toubkal em entrevista: “Quero fazer música que, de algum modo, traga paz, calma”

toubkal em entrevista: “Quero fazer música que, de algum modo, traga paz, calma”

| Setembro 20, 2021 7:22 pm

toubkal em entrevista: “Quero fazer música que, de algum modo, traga paz, calma”

| Setembro 20, 2021 7:22 pm

Há algo de místico nas montanhas – confirmam-no os mitos do Olimpo ou as várias referências bíblicas e literárias ao longo da História. São o elo de ligação entre a terra e o céu, e emolduram paisagens como se fossem paredes de uma casa em aberto, transcendente e imutável. No sudoeste de Marrocos, a 4.167 metros de altitude e entre escarpas, cedros e azinheiras, repousa Toubkal – do berbere, “a terra que fala” ou “aquele que acredita na terra”. É o nome do pico mais alto do norte de África e da Cordilheira do Atlas, e batiza também o mais recente refúgio musical do cantor e guitarrista portuense Bruno Barreira.

Foi em maio que soou o primeiro anúncio do EP de estreia the great round, com o lançamento do videoclipe de “lullaby”. Agora, toubkal deixa a descoberto a narrativa visual de “the wolves”, com título inspirado no romance “O Lobo das Estepes” (1827), de Hermann Hesse. Neste segundo single, “os versos – rítmicos e mecânicos – sussurram-nos as incertezas e inseguranças da vida adulta”, enquanto se elevam “desejos de uma existência mais calma e tranquila”, lê-se em comunicado.

A história centra-se nesse “conflito interno”, como explica o artista, e é contada pelos olhos de uma criança à deriva nos montes de Moimenta da Raia, em Vinhais, no norte de Portugal. O videoclipe, realizado por Tiago Lopes, evoca a inocência da infância e a cumplicidade com a natureza, à qual fomos habituados desde o primeiro momento de “lullaby”.

Num projeto onde o imaginário se pinta de verde, serenidade é a palavra de ordem e vem embrulhada em teclados analógicos e melodias ambient, embalados por coros harmoniosos que sussurram: está tudo bem. toubkal busca a paz e, a um mês de desvendar a totalidade de the great round, diz-nos encontrá-la entre as árvores, nos lagos, na terra e, acima de tudo, nas montanhas, ao som de guitarras acústicas e dos pingos da chuva.

Como surge toubkal? Porquê este nome?

Acho que surgiu de uma forma muito natural. Eu já faço musica há muitos, muitos anos – quase que desde que sou criança -, mas foram sempre projetos com outras pessoas. Sempre tive vontade de fazer uma coisa minha e este projeto surge de alguma maturidade e alguma vontade de fazer algo meu. Não tem uma explicação mais profunda do que esta [risos]. Em termos de conceito, acho que tem uma ideia específica: neste projeto, quero fazer música que, de algum modo, traga paz, calma. É um bocado esse o objetivo de toubkal.

O nome vem de uma montanha em Marrocos que eu visitei em 2019, há dois anitos, na altura em que estava a começar a fazer as músicas. Achei um local espetacular, um sítio lindíssimo! E este projeto já existe há muitos mais anos do que quando eu comecei a trabalhar nele. Já tinha ideias para as músicas há muito tempo. Mas acho que a ida a Marrocos foi um bocadinho o culminar e o começar a investir mais a sério em toubkal. É um nome em berbere e tem um significado um bocado místico – é a terra que fala ou aquele que acredita na terra.  Como eu queria transmitir com a música alguma paz, algo de transcendente que pudesse transmitir paz, achei que se adequava bastante bem. E foi daí que veio o nome.

Num artigo do Público, Nuno Pacheco refere que és “portuense de raízes transmontanas”. Achas que estas origens se refletem no teu trabalho?

