Cinco Discos, Cinco Críticas #62

| Novembro 9, 2020 12:00 am
Cinco Discos, Cinco Críticas #62


Já a entrar na reta final do ano, começam-se também a elaborar as listas dos discos que marcaram os últimos meses. Na nova fornada do Cinco Discos, Cinco Críticas falamos de algumas obras lançadas para marcar 2020, onde se podem descobrir o novo disco dos holandeses Fluisteraas com Bloem (Eisenwald); o novo trabalho dos americanos food house, com o homónimo food house (Dog Show Records); as novas edições curta-duração de Adrianne Lenkersongs & instrumentals (4AD); o último esforço dos italianos Shad Shadows em Toxic Behaviours (Wave Tension Records); e, para finalizar, o mais recente disco do californiano Jeremiah Sand (Sacred Bones Records).
Os comentários e opiniões relativos às mencionadas edições podem agora ler-se abaixo, naquela que se apresenta como uma viagem multidisciplinada a vários géneros e subgéneros musicais. Para todos os gostos.

Bloem | Eisenwald | fevereiro de 2020

 
9.0/10 

Os holandeses Fluisteraas sempre foram um nome bastante recorrente no panorama do black metal contemporâneo, ninguém lhes tira isso. Contudo, era um grupo que – apesar de me sentir familiarizado com o seu trabalho – nunca me tinha chamado muito à atenção… Isto é, até terem lançado Bloem, em fevereiro. 
Este disco consegue transformar o sombrio black metal numa árida tarde de verão, por mais estranho que esta afirmação possa parecer. Trata-se de uma mistura entre os genes atmosfericamente desesperados de Burzum e da energia do post-hardcore mais atual. Tudo isto com uma pitada melancólica que dá vida e asas ao projeto. 
Se há algo que os Fluisteraas nos podem ensinar com este LP é que o metal não precisa de ser necessariamente violento e escuro. Até mesmo as vertentes mais extremistas do metal podem ser distorcidas de forma a criar uma experiência bastante otimista e melancólica sem abdicar completamente da sua identidade enquanto género.
João Pedro Antunes



food house | Dog Show Records | outubro de 2020


8.0/10 

food house é a dupla formada por Gupi e Fraxiom, dois jovens produtores americanos que lançaram este ano um álbum e um EP a solo, respetivamente. Estrearam no final de outubro o seu projeto em conjunto na Dog Show Records, editora de Dylan Brady, dos 100 gecs. É inevitável comparar food house à banda de Brady – ambos os projetos têm uma sonoridade frenética onde as vozes são distorcidas pelo auto-tune e incorporam conscientemente ingredientes kitsch, juntando inspirações do pop e da música de dança do fim dos anos 2000 e início dos 2010 a técnicas de produção atuais. O resultado desta junção é chamativo e cativante, com ritmos rápidos e muito a acontecer ao mesmo tempo. 
Entre as melhores faixas de food house encontram-se “mos thoser” e “curses”, ambas cheias de melodias orelhudas que culminam em secções finais especialmente energéticas e hiperativas. Também há que realçar “foresight”, o clímax emocional do álbum. A primeira metade da música conta com uma parede de sintetizadores que apoia os vocais processados por vários efeitos, enquanto que a segunda, mais dançável, desce a intensidade. Contrastando com o resto do alinhamento, “pharmacy” e “metal” são duas músicas que juntam o metal à EDM e ao hip-hop, mostrando uma faceta mais agressiva da banda que poderá dividir os ouvintes. 
Os food house apresentam-se com um álbum curto, mas completo e eficiente. Fãs do disco deverão também ficar satisfeitos com o álbum a solo de Gupi, intitulado None.
Rui Santos



