Sweet Trip em entrevista: “Há muita experimentação e não temos medo de transformar uma música em algo completamente diferente”

Sweet Trip em entrevista: “Há muita experimentação e não temos medo de transformar uma música em algo completamente diferente”

| Junho 23, 2021 1:45 pm

Sweet Trip em entrevista: “Há muita experimentação e não temos medo de transformar uma música em algo completamente diferente”

| Junho 23, 2021 1:45 pm

São uma das mais acarinhadas bandas de culto das últimas duas décadas, mas a música dos Sweet Trip, informada pelos ímpetos mais aventureiros do shoegaze e do drum & bass (ou, neste caso, drum & bliss), parece não chegar às grandes publicações. Depois de um silêncio criativo de mais de uma década, o projeto concebido por Roberto Burgos e Valerie Cooper num concurso de talentos no verão de 93 está de regresso ao ativo, mas, à excepção de alguns canais alternativos do ciberespaço, como o Reddit ou o Rate Your Music, pouca tinta se largou sobre as novas aventuras dos californianos.

O segundo e mais aclamado disco do grupo, Velocity : Design : Comfort, tem vindo a colher uma admirável base de fãs desde o seu lançamento, em 2003, mas foi apenas em 2020 que viu nascer a sua primeira edição em vinil. No entanto, para que o plano de reedições fosse posto em prática, Burgos afirmou que a banda teria também de publicar nova música. “Percebemos que não podemos reeditar o V:D:C em vinil sem avançar com música nova, e essa é uma descoberta empolgante”, escrevia então na sua conta de Twitter. A promessa foi cumprida e, em maio desse ano, a dupla estreou “In Sound, We Found Each Other” no trigésimo volume da histórica série de coletâneas da americana Darla Records, que carimba todos os lançamentos dos Sweet Trip desde 1998.

Uma coisa levou a outra e, pouco tempo depois, o anúncio de um novo álbum – o primeiro em 12 anos – estava consumado. “Walkers Beware! We Drive Into the Sun” chegou em janeiro e deu o pontapé de arranque para A Tiny House, In Secret Speeches, Polar Equals, quarto longa-duração que aterrou em maio sob a alçada da Darla. A propósito do seu lançamento, estivemos à conversa com a dupla sobre pedais de efeitos, as ideias em torno das suas capas de álbuns e a influência da banda nas gerações mais novas.

Como tem sido recebido o novo álbum? Quais foram os comentários mais engraçados ou interessantes que leram ou ouviram?

Roberto Burgos (RB) – Acho que a receção tem sido boa. Muita gente parece gostar, o que é ótimo. Li algumas coisas que são engraçadas e estranhas ao mesmo tempo, gosto de ler esses comentários.

Valerie Cooper (VC) – Sim, a maioria das pessoas gosta mesmo. Algumas dizem que adoram e que estão sempre a ouvi-lo. Curiosamente, o Anthony Fantano fez uma crítica. Sei que ele é um blogger popular e supostamente o que ele disser que é um dez é suposto sê-lo, um grande influenciador. O mais engraçado é que ele não gostou nada da segunda metade do álbum, mas a maior parte dos nossos ouvintes dizem que a adoram. Foi interessante como o guru da crítica musical tem a sua opinião, mas a maioria dos ouvintes têm outra.

RB – É engraçado porque uma das minhas preocupações depois de o disco ter sido terminado, depois de termos definido a tracklist, foi a de chamarem aborrecida ou não tão entusiasmante à segunda metade, mas fiquei surpreendido por saber que os ouvintes consideram grande parte, se não todas as canções da segunda metade como favoritas. Foi um pouco chocante porque estava à espera do pior e, há uns dias atrás, o Anthony Fantano publicou aquela review e disse o que eu temia.

O processo de criação deste álbum foi semelhante ao dos álbuns antigos ou usaram métodos e equipamentos diferentes?

RB – Definitivamente usamos equipamento diferente do que nos discos anteriores, mas acho que o processo foi mais ou menos o mesmo, na medida em que não há realmente um processo específico para as canções serem escritas e gravadas. Nós não nos sentamos e tentamos descobrir qual a melhor maneira de compor. Acho que uma diferença é que já não somos tão jovens e impressionáveis, então há uma dose saudável de contenção no que toca à produção.

