Long Voyage Demos & Acustic Live, o novo disco dos Cello: 20 anos depois, o futuro que hoje é passado, no presente

Long Voyage Demos & Acustic Live, o novo disco dos Cello: 20 anos depois, o futuro que hoje é passado, no presente

| Outubro 27, 2020 5:54 pm

Long Voyage Demos & Acustic Live, o novo disco dos Cello: 20 anos depois, o futuro que hoje é passado, no presente

| Outubro 27, 2020 5:54 pm
© Carlos Didelet

A Threshold Magazine esteve à conversa com Cristina Martins, vocalista dos Cello e com o baixista Pedro Temporão. Falámos dos Cello, de França, de mod, da 2Tone, de Almada e do lançamento do novo disco agendado para o dia 30 de Outubro. 

É o regresso dos Cello, banda de culto portuguesa, de topo no indie nacional da década de noventa – e de vanguarda, de Portugal, alcançaram a Alemanha, Itália, França, Bélgica, Holanda, México, Hong Kong. Deram inúmeros concertos, ainda hoje, temos saudades deles. A banda dissolveu-se no princípio de 2003 após três álbuns de originais e um disco de remisturas. Aqui fica um pouco da estória, da História dos Cello.

Contem-nos em poucas linhas (ou nas linhas que entenderem) a estória dos Cello, de como começaram?

Pedro Temporão – Os Cello começaram por ser uma banda instrumental, isto em 1992. Éramos três elementos, eu, o José Nave e o Carlos António Santos. Já tínhamos estado juntos nos Actvs Tragicvs. Nesse mesmo ano juntou-se à banda a Cristina Martins. No início de 1993 editámos duas cassetes com alguns dos temas que viriam a fazer parte do primeiro álbum, também de 1993, Alva, com o selo da Symbiose. Neste primeiro álbum ainda usámos a língua portuguesa em algumas canções. Nos álbuns seguintes a língua francesa ficou definitivamente como a língua oficial da banda.

Alguma relação em especial com França? A voz da Cristina molda-se muito bem ao sotaque francês e empresta uma beleza especial às canções dos Cello, sotaque perfeito, diria mesmo, nativo.
Cristina Martins – Não há uma relação direta com França, mas sim com a língua. Na época eu tinha um contacto muito estreito com a língua francesa por dois motivos: estava a tirar o meu curso, na Faculdade de Letras de Lisboa, de Línguas e Literaturas Modernas, na variante de Estudos Portugueses e Franceses e em simultâneo trabalhava num organismo francês em Lisboa (Câmara de Comércio Luso-Francesa). Por outro lado, a língua francesa é, quanto a mim, uma língua já de si muito musical, muito melódica e quis arriscar essa tentativa da escrita de canções em francês. O primeiro álbum é, se reparares um misto de músicas escritas em francês e português. A experiência foi bem aceite pelos restantes elementos da banda e assim o francês prevaleceu como língua oficial da banda. Posso ainda acrescentar que na altura ouvia algumas bandas francesas como por exemplo Les Negresses Vertes, ou os West Side Boys.
Para além dos Cello e dos Actvs Tragicvs, o universo dos Cello expandiu-se também por outros projectos/universos musicais, Corsage, The Manchesters, por exemplo.
Pedro Temporão – Eu continuei, com os Raindogs, Corsage, The Fishtails, Os Magnéticos. Actualmente com The Manchesters e Corsage. A Cristina ficou-se só com os Cello. O Zé na altura tocava nos Coty Cream e também tocou com o Farinha Master dos Ocaso Épico. O Carlos seguiu comigo para os Raindogs e Corsage.
A vossa representação musical é bastante universal e é admirável a presença no espectro sonoro, assim como todo o trabalho mostrado até hoje. Os Cello continuam a marcar essa presença com este novo a quem chamas “de velho” disco, uma novidade, no entanto, contém inéditos, fala-nos deles.

Pedro Temporão – Os inéditos contidos neste disco são cinco temas que ficaram de fora do terceiro álbum Long Voyage, por uma questão de opção não foram levados para estúdio para a gravação do álbum. Os outros temas são demos de temas desse mesmo álbum.