songs & instrumentals | 4AD | outubro de 2020

 
8.5/10 

Os conceitos de “reclusão” e “álbum de quarentena” têm vindo a tornar-se cada vez mais comuns no atual contexto de pandemia, mas para Adrianne Lenker, seja a solo ou na companhia dos seus Big Thief, o isolamento parece fazer parte do seu modo de operar desde sempre. song & instrumentals é o mais recente esforço a solo da cantora-compositora americana, um par de álbuns independentes em formato mas inseparáveis em espírito e que devem ser consumidos como um todo. 
Gravado ao longo de cinco semanas num estúdio improvisado que a própria construiu nas florestas do Massachusetts com a ajuda do engenheiro de som Philip Weinrobe, que a auxiliou com a engrenagem necessária, song & instrumentals aborda temas familiares de perda, solidão, memória e arrependimento com recurso apenas a uma viola, voz e alguns overdubs, tudo embrulhado numa produção bucólica e altamente intimista gravada em fita. 
O primeiro disco, songs, segue um registo mais convencional: 11 canções de uma delicadeza e vulnerabilidade enormes, com intrincados dedilhados de guitarra e narrativas que alternam entre um realismo duro e cru (“Six years and no baby”) e a mais poética abstração (“Oh emptiness/Tell me ‘bout your nature”). O segundo, instrumentals, é, como o nome indica, essencialmente instrumental, foi gravado no mesmo período que songs e é composto por duas peças longas que formalizam um total de 37 minutos de devoção à natureza. As suas composições esparsas, feitas de passagens austeras de guitarra, sinos e gravações de campo desenvolvem-se como que progressivamente em direção ao vazio, dissipando-se lentamente no orvalho matinal dos bosques onde foram fecundadas.
Filipe Costa



Toxic Behaviours | Wave Tension Records | outubro de 2020 


7.0/10 

Além dos Shad Shadows – projeto no qual se foca a presente crítica – Luca Bandini (voz, sintetizadores, bateria eletrónica) e Alessandra Gismondi (sintetizadores, voz) tornaram-se maioritariamente reconhecidos à conta do seu outro projeto paralelo, Schonwald. Contudo é sob o desígnio Shad Shadows que a dupla italiana se apresentou no mês passado com novo disco de estúdio, Toxic Behaviours, uma coleção de 10 canções que expressam como alguns rituais se têm tornado “comportamentos tóxicos” em áreas inesperadas da vida moderna. 
Naquele que é o terceiro disco na carreira, os Shad Shadows examinam o simbolismo por trás da conquista tecnológica, das gerações mortas, da violência urbana, da superficialidade e da vaidade, enquanto engatam a 4ª numa viagem conduzida por sintetizadores energéticos, vozes distantes e ritmos altamente aditivos. Desde a malha prepotente de abertura “Daydream Monster” (a fazer as delícias dos fãs de nomes como KVB) ao bruto tema de encerramento “Magic Celestya”, passando pelos experimentos industriais em “Fight The Dragon”, as linhas tirânicas de “Bound”, ou a hipnotizante “Golden Field”, Toxic Behaviours consegue consolidar-se um bom produto de consumo no panorama do electro post-punk e darkwave modernos. 
Esculpido numa forma melhorada e eficaz, Toxic Behaviours é mais uma artimanha sonora repleta pelas texturas sombrias e escuras a que os Shad Shadows tão bem nos têm habituado. Ao longo de dez temas fortemente coerentes e emancipados por uma eletrónica soturna, a dupla italiana cria uma viagem sonoramente estimulante na qual vale definitivamente a pena ingressar.
Sónia Felizardo



Lift it Down | Sacred Bones Records | outubro de 2020


8.0/10 

O sucesso do filme Mandy (2018) não serviu só como uma lufada de ar fresco para a carreira do genial Nicolas Cage ou como uma afirmação de Panos Cosmatos como um dos novos e melhores realizadores de ficção científica. 
O ator Linus Roache decidiu encarnar o vilão deste filme, o arrogante líder do culto Children of the New Dawn, Jeremiah Sand, e gravar um disco enquanto esta personagem. 
Lift it Down bebe influências que (obviamente) nos fazem lembrar a carreira musical de Charles Manson, cantautores hippies que viram no folk psicadélico uma excelente forma para se expressarem e ao universo de ficção científica, com melodias de sintetizador que fazem justiça ao material de onde esta personagem foi retirada. 
Uma excelente adição (e audição) para todos os fãs de Mandy, que também irá oferecer músicas que certamente irão agradar entusiastas de bandas retro e todas as pessoas que tem o sonho de um dia construir uma máquina do tempo e viajar até ao festival de Woodstock.
Hugo Geada

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