VC – Ainda gravamos de formas poucos convencionais. Antes gravava no meu armário ou outros lugares diferentes, e aqui gravei na casa de banho. Gravamos em sítios estranhos e trabalhamos em várias canções ao mesmo tempo, em vez de numa de cada vez.

Acho interessante que continuem a gravar em locais incomuns. Não ficam agarrados às técnicas mais convencionais e ainda experimentam com métodos inesperados para alcançar os sons que têm em mente.

RB – De certa forma, sim, mas para ser sincero não o fazemos para alcançar diferentes tipos de sons. É principalmente por necessidade, preguiça, conveniência e conforto. Depois de estar tudo gravado, é no computador que a magia acontece. Não gravamos na casa de banho para captar a acústica da divisão, era só o lugar mais silencioso no apartamento.

Vocês usam muitos efeitos. Talvez não seja muito aparente a forma como gravam porque personalizam o som mais tarde, certo?

RB – Certo, exatamente, gostamos de começar com sons limpos e depois enlouquecer.

Têm algum pedal de guitarra, plugin ou efeito favorito?

RB – Quando gravamos quase não usamos pedais, exceto um velho pedal de phaser da BOSS. Para além disso não sou grande fã de um efeito ou empresa em particular. O essencial é que não estamos confinados a um conjunto de ferramentas.

VC – O pedal de reverb é o meu favorito, adoro o som. Tenho o meu BOSS Digital Delay / Reverb há anos, uso-o muito.

Disseram que não têm um plano definido para compor, vão pelo que sentem naquele momento. É assim que acabam com aquelas faixas que são metade pop, metade eletrónicas?

RB – Ambos temos influências muito diversas, até algumas coisas consideradas foleiras de que gostamos fazem parte do nosso som ou das nossas canções.

Uma canção pode vir de uma linha de baixo. Ouves uma batida que a acompanha e essa batida pode soar como uma bateria acústica, o que é bom, mas, quando se trata de gravar, perguntamo-nos sempre como soaria se a substituíssemos por algo completamente diferente. Há uma ideia de partida, mas depois há muita experimentação e não temos medo de transformar uma música em algo completamente diferente.

Quanto a influências foleiras, eu não acredito em guilty pleasures. Já agora, reparei há uns tempos no vosso Instagram que algumas pessoas achavam que estavam a produzir para as LOONA. Se produzissem como uma música para uma grande estrela pop, mantendo o som dos Sweet Trip, quem escolheriam?

RB – Não vamos remisturar LOONA, isso foi só uma piada. Estavam a espalhar um rumor no Twitter de que estávamos a produzir para o próximo álbum delas e perguntei a algumas pessoas, pela piada, que música deveríamos remisturar, e alguém sugeriu aquela, da qual nem me lembro do nome. Fiz um pequeno loop e partilhei-o. Peço desculpa por ser controverso, mas não ouço K-Pop, por isso não é um guilty pleasure.

VC – Bem, se a Whitney Houston ainda estivesse por cá eu fazia-lhe uma canção.

RB – Para mim, o Lionel Richie vem-me à cabeça. Não sei porquê. Se o Lionel Richie viesse ter connosco e dissesse que quer algo futurista, mas sexy, diria que sim.

Sei que têm falado de como só repararam há poucos anos que as pessoas estavam a ouvir os vossos álbuns antigos, que se tornaram populares em certos grupos na internet. Acho que, hoje em dia, há cada vez mais apreço por misturas de géneros diferentes, tal como vocês juntam pop a IDM e glitch. O Velocity : Design : Comfort (V:D:C) podia ter sido lançado este ano e soaria contemporâneo. Acham que é isso que atrai os vossos fãs e que os levou a descobrirem-vos?

RB – Nos anos após o lançamento do V:D:C, acho que as pessoas começaram a ser expostas a mais música online em vez de em lojas de discos ou estações de rádio locais, MTV e o que fosse popular na época, e essa exposição permitiu-lhes terem uma mente mais aberta. Acho que muitos dos nossos fãs atuais viveram os seus anos formativos durante esse período e parte disso envolveu exposição à internet e a tudo o que descobres lá.

VC – Acho que as pessoas que nos ouvem agora, mais jovens, cresceram habituadas a hiperestimulação e curtos limiares de atenção. Quando o V:D:C saiu, muita gente não o entendeu, mas os jovens perceberam, e provavelmente são os nossos ouvintes principais porque não o consideraram assim tão estranho, ao contrário do que podem ter achado as pessoas da nossa idade. Mas sim, as pessoas mais novas estão mais abertas a sons loucos e grandes mudanças e transições.

