Cinco Discos, Cinco Críticas #71

| Novembro 22, 2021 3:48 am

Já preparando as nossas listas dos melhores álbuns de 2021, continuamos a ouvir e partilhar o melhor da música alternativa portuguesa e internacional nas nossas críticas mensais. O blackgaze e shoegaze de Diorama e Downfall of the Neon Youth, a experimentação de CXXI, as fantasias pós-industriais de Structure e o folk de Shade são analisados na nova edição do Cinco Discos, Cinco Críticas, focada em Parannoul / Asian Glow/sonhos tomam conta, Richard Youngs, Water From Your Eyes, MØL e Grouper.

Parannoul / Asian Glow / sonhos tomam conta – Downfall of the Neon Youth [Longinus Recordings]

Editado pela Longinus Recordings, Downfall of the Neon Youth é um split album que junta três jovens artistas independentes à volta dos quais tem surgido um certo culto na internet: Parannoul¸ Asian Glow e sonhos tomam conta.

Parannoul é provavelmente o mais popular do trio. O enigmático músico sul-coreano alcançou um sucesso inesperado com o seu segundo álbum, To See the Next Part of the Dream, onde apresenta um shoegaze emo em faixas longas e emocionais. Estas abraçam um tom algo melodramático que não me agradou de todo, mas as suas contribuições para Downfall of the Neon Youth evocam um ânimo diferente e beneficiam de uma mistura mais limpa e equilibrada. Incorporam também mais elementos eletrónicos, nomeadamente os sintetizadores e a excelente percussão programada de “Insomnia” ou a instrumentação do interlúdio ambiente “70 Seconds Before Sunrise”.

Asian Glow, também sul-coreano, tem um estilo mais lo-fi, virado para o indie rock, fazendo lembrar alguns discos de The Microphones. As suas músicas mais intensas e dinâmicas, “Nails” e “one May Be Harming”, são as minhas preferidas do álbum. “Phone Ringing on Corridor” distingue-se destas pois aproxima-se do shoegaze pela distorção digital que envolve a instrumentação.

sonhos tomam conta é uma artista brasileira cujo shoegaze é caracterizado pela incorporação calculada de vocais guturais e riffs mais pesados em algumas músicas, já em território blackgaze, e pelo uso abundante de reverb. Este é tanto que torna alguns instrumentos, progressões de acordes ou até mesmo a voz pouco claros, misturando harmonias e melodias e obscurecendo as estruturas das canções. A técnica poderá não agradar a todos os ouvintes, mas é um traço essencial da sua sonoridade habitual.

Downfall of the Neon Youth é um excelente ponto de partida para conhecer os artistas envolvidos, incluindo algumas das melhores músicas já lançadas por cada um deles.

Rui Santos

Richard Youngs – CXXI [Black Truffle]

O 121º registo discográfico do músico inglês Richard Youngs é uma espécie de exercício algorítimico em forma de autobiografia: a estrutura dos 40 minutos de disco gira em torno de uma sequência de 121 acordes, representados na capa e na edição física do disco, como que a convidar o ouvinte a participar neste auto-retrato musicado.

Desde os anos 90 que Youngs tem sido um dos mais prolíficos e singulares artistas da cena experimental britânica. Nascido em Cambridge mas com sede criativa em Glasgow, fez uso de um largo espectro de instrumentos ao longo das suas várias dezenas de discos, desde instrumentos tradicionais chineses ao saltério, e foi um dos mais frequentes colaboradores do lendário Jandek.

Ao longo dos últimos anos, e em particular neste novo CXXI, a sua voz tem tomado um lugar central das suas composições, como em “Tokyo Photograph”, a primeira das duas peças apresentadas no disco. A essa voz, apenas capaz de soltar sons dispersos e abstractos, junta-se um trombone quase que asfixiado de Sophie Cooper, e ambos pontuam a sucessão pré-concebida de acordes, criados por uma electrónica minimalista e flutuante. Esses dois instrumentos e os field recordings que vão surgindo a espaços acabam por representar a face “humana”, intuitiva e imprevisível de um disco cuja composição é propositadamente metódica, matemática e estruturada sob um conjunto pré-estabelecido de regras. Os momentos de espontaneidade vencem o lado robótico da composição, tornando CXXI numa obra mutante. Tal como o próprio Youngs.

Luís Sobrado

Water From Your Eyes — Structure [Wharf Cat]

A editora nova-iorquina Wharf Cat Records tem vindo a abrigar alguns dos mais inusitados trabalhos feitos no presente ano (experimentem ouvir Breezy, dos americanos Macula Dog sem se perguntarem o que acabou de acontecer). Exemplo disso é Structure, o admirável segundo álbum do duo de Nate Amos e Rachel Brown, ou seja, Water From Your Eyes.