Sem dúvida que se reflete em mim. Em primeiro lugar, sou de raízes transmontanas porque a minha família é de Trás-os-Montes, e os meus verões e a minha infância foram maioritariamente passados lá. Acho também que muita da minha vontade de estar na natureza e muito do impacto que estar na natureza tem em mim – especialmente no meio das montanhas, é mais com isso que me identifico – têm um peso pessoal que acaba por se refletir na música que faço. Muito do conteúdo lírico tem evidências claras de que Trás-os-Montes e de que estar na natureza e no mais rural é importante para mim.

Mas eu vivi toda a minha vida no Porto, fiz a minha vida toda lá e claro que isso também me influenciou pelas pessoas que conheci, pela cultura a que fui exposto. De certeza que me influenciou bastante, nem que não seja pelos amigos e pelas pessoas com que contactei todos estes anos.

 

Fotografia por Margarida Dias

 

Como te iniciaste na guitarra e na música, em geral?

Eu comecei por estudar guitarra clássica na Academia de Música de Vilar do Paraíso, em Gaia. Depois, estive na Escola de Jazz do Porto, também a tocar guitarra. E fui sempre tendo projetos. Lancei um álbum com uns amigos em 2016, com o projeto After Rain, que era um rock progressivo só instrumental. Depois, juntei-me aos Before and After Science; estive com eles uns tempos e agora as coisas estão mais paraditas. E agora comecei este projeto, que é meu, mas tem gente convidada a tocar comigo.

Lembras-te de algum momento concreto, em criança, por exemplo, da tua aproximação à música?

Muitos, mas dois que me vêm logo à cabeça são as viagens de carro que fazia em família, com os meus pais e os meus irmãos mais novos a ouvir música. Ouvi muita música da adolescência dos meus pais, muito punk [risos]. Ouvi também música que os meus avós ouviam, Zeca Afonso, por exemplo, ouvia mesmo muito quando era miúdo. E essas memórias vão ficar para sempre: as viagens de carro em que estávamos a ouvir música e, a dada altura, já sabíamos todos, nós os cinco, as músicas.

Outra memória muito específica que tenho é a da minha mãe nos incutir um hábito engraçado: depois de jantar, tínhamos de ir todos para a sala ler, cada um lia o seu livro e ela punha um CD, normalmente música clássica ou jazz mais clássico.

 

Fotograma do videoclipe de “the wolves”

 

E na produção deste the great round, recordas algum momento especial?

Sim, houve uma das músicas, que não é nenhum dos singles mas que vai sair no EP, que foi feita de forma diferente. Em vez de estar no Porto a trabalhar, tirei cinco dias de férias e fui para a aldeia, para casa dos meus avós – eles agora já não estão vivos – e esta música é sobre eles. Então, estive assim cinco dias muito intensivos a compor e a gravar esta música. Foi uma experiência assoberbante, mas também uma experiência muito boa. E acho que foi muito catártico esse período, foi uma submersão total, tive esses dias só dedicados a essa música. E foi engraçado que até choveu num desses dias e eu gravei o som da chuva, que depois incluí na música. Foi um momento bastante marcante na produção deste EP.

O EP é bastante calmo, abre espaço para respirar e para o sossego. Quão importante são estes aspectos na tua conceção musical?

Muito importantes. Acho que não sou o tipo de pessoa que consiga de uma forma regular por exemplo fazer cinco minutos de música todos os dias. Acho que exige um bocadinho mais de calma e de tempo, de submersão. Acho que precisa de haver um mindset específico e algumas condições concretas para trabalhar assim a fundo e conseguir trazer coisas cá para fora.

O videoclipe da “lullaby” é também muito suave e subtil em termos visuais. Estabeleces alguma relação entre a dimensão visual e a sonora?

Sim, totalmente. O vídeo não tem uma história concreta, é mais uma coleção de imagens bonitas, ou leves (que eu acho bastante bonitas). Foi muito bem conseguido pela Joana Jorge. E a intenção era espelhar as memórias de uma relação, neste caso, romântica, e tentar transmitir a calma, a paz e a leveza que uma conexão dessas pode trazer. Nesse aspeto, ter uma personagem e ter aqueles elementos todos da natureza, para mim, encaixa-se muito bem no objetivo que tinha para aquela música. Sem dúvida que é um complemento muito grande àquilo que eu queria transmitir com a música.