RB – Acho que a Valerie fez uma boa observação. Isto da hiperestimulação também é visível na cultura dos videojogos, e parece que muitos dos nossos fãs são gamers. Há uma correlação.

A capa do V:D:C é um bocado abstrata, mas faz-me lembrar videojogos. Não costumam ser tão abstratos, mas transmite um pouco a ideia de estar dentro de um computador. E a música também, com todos os glitches, apesar de ser demasiado baseada em ambientes para parecer um jogo.

RB – É uma boa observação. Acho que se pesquisares capas de jogos dos anos 80, especialmente jogos de puzzles, como Tetris ou Q*bert, vais encontrar capas mais ou menos semelhantes à do V:D:C.

Como é que vêm atualmente os discos que fizeram há dez ou mais anos atrás?

VC – Ainda sinto uma grande conexão com o Halica. É muito significativo para mim porque foi a primeira vez que me apercebi de que podíamos fazer isto não só para nós mesmos, mas também partilhar para as pessoas comprarem e desfrutarem. A partir daí percebi que podemos partilhar com todos, não apenas amigos e família. O Halica tem um significado especial para mim nesse sentido, mudou um bocado a maneira como eu via a música e como é ser artista.

Apesar de serem discos antigos, é fantástico que vocês sejam tão encorajadores, porque vão atrás e ouvem todos esses discos. Temos pessoas a pedir reedições de vinil, o que é muito bom. Nunca teríamos previsto que isto acontecesse.

Sobre as reedições, encontrei uma fotografia da banda desenhada da reedição do You Will Never Know Why (YWNKW). Como é que isso surgiu?

VC – A capa original do álbum era só uma lâmina e muita gente interpretou o seu significado como sendo sobre suicídio, até porque as nossas letras e músicas tinham alguma escuridão. Estávamos preocupados porque recebíamos mensagens a perguntar se realmente era e não queríamos transmitir nada disso. Então mudámos a capa e criámos uma banda desenhada que conta uma história mais positiva, que contraria essa ideia. Também se liga a alguns dos temas que temos nas canções, como uma que fala de um vampiro.

O herói da banda desenhada é um vampiro que, em vez de matar pessoas, salva-as de se suicidarem com uma lâmina, porque se sente mal por todo aquele sangue ser derramado e desperdiçado. Em vez de lhes sugar a vida, ele morde apenas o suficiente para se alimentar e confisca a lâmina para poder continuar a viver dessas pessoas. Portanto tem uma história positiva, mas que faz ligação com a lâmina.

Têm alguma história ou filme de terror favorito?

VC – Não é nada assustador, mas o meu favorito é o The Birds, de Alfred Hitchcock.

RB – Acho que é um empate entre o The Others e um filme japonês chamado Dark Water.

VC – Para um assustador, o meu favorito de todos os tempos era o Exorcista. Acho que nunca vi nenhum melhor que esse até hoje.

Como é que adaptam as vossas músicas mais complexas para performances ao vivo?

RB – O que fizemos no passado foi traduzir muitas partes de canções para um formato mais tradicional. Quando tocávamos tínhamos um baterista, um baixista, e a Valerie e eu nas guitarras e nos teclados. Também tínhamos um computador a tocar algumas sequências e processar sons aqui e ali. Se começarmos a tocar ao vivo novamente, provavelmente haverá uma abordagem muito semelhante, onde vamos adaptar muitas das músicas para um cenário de banda mais tradicional, mas ainda assim um pouco híbrido, com o computador e os samples. Caso contrário, estas músicas seriam muito difíceis de tocar ao vivo a não ser que tivéssemos 20 pessoas na banda. E seria muito chato para a Valerie para mim apenas tocarmos por cima de faixas sequenciadas.

VC – É onde vou ter que investir em mais equipamentos ou numa caixa de pedais.

Isso também é fixe para os fãs, porque nesse caso há duas versões de cada música, e os concertos são experiências diferentes dos álbuns.

RB – Quando dávamos concertos tentávamos tocar as músicas com mais força do que nas gravações para torná-las mais vivas.

