merdas: Fazes tum-tum-ta tum-tum-tum-ta” durante 15-20 minutos. Pessoal, isto começa em Mi e vamos estar 3 minutos seguidos só a tocar Mi. Sou eu que faço os leads depois. Eu não sei tocar! Vamos ser inclusivos! Eu vim para uma orgia, não para uma punheta de grupo. Vão-se foder.” E até agora ainda é assim. Motorik para jammar e sacar riffs. 





My Bloody Valentine – “Come in Alone” (1991)



O facto de eu não fazer a mínima ideia nem querer saber do que caralho se está a passar aqui e que contrariar todos os meus instintos enquanto músico joga a favor deste tema. Sei o que sinto e que é o que muitas pessoas dizem ao ponto de ser meme “MBV é o som do amor sem se falar de amor” ou lá o caralho. Eu concordo. Sem querer foi este o primeiro tema que ouvi deles (em 2008, se não me engano) e o que posso dizer é que mesmo sem experiência empírica do que é amar e ser correspondido ou estar numa relação, consegui perceber o sentimento e queria tê-lo. A “Come in Alone” sempre conseguiu recriar em mim a sensação de dar o primeiro beijo a alguém que amamos, a entrega e as sinapses em disparando como rajadas de metralhadora. Fora isso a nível de técnica não deixo de banhar em elogios o Kevin Shields que foi das últimas pessoas que conseguiu reinventar o que é uma canção pop/rock e o que pode ser uma sinfonia acrescentando quer ao léxico da pop, quer ao da música dita “erudita”. Eu pessoalmente sou mais fã de impressionismo na música, não tanto na pintura. Neste contexto acho que ele joga imenso com a nossa capacidade percepcionar o áudio e como o transformamos na nossa mente quando o ouvimos algo à distância. Já nos aconteceu ouvirmos um tema à distância, acharmos que é uma coisa e afinal é outro tema que não tem nada a ver, pois como a quantidade de filtros que temos entre nós e o objecto é maior e tira-lhe a nitidez que nos obriga a usar a nossa imaginação e criatividade para preencher os buracos. Acho que é isto: Criatividade que germina criatividade. Por acaso não me chateia assim tanto que o Kevin Shields não tenha feito muitos discos de MBV (apenas 3) pois entendo que depois do Loveless ele sinta que não tem muito mais a acrescentar. 






The Birthday Party – “Nick the Stripper” (1981)



Na altura em comecei a ouvir o Strange House dos Horrors fui à Wikipedia ver quais eram as influencias deles e fiquei surpreso por saber que o Nick Cave tinha tido outra banda antes de Bad Seeds. Entretanto aquilo que podia ter sido o início de uma fixação obsessiva por Nick Cave que poderia ter muito facilmente acabado em whisky e cargas de porrada semestrais administradas por proxenetas acabou por se tornar numa fixação obsessiva e embodiment consequente (através de “method acting”*) do seu guitarrista de Birthday Party e colega de escrita Rowland S. Howard que acabou em sobriedade, mas não antes ter feito uma paragem na estação da cerveja e na de levar porrada de traficantes de cocaína rafada enquanto vomito compulsivamente. Claro que, musicalmente, só a meio dos meus vintes é que soube canalizar produtivamente a raiva psicótica poética na minha forma de me exprimir como o abuso do reverb, agudos cortantes, picking destruidor de cordas e abusar de uma guitarra de surf para invocar o diabo interior através melodias que fazem a banda sonora espiral descendente ao ID. Claro que isto é toda uma explicação ultra-pedante para “música para boys que se vestem de preto e com anger issues” mas é um bocado isso o que sou e o apelo que tem esta banda tem para mim. A nível de escrita de canções mudou imenso a forma como eu as encarava pois este tema tem um uso limitadíssimo de versos que ajuda a criar tensão e dá muito espaço ao instrumental de expressar todo este terror pornográfico em questão usando-a como uma faca para rasgar a nossa pele em pontos estratégicos. Mudou imenso a ideia que eu tinha do que uma canção podia ser. Na altura ainda ouvia o Ok Computer, jesus. 