Comecemos pelo início. “When You’re Around” é um daqueles temas de abertura que nos dá logo a volta a cabeça: a candura psicadélica de Brown, vocalista, sugere os ambientes espectrais de uns Broadcast, pintando um ardiloso quadro de pop hauntológica e sonhadora, mas os sintetizadores bojudos de “My Love’s”, que se seguem minutos depois, em nada têm a ver com as aventuras espaciais da banda de Trish Keenan. “Monday” volta a piscar o olho às bandas-sonoras do cinema italiano dos anos 1970, percorrendo as bibliotecas musicais perdidas dessa mesma década, mas as basslines sujas e as guitarras cortantes de “Quotations” sugerem outras coordenadas, como os riffs metálicos dos Big Black de Steve Albini ou o nervo post-hardcore dos contemporâneos Moin, que exploraram vias similares no seu recente longa-duração de estreia, Moot!, editado no último mês de julho.

É, contudo, ao sexto momento do disco — que se dá pelo genial título “Track 5” — que encontrámos a verdadeira essência de Structure, um tema que vive da antecipação e que usa a tensão e o silêncio como via para criar engenhosas fantasias pós-industriais que têm tanto de poético quanto de maravilhosamente surreal.

Filipe Costa

MØL – Diorama [Nuclear Blast Records]

Os dinamarqueses MØL lançam o seu segundo álbum de originais de seu nome Diorama, que conta com oito faixas ao todo. O blackgaze aqui tomado a cabo pela banda é caracterizado por uma abordagem igualmente atmosférica e melódica, sem nunca deixar de demonstrar a vertente mais agressiva do género, com uma presença esporádica de vocais limpos que servem para intercalar com os guturais mais próximos da cena black metal. O trabalho de guitarras em si também serve de cunho para os MØL se destacarem do resto da cena blackgaze, demonstrando uma atitude mais entusiasmante pelos seus riffs que têm tanto de etéreo como de colérico, além de revelar uma tendência mais progressiva e sonoridades mais angulares em certos pontos do álbum.

As faixas incluídas no alinhamento, apesar de seguirem uma linha geral comum entre elas, conseguem ser distintas umas das outras. Só para citar uns exemplos: “Photophobic” é uma boa antevisão do que se pode esperar da sonoridade geral da banda, “Serf” tem uma direção predominantemente mais shoegaze, “Vestige” é incrivelmente catchy com os seus riffs melódicos e ritmo alucinante, “Tvesind” revela uma inclinação para o black metal devastador puro e duro, e o tema-título é algo mais próximo do post-metal. Se procuram por algo que vos ajude a convencer que há vida no nicho de blackgaze para além dos consagrados Deafheaven, Diorama poderá ser o argumento que fará toda a diferença.

Ruben Leite

Grouper – Shade [Kranky]

Shade é o mais recente trabalho de estúdio de Grouper, nome artístico da estadunidense Liz Harris. Trata-se de um álbum bastante lúcido, guiado pelas guitarras (algo que não se verificava no seu reportório desde The Man Who Died in His Boat, de 2013).

A profundidade e bucolismo é o grande forte deste lançamento. É feito de uma forma imensamente minimalista, mas com um poder interior muito fortalecido, criando uma atmosfera delicadamente madura, contendo a melancolia do fim de outono para início de inverno. Claro, não tem nada que a artista não tenha explorado anteriormente em outros dos seus trabalhos, não se comparando a discos como Dragging a Dead Deer Up a Hill (2008) ou Ruins (2014), mas continua a ser um esforço bastante sólido.

Dentro destas nove faixas, que juntas perduram por cerca de 35 minutos, eu diria existirem dois grandes destaques. Primeiramente, foco a luz em “Unclean Mind”. A suavemente distante voz da artista, complementada pelas vozes de apoio, combinam espetacularmente bem com a guitarra acústica, misturando o indie folk com o ambient folk, provando mais uma vez o porquê de Grouper ser uma das inspirações para o movimento de indie folk mais recente, com bandas e artistas como Daughter, Ben Howard e Wye Oak. De seguida, temos a faixa que fecha o álbum, “Kelso (Blue Sky)”, por razões muito semelhantes ao exemplo anterior, mas também por deixar um fim em aberto, deixando o ouvinte (ou pelo menos eu) a olhar dissociativamente para o além, com memórias distantes e vagas das quais seriam sequer difíceis descrever. Acaba subtilmente, a espairecer no ar, como um eco.

Basicamente, apesar de este não ser o melhor álbum da artista, é algo que vale a pena ouvir. Não tem nada de novo, mas quem gosta do folk mais recente que a indústria tem para dar, mas especialmente quem acompanha e gosta do trabalho de Grouper, tem aqui um álbum novo para a coleção.

João Pedro Antunes

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