VC – Temos algumas gravações ao vivo que as pessoas das rádios universitárias gravaram. Ainda estão no YouTube. Quando tocávamos músicas do V:D:C todas as guitarras eram ao vivo e havia alguma improvisação. Dá para perceber que parte das baterias eram sequenciadas.

Eu procurei vídeos de concertos vossos, mas há poucos, e alguns só têm gravações do som.

VC – Sim, nunca nos gravámos estes anos todos. Não há fotos, não há gravações. Felizmente aquelas duas rádios universitárias gravaram.

Agora até estão na capa do novo álbum. Foram vocês que a fotografaram?

RB – Sim, foi ideia da Valerie. Queríamos algo rico, colorido e que combinasse com a música em si, e lembro-me de um dia ter-lhe mostrado um pequeno documentário sobre a cadeira de vime, a cadeira pavão, que apareceu em muitos álbuns dos anos 60 e 70. Agora tem uma história muito interessante quando se trata de fotografia e o que significa. E como o álbum em si tem temas de romance, amor e paixão decidimos fazer como nas capas dos 60s e 70s, que parecem românticas e…

VC – Como as capas foleiras com lareiras. Porque não nós? Podemos estar numa capa continuando a tradição dos anos 70, quando celebridades posavam de forma mesmo foleira na cadeira de vime. Soou divertido, e na altura decidimos fazê-lo de forma mesmo opulenta e louca, pôr muita coisa lá. Portanto a capa é muito excessiva.

Sim, a primeira vez que a vi fiquei um pouco chocado. Depois comecei a gostar e acho que percebo a vossa ideia. Mesmo que a maior parte das vossas capas sejam muito diferentes umas das outras, isto vai um passo além.

RB – Sim, também nos chocámos com essa capa, porque percebemos que se fossemos prosseguir com a ideia alguém tinha de estar sentado na cadeira. E os candidatos mais óbvios eramos nós, então, por um tempo, estávamos-

VC – “Não quero estar na capa! Não quero ser eu. Não, não, não!”

RB – Eu dizia “Não vou fazê-lo se não o fizeres”, por isso descartámos a ideia por uns tempos e tentámos ir por um caminho diferente, mas, de alguma forma, voltámos a ela. “Que se lixe, vamos só fazê-lo”, e foi nisto que resultou.

VC – Tive de me vestir de forma pirosa e excessiva. Eu não me visto daquela forma, tive a ajuda da minha irmã para escolher um guarda-roupa que fosse meio estranho.

RB – Eu tive de me barbear o mais rente que conseguisse só para não parecer um homem das cavernas. E tenho um fato personalizado de kung fu e umas botas espaciais, é uma combinação simplesmente ridícula. Era isso que pretendíamos.

Não sei se estavam a pensar nisso na altura, mas, tendo em conta o que disseram, faz muito sentido, porque agora estão a mostrar-se mais com todas as fotos e entrevistas. A transição de como se apresentavam antes para como o fazem agora é marcada por essa fotografia. Foram ao extremo oposto de anteriormente e depois voltaram um pouco atrás e apresentam-se de forma mais normal.

RB – E acho que isso se reflete na nossa música, acho que algumas das nossas canções são muito exageradas e outras muito subjugadas. E podemos estar a fazer música over the top, mas eu e a Valerie somos só pessoas normais.

Noutro dia, a ouvir o Tiny Houses, algumas faixas lembraram-me o último disco dos Slowdive. São uma influência?

RB – Sim, os Slowdive têm uma grande influência em nós e no nosso som. São uma das nossas bandas favoritas. Alguns dos seus discos estão entre os nossos favoritos de todos os tempos. E sim, referenciamos sempre os Slowdive na nossa música. Não é só o som em si, mas também a forma como transmitem emoções através do som, é uma das coisas mais importantes em que eles nos influenciaram. Sinceramente, só ouvi um terço do novo álbum uma vez e nunca mais voltei a ele. É bom, mas ainda não me dediquei a ele, por isso não diria que é uma influência. Mas tudo o que veio antes foi uma grande influência.

VC – A maioria dos seus primeiros discos impactou-nos mais. As músicas novas também são boas, mas não as adoro tanto como os primeiros lançamentos. Mas adoro Slowdive, estão entre os meus favoritos de sempre.

RB – Ambos adoramos os seus primeiros três EPs que lançaram no início dos anos 90. São altamente influentes.


Introdução: Filipe Costa
Entrevista: Rui Santos

FacebookTwitter