Capa de Long Voyage Demos & Acustic Live
E ainda somos brindados neste disco com temas gravados ao vivo, de uma das vossas actuações na Fonoteca Municipal de Lisboa, uma raridade. Demonstra bem memórias representativas do quão excelente foi a década de noventa para os Cello e também para nós, que pudemos assistir e agora reviver com este disco o vosso  regresso. Foi difícil escolher o alinhamento?
Pedro Temporão – O alinhamento foi escolhido entre temas dos nossos dois primeiros álbuns e dois ou três inéditos que viriam a fazer parte do álbum seguinte, editado pouco tempo depois. Escolhemos ainda uma versão (foi a primeira e a única vez que tocámos um tema de outra banda), “Nice Dream” dos Radiohead. Esta versão foi uma escolha do José Nave. Neste concerto foi a única vez na minha vida que toquei guitarra ao vivo. E ainda tivemos um baterista convidado. Nice Dream” ficou neste novo disco como faixa escondida.
“Nice Dream” é uma canção tão bonita, agora a (re)descoberto neste disco. Onde podemos adquiri-lo?
Pedro Temporão – Através da editora Zona 22 ou através da banda. Vai estar ainda à venda na Drogaria Central, em exclusivo, em Almada.
Almada, que sempre pulsou pela música no que toca a novas criações de projectos nacionais. Numa altura em que o panorama artístico, cultural está fortemente condicionado, sei que os Cello continuam a aparecer ao vivo, mas como DJs. tanto a Cristina Martins como o Pedro Temporão.
Pedro Temporão – Estes DJs set são cada vez mais raros. Todos sabemos porquê. A Cristina ainda fez parte, como DJ, de um colectivo com a Elsa Garcia e a Sofia Filipe, chamado Swinging Sisters. Faziam noites regulares em Lisboa. Eu com a Cristina iniciámos esta actividade conjunta quando tínhamos a loja Two Tone Store e assim fazíamos festas mensais ligadas à loja, em Almada.
A Two Tone, uma loja muito ligada ao movimento mod, de que tanto gostamos. Consideram-se um dos principais representantes desta cultura em Portugal?
Pedro Temporão – Naturalmente que sim. O mod é a nossa bandeira. Seja pela loja, pela música, pela roupa, pelas Lambrettas, é mesmo o “a way of life” (sorrisos).
Cristina Martins – Muita gente confunde o nome “Stone” com “Tone”. O nome Two Tone vem da editora 2Tone, que existiu em Inglaterra nos anos 80, foi fundada pelo Jerry Dammers, dos Specials e remete para bandas (que tanto gostamos!) como: The Specials, Madness, The Beat, The Selecter, The Bodysnatchers, Elvis Costello, Rhoda Dakar… entre outros. Com o nome da loja, Two Tone Store, fizemos também, em parte, uma certa homenagem ao movimento ska 2tone dessa época, mas fomos ainda mais atrás, aos anos 60, buscar o movimento mod que se liga, numa linha de continuidade, ao movimento 2Tone dos 80…

E não poderia haver melhor estilo de vida, quanto a nós, afinal, a música e a moda sempre estiveram interligados e, neste caso também com aviões à mistura na sua origem. O símbolo usado pelo movimento mod é originário da pop art e foi baseado no símbolo usado nos aviões da RAF (Força Aérea Real do Reino Unido) durante a Segunda Guerra Mundial, popularizado por Keith Moon (The Who), de espírito vivo até hoje. 
Pedro Temporão – É isso. E foi quando o Keith Moon apareceu com uma camisola branca de gola alta com o target, numa sessão de fotografias dos The Who em 1964, que o símbolo ficou associado ao movimento mod para sempre. Sim, o mod e a música. Até parece que nada mais importa! (sorrisos).
Pode-se dizer que se trata de um “Long Voyage” até aos dias de hoje, fica no tempo o segundo álbum de originais dos Cello. Temos muito mais para escutar com este novo lançamento, há uma vasta, intensa actividade vossa pelas redes sociais, no mod e na música. Onde vos podemos encontrar? 
Pedro Temporão – Podem-nos encontrar nas páginas e grupos ligados ao momento mod, mods Portugal, mod64, Dance Craze Mod Society, at the club, Blitz Club, Feijó mod ska club e por aí fora, na página dos Cello e tudo no Facebook.

Long Voyage Demos & Acustic Live inclui demos, algumas de temas originais nunca antes editados do terceiro álbum dos CelloLong Voyage. Inclui também canções de um concerto acústico gravado ao vivo na Fonoteca Municipal de Lisboa a 30 de Maio de 1998.

Entrevista por Lucinda Sebastião
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