Aqui vai a letra inteira: 


insect insect insect insect incest insect incest insect 
Nick The Stripper 
a-hideous to the eye 
a-hideous to the eye 
well he’s a fat little insect 
a fat little insect 
a fat little insect 
a fat little insect 
and ooooooooh! here we go again 
Nick The Stripper 
a-dances on all fours 
a-dances on all fours 
he’s in his birthday suit 
he’s in his birthday suit 
he’s in his birthday suit 
he’s in his birthday suit 
and ooooooooh! a-here we go again 
Nick The Stripper 
a-hideous to the eye 
a-hideous to the eye 
well he’s a fat little insect 
a fat little insect 
a fat little insect 
a fat little insect 
and ooooooooh! here we go again 
well he’s a fat little insect 
a fat little insect 
a fat little insect 
a fat little insect 
he’s in his birthday suit 
he’s in his birthday suit 
he’s in his birthday suit 
he’s in his birthday suit 
insect insect insect insect 


Yep. 


* quando um gajo (falo porque sou isso) compra uma guitarra eléctrica não a sabe tocar. Mas tem um espelho. Portanto enquanto não sabe tocar vai para o espelho decidir se mete a guitarra por cima da pila, em cima da pila ou por baixo da pila. Depois se abre ou fecha as pernas e depois ya, treinar escalas e acordes bla bla bla. Acredito perfeitamente que ao imitares a linguagem corporal de alguém que consigas chegar à personalidade da pessoa porque está tudo ligado. 




Menções Honrosas: 

Radiohead – “The National Anthem”

A minha relação com Radiohead é muito simples: foi a minha banda favorita quando tinha 17-18 anos, depois comecei a ouvir post-punk e passei a odiar e agora adoro outra vez porque gostaria de fazer discos assim um dia e não posso continuar a mentir a mim mesmo a achar que ainda sou punk e que Radiohead é demasiado bourgeois para mim. Radiohead é burguês e gosto deles assim e acho o Ok Computer um disco do caralho. Esta por acaso é do Kid A e tipo vamos por isto em contexto: eu era um chavalo e foi a primeira cena “conceptual” de classe média que eu ouvi e curti. E sim, ouvi o The Wall


não 
curto 

The Wall 
enfiem-no 
no 
cu 


Praticamente podemos explicar esta canção da seguinte maneira e agora eu vou falar como se fosse os Radiohead e peço que leiam isto com sotaque da Margem Sul para melhor efeito. 
“”
“Olá nós somos a banda inglesa Radiohead, somos conhecidos pela “Creep” mas não curtimos tocar essa man, tipo não curtimos, estás a ver? Tipo parem de pedir essa, ok? Nós somos artistas, ya? Pronto, tipo esta malha, a “National Anthem” tipo estão a ver o hino nacional? Mas tipo o hino nacional não tem nada a ver com a realidade das pessoas, ya? O que as pessoas experienciam? Tipo vivem na cidade! Portanto são tipo barulhos do trânsito, tipo porque as pessoas vivem no trânsito, estão a ver? Tipo estamos a fazer uma crítica à vida das cidades! Tipo…fuck the system!”


Claro que o tema tem a melhor linha de baixo de sempre, é catchy como o caralho, tem arranjos metais do mais bem metido possível criando um caos controlado enquanto sustém o ouvinte em constante adrenalina. Ou seja, consegue recriar bem o sentimento de stress. Mas é isso o que os Radiohead são. Bons artistas a fazerem boa pop

NADA 
MAIS. 