“the wolves” é o teu mais recente single, que sai um mês antes do EP. O que podem esperar os ouvintes?

“the wolves”, o segundo single, é se calhar mais virado para dentro. É uma música que fala do contraste entre as decisões que precisamos de tomar na vida adulta e a leveza de ser criança. Foge um bocadinho ao tema das outras músicas. É um título inspirado na obra O Lobo das Estepes, de Hermann Hesse – uma canção de dualidades.

As outras músicas, por outro lado, falam de relações, tanto de amizades como românticas. Acho que o disco acaba por ser muito à base disso. Três das músicas, incluindo a dos meus avós, são sobre relações e sobre, de um modo geral, o quanto elas contribuíram para mim e o quanto pude crescer com elas. A música dos meus avós serve mais como um agradecimento do que como uma memória. A música acaba por ser uma maneira de explorar e de perceber o quão importantes são para mim; neste caso, todas as faixas acabam por ser um agradecimento a relações que tenho ou tive.

Agora, a pergunta que já se tornou clássica ao longo deste ano e meio: que peso teve a pandemia neste processo?  

É engraçado; eu ainda não pensei muito nisso porque a pandemia para mim não significou ficar fechado em casa – eu sou médico, portanto, significou muito mais ficar fechado num hospital. Por isso, acima de tudo, se influenciou de alguma forma, foi para atrasar as coisas e, se calhar, até afastar-me um bocado da música. Foi um ano pesado. Foi um ano muito, muito atípico.

Mas poderá ter influenciado de outras formas. Apesar de tudo, alguns dos atrasos, nomeadamente em gravações e misturas, deram-me também mais tempo para explorar. Então, se calhar, se não fosse a pandemia, o álbum até teria saído um ano antes, mas não estaria tão bom como está agora. Acho que houve ali algum espaço para experimentar novas coisas e melhorar alguns aspetos que não teria havido se não fosse a pandemia. Por isso, espero que a pandemia, para além de me ter trazido um EP melhor, também me tenha feito crescer. Mas isso só o tempo dirá.

O que aprendeste depois deste período?

Sobre mim, descobri que sou mais resistente do que achava [risos]. Em termos de otimismo e assim, acho que lidei bastante bem com a desgraça e com o caos que houve. Não conhecia, talvez, essa faceta em mim. Também aprendi o quão importante às vezes é parar, em muitos sentidos. Relembrou-me a falta que faz (e começou a fazer cada vez mais) parar um bocadinho e não estar sempre a trabalhar, não estar sempre em atividade.

Em relação à sociedade, fiquei impressionado com o quão frágeis podemos ser enquanto sociedade. Acho que a pandemia veio mostrar que – e não quero que isto se torne extremamente político –, se não tivéssemos um estado social que nos protegeu de tantas formas, aguentou o nosso Sistema Nacional de Saúde e apoiou tantos setores, isto poderia ter sido uma desgraça ainda maior do que foi. Enquanto comunidade, acho que também vimos gestos muito bonitos, muita união e muito empenho, em determinadas alturas.

Sobre concertos, já tens alguma ideia de como vão ser as atuações?

Tenho muitas ideias, mas nada assim de definitivo. Em termos de setup, há de ser uma coisa simples, no máximo três pessoas. Acho que o aspeto coral deste projeto é muito importante por isso estaria fora de questão tocar a solo. As harmonias de vozes trazem muito ao projeto e, por isso, quero pelo menos ter duas pessoas a cantar comigo. Em termos de decoração, ainda não tenho assim nada muito definido. Mas quero que haja interação com o público e que não seja só uma mera exposição das músicas. Mas isso depois vemos.

É ingrato lançar um disco na pandemia?

