City Rose
City Rose

| Julho 20, 2020 12:10 am

City Rose | Third Coming Records | junho de 2020
8.5/10

Poucas bandas trazem uma história peculiar como a que os City Rose se orgulham de nos contar. Sediados num continente longe da máquina reprodutiva europeia estávamos em 2017 quando o quarteto australiano estava a colocar cá para fora o primeiro tema de carreira “Contortionist”, uma malha entranhada nas vísceras da música punk, rude como a revolta e completamente recheada de guitarras em fúria prontas para incendiar o leitor. Até lá, concertos caracterizados por uma parafernália de som ímpar, muito suor e dois anos a forjar uma sonoridade tão contemporânea quanto clássica. Ainda antes daquela que poderia vir a ser uma explosão luxuosa mundo fora, os City Rose entediaram-se e em 2019 consideraram que tinha chegado a hora de se despedirem do olhar público. Até lá aos ouvidos do público internacional deixariam em formato digital “Contortionist”, “Crackling Amber” e aquela amálgama de som poderosamente intensa, “777”, estas últimas duas últimas repescadas para o alinhamento de City Rose EP que nos chegou aos ouvidos graças ao olhar sempre atento de uma das mais inspiradoras editoras da atualidade: a Third Coming Records





Formados em 2016 inicialmente no formato duo com o objetivo de criar um projeto expressivo de interesses comuns, rapidamente Pat McCarthy (baixo) e Andrew Exten (voz) consolidaram o seu núcleo com a junção dos membros Lucy Howroyd (bateria) e Hunter Auzins (guitarra). Iminentes na cena underground australiana, o quarteto começou a esculpir o seu nome como um dos atos de relevo a atentar nos próximos anos, com a abertura dos concertos de IDLES na Austrália onde evidenciaram a sua música crua de energia vigorosa, mas altamente dinâmica e viciante. Com uma voz grave e ríspida a pintar o desenvolvimento frutífero criado através da conjugação de som entre baixo, guitarra e bateria, a sonoridade dos City Rose é um mundo contagiante de emoções que traz à memória todo um ambiente de caos desenvolvido entre uma sensibilidade doce com grande foco artístico. Tudo parecia estar encaminhado para o percurso correto não decidissem os City Rose colocar o projeto em hiatus corria o mês de outubro de 2019, logo após terem dado o seu último concerto de carreira, até à data, no esgotado Weird Place Festival, em Melbourne. 


Não alheia a este extremamente promissor projeto a franco-dinamarquesa Third Coming Records quis dar-lhe o merecido destaque à escala global com a edição física das músicas que ficaram cingidas ao formato ao vivo e que chegou o mês passado às prateleiras no formato cassete. Os City Rose decidiram sair da cave para reviver o punk deprimido numa energia brutal, ao longo de quatro temas envoltos num poder excêntrico e recheados de camadas cruas e sujas que apaixonam quem os ouve. Ali situados entre os territórios de uns Birthday Party com uma revolta adocicada pelo meio e toda uma sensação de decadência constante, os City Rose deixam o território australiano para partir à conquista do mundo, mesmo que agora isso tão pouco lhes valha. E é essa mesma atitude que os enaltece como projeto musical. 




City Rose EP foi gravado juntamente com Tim Powles dos The Church e apresenta um total de quatro singles profundamente estimulantes e construídos numa base progressista extremamente sedutora. Quando surgiu, em maio, o relançamento inesperado de “777” – uma mistura entre um rock ruidoso com uma veia experimental efusiva – os City Rose claramente ganharam um destaque no meio underground. Aquela vibe Nick Cave, transmitida pela forte presença vocal de Andrew Exten, com a atitude art-punk que os Iceage fizeram vibrar na década passada tornava absolutamente aditiva a fórmula sonora que os City Rose estavam a criar. Essa tendência voltou a ser denotada com o lançamento do apoteótico “Sextons Call”, mais uma malha de estética noir pronta para queimar alguns neurónios pelo meio. Com guitarras ora destiladas ora estridentes a abrirem espaço para uma voz tão embriagada quanto marcante, os City Rose vão forjando a sua sonoridade amplamente imersiva ao longo de cerca de 25 minutos tendencialmente ruidosos e criativos. 

Antes deste tão nobre EP chegar já tinham sido anteriormente lançados os temas “777”, “Crackling Amber” e, no período de antecipação do álbum, “Sextons Call” que na obra se fazem acompanhar pelo violentamente belo “Mourn”, o último dos temas que tinha ficado fechado a sete chaves até a Third Coming Records decidir dar-lhe o devido tratamento no formato fita. Tal como as composições que o antecedem, “Mourn” é mais uma das criações dos City Rose que começa por ganhar vida no meio da instrumentação em profundo caos. Esta amálgama abrasiva de som desafinado que os City Rose constroem – para a seguir lhe incorporarem uma construção harmónica e ritmada – faz o ouvinte atingir um estado de ora profundo conforto, ora profunda agonia, o que na experiência final resulta numa sensação densamente exótica e de cariz amplamente artístico. 




Os City Rose são talvez um dos melhores segredos que ficaram por revelar entre territórios australianos enquanto pairavam no ativo. Depois de terem anunciado o fim em 2019, o quarteto regressou este ano aos holofotes para editar este incrível EP de estreia homónimo graças à engenhosa força visionária da Third Coming Records. Entre uma sonoridade crua de energia vigorosa e camadas excêntricas de nostalgia poética, os City Rose aportam uma atitude genuína que viaja entre o art-rock, o punk e o experimentalismo da música noise num disco absolutamente viciante e com um potencial gigante de crescimento. Enquanto os membros exploram agora projetos paralelos deixam também para trás um marco inverosímil na história do punk/post-punk moderno. Se continuassem ativos certamente que se consolidariam como uma das novas atrações no panorama underground. Apesar disso uma coisa é certa, todos esperamos que o seu adeus aos palcos e ao estúdio não seja permanente.



FacebookTwitter