The Cramps – “I Was a Teenage Werewolf”



Se eu quisesse ser rockstar ou só vocalista de uma banda de Rock N’ Roll quereria ser o Lux Interior (o Iggy Pop não porque parece ser muito cansativo). Mas posso-me contentar com o facto de ser apenas uma Poison Ivy merdosa. Cheguei a isto através de Horrors, mais uma vez, e quando vi isto percebi que isto era o verdadeiro punk: no gender roles, primitivo, dandy, sexual e interessante. Claro que o punk é de esquerda, mas estas características não são protegidas pela esquerda e não são postas em causa pela extrema-direita? Os Cramps são a mudança que deveríamos querer ver no mundo. Fora o facto revolucionário de terem virado as características principais do rockabilly machão contra ele próprio, foram também estetas no uso do fuzz e do reverb para criarem a própria sonoridade ao contrário dos seus contemporâneos que achavam que a revolução era espetar uma Gibson Les Paul contra um Marshall e berrar sobre andar à porrada. Todos têm o seu valor mas haja algum gosto. Os Cramps actualmente abrangem um público que começa dos rockabillys, passa pelos góticos e acaba nos “soul punks”, os psych rockers que só ouvem “cenas psicadélicas na onda de Velvet Underground com um bocadinho de Suicide” e que estão durante 10 anos a tentar juntar 6.000€ para comprar uma guitarra da Vox em segunda mão por causa do pickup do meio (aponto o dedo para mim apesar não estar a juntar dinheiro nenhum porque não tenho). 


 My Chemical Romance – The Black Parade (Álbum)

Não me vou alongar muito no assunto. Eu tinha 15 anos e foi a primeira banda que eu colei e só ouvia exclusivamente durante um ano e meio. Eu não tenho mamãs nem papás com vinis de Joy Division ou The Cure em casa, nem se ouvia música em casa e cresci com a Internet e só a aprendi a usar quando tinha precisamente 15 anos, portanto cresci a ouvir as merdas que o pessoal ouvia que gostava e revistas da Rocksound que comprava (na altura o Nu-Metal estava em grande). Podia ter-me tornado azeiteiro e andar agora paralítico de ter andado a fazer picanços na auto-estrada para Guetim em vez de estar a escrever esta merda portanto é isto que vos calhou na rifa. Apesar de eu atualmente não conseguir ouvir nada que não tenha maIs de duas camadas de reverb e as texturas dos gajos (produzidas a emular Queen) me causarem genuinamente desconforto nos ouvidos, as características principais deste disco das quais gostei ainda as vejo replicadas actualmente. 
1) Melodias, hooks e refrões brilhantes (dentro do género).
2) Haver uma temática comum. 
3) Produção maximalista. 
4) Arranjos orquestrais. 
5) Todas as canções são catchy e sobrevivem bem umas sem as outras apesar de estarem ligadas pelo ponto 2.
6) A banda na altura tinha um aspecto comum que as interligava. 
7) O uso recorrente de pastiche (A primeira faixa “The End” cruza a melodia da “Five Years” do Bowie com a “Trial” dos Pink Floyd que também aparece na “Mama” e algumas que já não me lembro).
8) Graças a eles descobri Smiths e Misfits.
9) Melancolia.
10) Abrange um espectro variado de emoção humana.
11) O Gerard Way sempre foi um aliado feminista e da comunidade LGBT ajudando-me a ultrapassar alguns preconceitos que eu tinha na altura. 


Portanto acho lógico que tudo venha daqui. Espero que tenho sido claro e que vos tenha dado algum esclarecimento em como a música que uma pessoa ouve se envolve com o que uma pessoa faz. Não aconselho ninguém a agir ou a pensar como eu até porque eu sou um bocado infeliz porque não consigo ouvir certos tipos de música que dão alegria a muita gente mas é o que é. Sejam vocês felizes e divirtam-se!


Se quiserem saber mais sobre os Summer Of Hate aproveitem para os seguir através da sua página de Facebook ou pela plataforma Bandcamp, onde podem comprar o seu trabalho.






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