Sim, é ingrato porque se perde muito da interação, de poder tocar, de fazer as coisas acontecer ao vivo. Por outro lado, eu tinha que lançar isto porque quero começar a trabalhar noutras coisas. E, apesar de eu adorar tocar ao vivo e ter a certeza que vai ser espetacular tocar isto, ir em tour e toda a interação e convívio que existe à volta disso, eu faço música pelo CD. Isto sem desvalorizar o tocar ao vivo. Acho que o meu propósito na música é a criação, portanto, para mim, o mais importante é fazer música, produzi-la e gravá-la. Isso é o fundamental para mim. Não quero deixar de o fazer. Tocar ao vivo é um grande bónus e uma excelente consequência disso, mas não é o meu objetivo primordial.

 

Fotograma do videoclipe de “the wolves”

 

Falemos de inspirações. Se fosses para uma ilha deserta e só pudesses levar três discos, quais seriam e porquê?

Eish, três discos [risos]. Já vi montes de gente a responder a esta pergunta e eu nunca soube o que responder…

Ora bem, um deles tinha de ser do Patrick Watson porque é dos maiores génios que conheço. Não sei qual deles [risos]. Talvez Adventures In Your Own Backyard, que foi o álbum que me fez apaixonar pela música dele.

E, apesar de agora já não ouvir, acho que tinha de incluir um disco de uma banda que me fez querer fazer música. É dos Opeth, uma banda sueca de metal progressivo – um estilo de música que agora já não ouço, mas que ouvia muito na minha adolescência. Foram eles que me fizeram sonhar com ser músico e querer começar a criar música mais a sério. Deles, levava o Blackwater Park, que me marcou mesmo muito.

Epá, isto é mesmo difícil.

Pronto, podes escolher mais dois para te facilitar a vida [risos].

Ok [risos], uma mochila maiorzinha. Levava o Carrie & Lowell do Sufjan Stevens porque é um álbum, para mim, muito, muito impressionante. É  das obras de arte na música mais bonitas que conheço e também das mais simples. Numa altura em que eu estava sempre à procura de coisas para acrescentar às minhas músicas e de como lhe pôr mais efeitos ou mais aspetos de produção, esse álbum foi muito bom para me lembrar da simplicidade, de que às vezes menos é mais. O disco consegue ser mesmo muito minimalista e não precisa de mais nada, acho que é espetacular nesse sentido.

Pronto, já estão três. Mas só com estes álbuns ia ficar um mood muito dark [risos]. Se calhar, o quarto podia ser o 22, A Million do Bon Iver porque é um disco que (é dos meus preferidos, mas, para além disso) mostra uma evolução artística muito atípica, acho eu. Ele evoluiu de várias formas e a música dele transformou-se também, então, esse álbum marca muito a maneira como é possível evoluir e uma pessoa ir mudando ao longo da sua carreira.

Há algum artista com quem gostavas de colaborar?

Imensos. Gostava muito de eventualmente trabalhar com o Noiserv porque também é uma grande inspiração minha, adoro a música dele. Gostava de trabalhar também com o Homem em Catarse, gosto muito das músicas dele e de quem ele é enquanto pessoa. Colaborar com elementos dos Linda Martini também seria espetacular – por exemplo, o André Henriques -, pois foram uma grande influência e identifico-me bastante com eles. A lista é infinita [risos].

Para rematar: estreaste-te com indie folk. Pensas transitar por alguma outra sonoridade no futuro?

Neste momento não, mas acho que é muito provável que venha a evoluir e a acrescentar elementos de outros géneros. Mas, para já, não. Para já, pretendo manter-me onde estou.

 

Fotograma do videoclipe de “the wolves”

 

the great round é o EP de estreia do cantor-compositor portuense toubkal e tem lançamento marcado para dia 25 de outubro em versão física, com cinco faixas, e em todas as plataformas de streaming, com quatro. Aguardamo-lo com calma e em sossego, tal como ensina a sua música.

Fotografia por Margarida Dias

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